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No último dia 11/09, o vereador de Curitiba Ezequias Barros (PMB) divulgou em suas redes sociais um vídeo no qual ataca aulas da rede municipal de ensino que abordavam rituais de Umbanda. A postagem, que leva o título “Você ensinaria isso para seu filho?”, traz um recorte de uma videoaula da TV Escola, da Secretaria Municipal de Educação. No trecho da aula, utilizado de forma descontextualizada e incitando críticas à educadora, é abordada a história de Iemanjá, orixá cultuada pelas religiões de matriz africana: Umbanda e Candomblé.
Para o vereador, as aulas são ideológicas “e querem formar na mente das crianças alguns ensinos que muitas vezes não é o meu, o seu, ou o nosso”, diz Ezequias no vídeo que publicou. O parlamentar alega que as aulas estariam ensinando práticas religiosas aos estudantes, “será que ninguém está vendo? Se agora, com aulas online acontecem esse tipo de coisa, imagine em sala de aula”, questiona. “É inadmissível esse ensino religioso da forma como estamos vendo… sou contra o ensino religioso em escolas”, completa Ezequias que é pastor auxiliar na Igreja O Brasil para Cristo, no bairro Pinheirinho, onde é membro há mais de 20 anos.
O professor Geraldo Balduino Horn, Pós-Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria, ressalta que o vereador está totalmente equivocado e desinformado quando, ao se referir à aula de ensino religioso, afirma que a professora estava induzindo os/as estudantes à prática religiosa. “Lamento dizer que ele não entendeu nada da aula e desconhece totalmente a legislação e a proposta curricular do ensino religioso da Rede Municipal de Curitiba. A professora, em sua aula, está cumprindo com o conteúdo proposto no currículo e na política educacional. Ademais, a disciplina de Ensino Religioso está presente nos currículos escolares desde a Constituição Republicana de 1891, assumindo diferentes concepções a depender do período histórico e da legislação vigente”, diz.
Para Horn, ao dizer que a religião é um assunto que pertence exclusivamente à família, o vereador utiliza argumentos do famigerado projeto da “escola sem partido” de Miguel Nagib e família Bolsonaro. “Antes de falar sobre o assunto, Ezequias precisa entender melhor o que está disposto no Art.33 da LDBEN/1996 sobre a disciplina do ensino religioso. O texto determina que a disciplina deve fomentar ‘o respeito à diversidade cultural do Brasil vedadas quaisquer formas de proselitismo’. Trata-se de entender o ensino religioso a partir de uma perspectiva epistemológica intercultural e não por meio de um ‘falso dilema’ escola e família. É inadmissível que alguém combata e difame aulas de qualquer disciplina a partir de determinados recortes (seleção de conteúdo), desconsiderando a totalidade das aulas e do projeto pedagógico da escola”, enfatiza.
No vídeo, o vereador Ezequias diz que cobrará a Secretaria Municipal de Educação sobre o conteúdo das aulas. Por meio de nota, a Secretaria respondeu que “a premissa do Ensino Religioso é ‘CONHECER PARA RESPEITAR’, aquilo que não conhecemos nos traz medo e preconceito, sentimentos associados às práticas de intolerância religiosa, também previstas na legislação dentro do código penal. Assim, apresentar a diversidade é construir uma sociedade mais justa e que coloca em prática o que traz a nossa carta magna ‘todos são iguais perante a lei’. Buscamos a cada dia uma sociedade livre da intolerância religiosa e do preconceito, esse é o foco das aulas de Ensino Religioso no Munícipio e na BNCC”, diz trecho do comunicado.
Geraldo Balduino revela que ao longo dos anos o objeto de estudo da disciplina curricular Ensino Religioso assumiu distintos contornos, focos e definições. Atualmente, após longas discussões e debates curriculares com distintos atores da comunidade escolar e setores sociais, “o Sagrado” foi definido e assumido, como lembra o professor, consensualmente como objeto de estudo do Ensino Religioso. Esta concepção, por um lado, superou o ensino religioso catequético – que muitas vezes se confundia com rituais e práticas religiosas (em estrito sentido) -, por outro, possibilitou adotar o conceito de Conhecimento Religioso, conforme sugerido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essa concepção permite entender o fenômeno religioso a partir um ponto de vista cultural e histórico, da diversidade religiosa presente na cultura brasileira. Assim sendo, há que se considerar, no ensino religioso, as diferentes linguagens, saberes, crenças, cosmovisões, narrativas, textos sagrados, símbolos, temporalidades sagradas, mitologias, festas religiosas, ritos e práticas fundadas em princípios éticos e morais, de acordo com as culturas nas quais se expressam ou delas fazem parte. “É disso que se trata. Se observarmos bem, a professora ilustrou, por meio de recursos didático-pedagógicos, conhecimentos relacionados ao sagrado de uma determinada cultura religiosa que se faz presente no território nacional e não induziu à prática religiosa específica, conforme entendeu o vereador. Diante desta denúncia infundada e preconceituosa, seria importante perguntar ao referido parlamentar se ele se posicionaria da mesma maneira caso a abordagem da aula em questão fosse sobre o sagrado referente à matriz cultural religiosa cristã?”, questiona.
Polêmicas
Esta não é a primeira polêmica em que o vereador Ezequias se envolve quando o assunto é religião. Em 01/10/2019 ele usou a Tribuna da Câmara para justificar, com um trecho da Bíblia, Militar. O vereador afirmou que quando se descumpre a lei “a espada pode cortar a cabeça e matar”, em referência ao livro de Romanos, capítulo 13. “Isso é novo testamento, é Bíblia. O apóstolo Paulo falando aqui que a espada, e espada é pra quê? Pra fazer carinho? Não, espada é pra matar mesmo. É pra cortar a cabeça”, disse.
O vereador afirmou que os rapazes que, segundo ele, enfrentaram a polícia “talvez até tenham tirado a vida de alguém”. “E é isso que a Bíblia diz. Quando você descumpre a lei a espada pode cortar a cabeça e matar”, comentou na ocasião.