Arte: Cororo
Reflexões acerca do meu aflitivo e dramático contato com a ansiedade.
Por Jaque Marcelino
Não. Você não está sozinho. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno, inclusive esta que vos fala.
De alguma forma, ela, a ansiedade, sempre esteve por perto e a Pandemia do Coronavírus a intensificou. Ninguém está bem, mas o fato de saber disso não nos deixa melhor, a menos que sejamos sádicos a ponto de ficarmos bem com o sofrimento alheio.
Há poucos dias, lembrei-me de um texto de Clarice Lispector, chama-se Perdoando Deus. Em um momento de liberdade, está o “eu” do texto andando pela rua, despretensiosa, amando de puro amor, a ponto de sentir-se a mãe de Deus, quando, repentinamente lhe aparece o que menos esperava:
“E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo, estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos”
Na verdade, nenhum de nós está preparado para o rato morto, que só nos causa é medo e estranheza, em nenhuma escola e em lugar algum nos ensinaram a encará-lo. Ouvimos sempre que devemos ser felizes, ter alegria de viver. Mas, como muito bem questiona Macabéa, personagem de A hora da estrela, da mesma autora, Feliz serve pra quê? Ser feliz é a ausência de todo e qualquer sofrimento? Onde se aprende a inteligência emocional, capaz de fazer com que aprendamos a lidar com medos, frustrações e sentimentos?
Não existe uma receita para ser feliz, tão pouco se é possível viver em estado de plenitude, mas ao que parece, e é que eu tenho notado nesta minha luta contra a ansiedade, é que somente um caminho é possível, o autoconhecimento. Por alguns dias, cheguei a pensar que iria surtar, que havia duas de mim vivendo em minha mente, uma dizendo “pensa nisso, pensa, pensa” outra que combatia dizendo “Esquece, esquece, esquece”, e os pensamentos obsessivos e cenários catastróficos somente se intensificavam.
Então, o grande filósofo Sócrates disse “Conhece-te a ti mesmo”, conhecer-se não é definir-se somente, como tentava fazer também a Macabéa com “Sou datilógrafa, sou virgem e gosto de coca-cola”. Não somos nossa profissão, nem nossos gostos ou crenças. O que somos então? A essa pergunta, somente você pode responder a si mesmo, durante esse árduo caminho de descoberta, altos e baixos aparecerão. Eu por exemplo, sei o que eu não sou. Não sou professora, não sou escritora, não sou cozinheira, não sou minhas emoções, nem meus medos.
Evidentemente, não sou coach, nem estou aqui para mudar a sua vida. Mas achei que, neste momento, poderia ajudar algumas pessoas, e a mim mesma, dividindo minhas reflexões acerca do que venho aprendendo sobre essa tal de ansiedade. O primeiro passo é encará-la de frente, procurar ajuda de um psicoterapeuta, meditar, exercitar-se, fazer yoga, respirar. Você não precisa virar uma pessoa “gratiluz” que aplaude o pôr do sol, mas se quiser, pode. Somente você saberá o que te faz bem, e só saberá o que te faz bem, sabendo quem você é, conhecendo-se a si mesmo. Para isso, você deve agir sozinho, só depende de cada um de nós. Você não está sozinho no sofrimento, não é especial, como também não sou, mas está sozinho consigo e deve aprender a encarar todos os ratos mortos que aparecem. Lembre-se, ainda, de que só a arte salva. Então leia, cante, aprenda a tocar um instrumento, escreva, é o que estou tentando fazer, como disse Alice Ruiz:
Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo Mude como modelo Vá ao cinema dê um sorriso Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo Se amargo foi já ter sido Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido Saia do sério deixe os critérios Siga todos os sentidos Faça fazer sentido A cada mil lágrimas sai um milagre Caso de tristeza vire a mesa Coma só a sobremesa coma somente a cereja Jogue para cima faça cena Cante as rimas de um poema Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura Quem sabe casando cura Ninguém sabe o que procura Faça uma novena reze um terço Caia fora do contexto invente seu endereço A cada mil lágrimas sai um milagre Mas se apesar de banal Chorar for inevitável Sinta o gosto do sal do sal do sal Sinta o gosto do sal Gota a gota, uma a uma Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre A cada mil lágrimas sai um milagre |
Disponível em https://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/discografia/bicho2/milagrimas.htm