A maioria dos brasileiros hoje vivem em cidades, dos vários tipos. Litorâneas, do interior, entrepostos comerciais, industriais, portuárias. A vida nas cidades apresenta uma diversidade inpressionante, tanto na história e composição social de cada uma delas quanto nas suas contradições internas. Enquanto em Salvador uma rica vida cultural se espalha pelas ruas da cidade, com arte e música penetrando cada poro de seus cidadãos, Curitiba reprime com a guarda metropolitana os frequentadores de bares nas calçadas e os blocos de carnaval. Na mesma São Paulo onde no rico bairro de Moema, estudantes escolhem qual será o terceiro idioma que lhe será ensinado na escola no Ensino Médio trilíngue, estão servindo restos de pele de frango como merenda nas escolas públicas. Nossas cidades possuem populações que vivem a cidade, que a pulsam de movimento e que, como o sangue em nossas veias, precisam se movimentar para fazer as cidades funcionarem como são.
Existem muitos meios de se locomover por uma cidade. Pensemos Curitiba como um exemplo. A cidade foi desenhada em um planejamento metropolitano pela equipe do IPPUC coordenada pelo urbanista Jaime Lerner. As vias rápidas foram projetadas para abrigar carros em alta velocidade, com grandes rotatórias nos cruzamentos para evitar o uso de semáforos. Esta forma de se locomover se torna cada vez mais inacessível dada a inflação sobre os combustíveis, apesar da baixa de preços como estratégia eleitoreira de Bolsonaro. Os ônibus circulam entre terminais em vias intermediárias, chamadas popularmente de “canaletas” e podem desembarcar nos “tubos” ou pegar alimentadores para os bairros. A passagem no valor de R$ 5,50, a mais cara entre as capitais brasileiras, fez reduzir o número de usuários em grande parte das linhas. As motocicletas, crescentes nas cidades, inundam os corredores entre os carros, e o número crescente de recém habilitados que disputam as frestas de ruas e avenidas com entregadores de delivery – sempre com pressa – torna crescente o número de acidentes. É possível também caminhar pelos calçadões boulevares, inspirados na urbanização parisiense, onde há marquises e comércio no térreo, como nas ruas XV de Novembro e nas “canaletas”. Aqui vemos de maneira clara que os urbanistas pensam o pedestre sempre como alguém que consome, nunca como alguém que se locomove. E a muitos que precisam cruzar longas distâncias para acessar o trabalho ou espaços de lazer, mas que não podem ou não querem gastar dinheiro resta um modal de transporte pouco problematizadoou pensado de maneira adequada: as bicicletas.
A imagem que a mídia e os urbanistas constroem da bicicleta é desta como equipamento de lazer. Mas se pensarmos que em grande parte das pequenas e médias cidades do Brasil esta é o principal meio de transporte dos mais pobres, e que em grandes cidades, incluindo Curitiba, as bicicletas disputam espaço com carros, motocicletas e ônibus nas vias de circulação rápida, causando frequentes atropelamentos e quedas. Esta fração da classe trabalhadora que se locomove ou trabalha fazendo entregas de bicicleta é o elo mais frágil e invisibilizado de nossas políticas para as cidades. É necessário um cicloativismo popular, que pense cidades onde se possa pedalar sem o risco de tomar um esbarrão de um ônibus durante o trajeto, ou de encontrar um degrau no meio da ciclovia.
Uma cidade que se pense também do ponto de vista do cicloativismo popular, que dialogue também com as necessidades ciclistas trabalhadores e periféricos (mas a galera da barra fixa também é bem vinda!) necessita pensar em mecanismos de democracia direta na gestão das cidade, em um urbanismo que se pense de baixo pra cima, para que os modais de transporte se adequem às necessidades dos trabalhadores nas suas diversas formas de se locomover, e não o contrário, onde os cidadãos devem se adequar a uma cidade desenhada por quem não usa transporte público cotidianamente. Neste sentido, entendo que na corrida presidencial, onde teremos que escolher entre dois projetos de país para o segundo turno, somente a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva abre espaço para que os setores populares participem da gestão das cidades de uma maneira menos desigual e truculenta, caso do atual presidente. Para exercer e democracia direta nas cidades, antes temos que estar vivos, e uma gestão que prega a morte não pode estar em nosso horizonte. Por isso, neste Sábado, 08 de Outubro, às 15 horas na Praça Tiradentes haverá o PedalaLula Curitiba, evento que reúne diversas frações do movimento cicloativista (com suas inúmeras cores, identidades e concepções políticas, mesmo aqueles não petistas, como eu) para pensar e viver a cidade dentro de suas veias, pedalando pelas ruas, com muita música, alegria e consciência política. É preciso viver a cidade, para conhecê-la, e nela combater.