As aulas presenciais na rede estadual do Paraná voltaram no último dia 21 de julho. Desde então, as escolas têm recebido mais alunos a cada semana. Porém, mesmo com a volta no modelo presencial, o ensino remoto continua como opção e estudantes que ainda não se sentem seguros por conta da pandemia podem estudar por meio de plataforma online. Pelo menos na teoria é assim.
Na prática existe uma pressão por parte das direções das escolas que convocam estudantes enfatizando que é obrigatória a volta ao ensino presencial. As mensagens, a maioria enviadas por WhatsApp, alegam inclusive que a Plataforma Meet (onde os alunos assistem às aulas e realizam atividades) deixará de funcionar em breve.
Não há um documento oficial emitido pela Secretaria do Estado da Educação e do Esporte (Seed) obrigando estudantes a voltarem para as salas de aula. Porém, o Ofício 051/2021 de 02 de agosto, encaminhado pela Secretária aos colégios, destaca que as direções devem pedir uma justificativa por escrito dos pais que não autorizarem a volta dos filhos. Existe também a orientação de que a Rede de Proteção Local seja acionada caso as justificativas não sejam entregues ou não envolvam problemas de saúde ou transporte escolar. Esse ofício se contrapõe à Resolução 735/2021 da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) emitida em 10 de agosto e que orienta a volta às aulas e os protocolos de segurança contra a Covid-19 na rede de ensino pública e privada. Tanto o artigo 2 quanto o artigo 7 da resolução garantem que a volta presencial não pode trazer prejuízo ao ensino online e que cabe aos pais decidir se os filhos devem voltar.

O artigo 2 e o artigo 7 da Resolução da Sesa garantem que cabe aos pais decidirem se os filhos voltam para o presencial
Essa contradição trazida pelos dois documentos parece ser uma estratégia da Secretaria do Estado da Educação e do Esporte para obrigar alunos a voltar às aulas e se eximir de problemas legais em casos de surtos de Coronavírus.
A Seed tem delegado às direções das escolas a responsabilidade por obrigar os estudantes a voltar ao ensino presencial contrariando a resolução expedida pela Secretaria de Saúde. E os diretores e diretoras que se opõem a essa prática sofrem punições que envolvem afastamentos e abertura de processos administrativos.

Trecho do Ofício encaminhado às escolas pela Seed quer obrigar os pais a mandarem os filhos para a sala de aula
No dia 02 setembro Katia Belasque Bauch, que é diretora do Colégio Brasílio Vicente de Castro na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), foi afastada de seu cargo e contra ela foi instaurado um processo administrativo movido pelo Diretor Geral da Secretaria do Estado da Educação e do Esporte (Seed) Vinícius Mendonça Neiva. Além de Katia, diretores de outros dois colégios também foram afastados recentemente pela Secretaria de Educação: o diretor do Colégio Estadual Jayme Canet, no Xaxim e o diretor do Colégio Gabriela Mistral, no bairro portão. Os dois últimos voltaram a seus cargos no último dia 21 por decisão da justiça depois que mandados de segurança a foram impetrados pela APP- Sindicato em nome dos educadores.
A diretora Katia continua afastada. Documento obtido pelo Parágrafo 2 mostra que está em andamento um processo disciplinar contra ela. No documento, a Seed ressalta que Katia seria alvo do processo, entre outros motivos, por “deixar de cumprir com seus deveres: lealdade e respeito às instituições constitucionais e administrativas a que servir e não observância as ordens superiores”.
Entretanto, o que teria motivado o afastamento e a abertura de processo seria, segundo a APP-Sindicato, diretores e professores ouvidos pela reportagem, a baixa adesão ao ensino presencial no colégio gerido por Katia.
Marcelo Rebinski é docente da disciplina de História é está lotado há seis anos no Colégio Brasílio Vicente de Castro. Ele revela que a alegação da Seed para afastar a professora Kátia e mais dois diretores de escolas de Curitiba é, a princípio, de insubordinação, mas na verdade é por conta de baixos índices de adesão ao ensino presencial nos colégios comandados pelos três. “Na verdade, a punição se dá devido a escola não ter atingido o máximo possível de alunos no ensino presencial. Como se fosse uma decisão unilateral das direções obrigar os pais e mandarem seus filhos para escola. O que ocorreu no Colégio Brasílio é que a direção estava cumprindo à risca a Resolução 735/2021, que dá aos pais o poder de decidir pelo retorno ou não de seus filhos. Dando a opção do ensino remoto”, conta.
Segundo o docente, após a pressão da Secretaria de Educação e o afastamento da diretora Katia, o percentual de estudantes que voltou às aulas deve estar em torno de 70%, mas já foi bem menor.
Para ele, o Ofício da 051/2021 contraria totalmente a Resolução 735/2021 da Sesa. “Através do Ofício, a Seed pressiona as direções para que as famílias mandem seus filhos para a escola, no formato presencial. Segundo esse documento, o ensino remoto deve ser oportunizado apenas aos alunos com comorbidades. Na verdade, é uma forma de pressão para que as escolas tenham o máximo possível de alunos no formato presencial. Isso desrespeita totalmente a Resolução emitida pela Secretaria de Saúde, inclusive o protocolo de Biossegurança que estabelece uma série de normas, como o distanciamento social. O Ofício é uma forma de pressionar diretores, para que estes pressionem as famílias pelo retorno presencial”, afirma.
O Parágrafo 2 ouviu também uma diretora de um colégio do município de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (tanto o nome do colégio quanto da diretora não será revelado). Lá, cerca de 41,9% dos estudantes voltaram para as aulas presenciais. A pressão da Seed, conforme revela a diretora, tem sido enorme e se dá principalmente via Núcleos Regionais de Educação (NRE’s). “A Seed se comunica com as escolas através do nosso NRE e o mesmo o faz através do projeto que eles chamam de Tutoria. Estes tutores cobram diariamente nossos índices e resultados”, diz.
Ela também revela que as direções recebem mensagens de “incentivo” por WhatsApp e que aquelas que aumentam os índices de alunos no ensino presencial recebem “estrelinhas” em comemoração.
Para a diretora, os gestores que foram recentemente afastados pela Seed não tinham funcionários suficientes para cumprir o protocolo de biosegurança, sendo assim ficaram com medo de chamar os alunos para o presencial. “Por mais que a Seed force, os diretores sabiam que não poderiam dar conta desta demanda. Em nossa escola não é diferente, somos medidos pelo power BI a todo instante, as conversas com nossa tutora são diárias”, destaca. O Power BI é um serviço de análise de negócios da Microsoft.

