Zeca era doutor em perfurações de tijolos. Ninguém sabia melhor a diferença entre um tijolo de 4 furos e outro de 6 como ele. Densidade, coloração, especificidades: ninguém dominava mais do que Zeca. Formou-se em uma Olaria francesa chamada Tijolorne, onde adquiriu status e doutorou-se na profissão. Não era permitido a ninguém se manifestar sobre tijolos sem a presença de Zeca du Bois, alcunha que adquiriu durante o término do doutorado, ocasião na qual, inclusive, ganhou insígnias e outras designações importantes. “Zeca: O Especialista”, diziam com certa reverência. Não admitia que ninguém o chamasse apenas pelo prenome. Para os estranhos e, acredite, para a própria mãe, era Dr. Zeca du Bois. Nome que deveria ser proferido sempre de modo reverenciado e com as devidas condolências.
Ao especializar-se ainda mais em consagradas academias, Zeca decidiu que merecia dar a si um presente um tanto peculiar: uma singular coroa feita de tijolos. E assim o fez. Com o novo artefato, Zeca andava de modo majestoso por qualquer lugar aonde ia e exigia que os estranhos o venerassem. Nas rodas de conversa, geralmente chegava falando em tijolês e logo se propunha a desafiar qualquer um sobre os mais nobres conhecimentos que detinha sobre tijolos. Sua filosofia podia se resumir em um só pensamento: “tijolos são as coisas mais importantes do mundo! Assinado: Zeca du Bois, Doutor Emérito da Tijolorne”.
No entanto, logo Zeca percebeu que sua presença não era mais tão bem estimada entre os que ele costumava chamar “comuns”. “Não são importantes”, dizia. “Não sabem nada sobre tijolos.” E, assim, acostumava-se com o fato de que, logo que chegava a uma roda de conversa, simbolizava, em persona, o fim de um bate-papo. Rapidamente as pessoas se dissipavam e inventavam as mais insidiosas desculpas para sumir do local. “Que os tijolos estejam com você!”, dizia. “Sou mesmo uma sumidade. A sumidade dos tijolos”, admitia para si mesmo. “O mundo inteiro precisa se importar com o que é realmente importante: os tijolos”.
Percebendo astutamente que sua presença dissipava qualquer conversa sobre generalidades, Zeca passou a tomar gosto pelo simples hábito de estragar conversas alheias. “Se não discorrem sobre as propriedades fundamentais dos tijolos, é inútil!”, proclamava.
Então, passaram-se alguns meses até que Zeca começasse, no íntimo, a se considerar um ser ainda mais especial, digno de ser presenteado com os mais nobres artefatos. E a pessoa mais digna a presenteá-lo não poderia ser outra senão ele próprio: resolveu dar a si uma nova coroa de tijolos, mas desta vez ainda maior e mais pesada, feita com tijolos raros.
Após empreender nova confecção, que exigiu mão de obra qualificada e ágil, a fim de implementar o equipamento e obter o objeto em prazo relativamente rápido, estreou a coroa com grande entusiasmo e teve uma outra ideia, que parecia seduzi-lo obsessivamente: a ideia de que o objeto nunca o abandonasse. Precipitou-se, assim, em demandar que alguém pregasse a coroa de tijolos em sua cabeça. Muitos acharam estranho o pedido de Zeca – mas não se podia contrariar um especialista. Novos esforços se concentraram para prender a coroa à cabeça de Zeca du Bois.
Enfim, a coroa havia ficado perfeita, com resultado verdadeiramente satisfatório, pois não caía de modo algum de sua cabeça, mesmo que a movimentasse para os lados. Zeca passou alguns dias procurando se adaptar ao objeto, que exigia de si um esforço hercúleo, a ponto de reclinar a cabeça para trás nas mais diversas circunstâncias e ambientes, e era até arriscado fazer movimentos para frente, os quais poderiam fazer com que seu corpo rolasse para o chão, algo que, sem dúvida, provocaria risos diversos perante os comuns, e isso afrontaria deveras a sua reputação ilibada de Dr. Sr. Emérito especialista em Tijolos.
Logo sua pompa se tornava ainda mais exibida e sua empáfia podia ser sentida das mais próximas às mais longínquas olarias.
Certo dia, mais confiante de que já havia dominado os movimentos da cabeça e se julgando capaz de prever qualquer contratempo ou antecipar-se a um eventual desequilíbrio, Zeca resolveu inclinar o nariz para cima, dessa vez, bem mais alto do que de costume, ao passo que pudesse testar a força de sua coroa de tijolos e ainda ostentar mais ainda o seu orgulho singular. Iniciou o movimento pra cima, inclinando o nariz vagarosamente, obstinado, até que, de repente, empinou tanto o nariz que sua cabeça caiu para trás, rolando pelo carpete da Sala Emérita de Zeca du Bois. Era o fim de Zeca e de todo o seu conhecimento sobre tijolos.