Comunicação encaminhada pelos Núcleos às escolas incentiva e “premia” os melhores índices de volta às aulas presenciais
A coação infligida pela Secretaria de Educação também é ressaltada pela APP- Sindicato que encaminhou a seguinte nota para esta reportagem:
“À revelia dos parâmetros legais que norteiam a retomada das aulas presenciais, a SEED, por meio dos Núcleos Regionais da Educação (NREs), tem apelado à coação e ao arbítrio para forçar a presencialidade de estudantes nas escolas estaduais.
Além do afastamento de diretores(as), já parcialmente revertido por conta de ações movidas pela APP, em diversas regiões relatos dão conta de ameaças de novos processos administrativos e da retirada de adicionais de diretores(as) que “desobedecerem” às ordens. Trata-se de um franco desrespeito à autonomia e à gestão democrática.
A pressão recai sobre o conjunto da comunidade escolar, incluindo pais. Algumas escolas suspenderam o envio dos links para alunos(as) assistirem às aulas remotas. Mais uma atitude arbitrária e contrária às resoluções e orientações oficiais da rede.
A APP-Sindicato reforça que permanecem válidas as Resoluções 735/21 e 3616/21, que estabelecem os protocolos de Biossegurança, o ensino remoto e o direito à escolha de mães, pais e responsáveis”.
Nesta sexta-feira (24) haverá uma manifestação contra o afastamento da diretora Katia Belasque Bauch. O professor Marcelo Rebinski revela que toda Comunidade Escolar está indignada, pois a professora Kátia sempre cumpriu com seus deveres e responsabilidade do cargo que ocupa. Jamais houve insubordinação às orientações da Mantenedora. Neste caso, o que houve foi exatamente o cumprimento da Lei e da Resolução.
Quase dois mil infectados por Covid nas escolas
As escolas do Paraná tinham registrado, no começo de setembro, 1,9 mil casos positivos de Covid-19 entre estudantes, professores e funcionários. É o que aponta um monitoramento feito nas escolas pela Seed, em cumprimento às resoluções e orientações das autoridades sanitárias e como forma de manter os colégios mais seguros.
O Parágrafo 2 entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Educação pedindo esclarecimentos sobre os fatos trazidos nesta reportagem. A Seed encaminhou a seguinte nota:
“A Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed-PR) informa que prioriza, neste momento, a realização de aulas presenciais, reservando aos estudantes com comorbidades a opção pelo modelo remoto. Os responsáveis pelos estudantes que permanecerem nas aulas remotas devido a comorbidades devem oficializar a decisão mediante a escola.
A Seed-PR incentiva que as escolas da rede pública de ensino recebam, com segurança, um maior número de estudantes, motivando-os pela permanência, uma vez que o ensino remoto contribui para a aprendizagem, mas não substitui as atividades pedagógicas ofertadas de modo presencial.
Motivos de não retorno que não sejam relacionados a questões de saúde ou problemas no transporte escolar serão encaminhados para acompanhamento da rede de proteção local (conforme orientado no Ofício Circular 051/2021, de 2 de agosto), a fim de que esta auxilie as famílias a superarem as situações que dificultam o retorno, visando ao combate à evasão escolar.
Todas as escolas da rede estadual seguem o protocolo de biossegurança elaborado pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, e cada Núcleo Regional da Educação possui um comitê de biossegurança que monitora casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 nas escolas”.