“O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.”(Drummond)
Coluna Filosofia Di vina
As cinzas de agosto começam a cair, o mesmo agosto que levou Raul Seixas trouxe Paulo Leminski. Armado com sua máquina de escrever, ele produziu e viveu intensamente, agitador por natureza e inquieto por nascença, multiplicou-se em várias áreas: jornalismo, tradução, romance, novela, crítica literária, música, filosofia, publicidade e até cinema. Sua obra aparece em Belowars, de 2008, com direção de Paulo Munhoz e Ex isto, de 2010, de Cao Guimarães. Além disso, na década de 1960, participou de um filme sobre o cerco da Lapa. Um verdadeiro mundaréu de coisas, todas elas juntas fertilizam o solo de sua poesia.
Poeta libertário em uma Curitiba provinciana, Leminski foi maior que sua cidade, se Nietzsche fazia filosofia a golpes de martelo, a Besta dos pinheirais (como se autoapelidou) fazia poesia a golpes de judô.
Como a Curitiba contemporânea receberia um filho tão rebelde nos idos de 2019? Muito provavelmente o poeta seria tachado, segundo o crivo delirante do bolsonarismo, como esquerdista, comunista, anarquista, ou algum outro “ista” que estiver e na boca daqueles que falam muito mais que a capacidade que se tem de pensar.
Leminski foi e continuaria sendo um sujeito perigoso para seu tempo, não militava em nenhum partido, mas seus textos, carregados de liberdade são puro ácido para os nossos dias tão nebulosos.
Analisar Leminski com a lupa de 2019 pode ser arriscado e imprudente, no entanto, resgatar os grandes nomes do passado é preciso quando o presente inóspito exige a presença de todos. Além do mais, sua poesia é atemporal, sua letra, ainda viva, queima no papel. Deve haver uma separação clara entre arte burguesa, fria e mercadológica, que busca o entretenimento confortável do não dizer nada e uma arte subversiva, que vira as coisas de pernas para o ar, aquece, grita, debocha e critica.
Em sua crítica literária, há muitas passagens que confirmam que Leminski era um personagem da arte livre e subversiva. Sua crítica ao estilo de vida burguês evidencia seu desprezo por tal classe
“O acesso aos bens de civilizações industriais, a grande aventura existencial da classe média”
Ao comentar sobre a liberdade da arte que está presa entre o mercado e o estado, dispara:
“A poesia, afinal, é a última trincheira onde a arte se defende das tentações de virar ornamento e mercadoria, tentações a que tantas artes sucumbiram prazerosamente. […] Transformada em mercadoria, a obra de arte é transformada em nada. […] A melhor arte do século XX é um gesto contra o mundo que a rodeia. Uma negatividade”
O Polaco deixa ainda muitas pistas em seus versos de sua verve subversiva.
Minifesto 2
A literatura de um país pobre
não pode ser pobre de ideias.
Pobre da arte de um país
pobre de ideias.
Pobre da ciência de um país
pobre de ideias.
Num país pobre,
não se pode desprezar
nenhum repertório.
Muito menos
os repertórios mais sofisticados.
Os mais complexos.
Os mais difíceis de aceitar à primeira vista.
Lembrem-se de Santos Dumont.
Sempre haverá quem diga
que num país pobre
não se pode ter energia nuclear
antes de resolver o problema
da merenda escolar.
Errado.
Num país pobre,
movido a carro de boi,
é preciso por o carro na frente dos bois.
Além dos trechos citados acima, nosso grande poeta ainda tinha de forma clara um posicionamento de classe. Na destruição dos sentidos que o capitalismo constrói e transforma tudo em nada, não poupou críticas:
“Uma única lei suprema rega este universo: tudo é válido, se puder se transformar em mercadoria, vale dizer, em lucro, vale dizer, mais-valia. Essa transformação da obra de arte em mercadoria faz de cada artista burguês um cúmplice e beneficiário da ordem capitalista como um todo.(…) uma arte ‘de esquerda’ que venda, é um absurdo, um contra-senso, uma mula sem cabeça.”
Ainda em seus versos, podemos encontrar, entre outros tantos, o célebre “Para a liberdade e luta” que diz assim:
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
Estes poucos trechos de crítica e de versos de Paulo Leminski podem ser resumidos em sua mais vermelha estrofe. Um poema que reúne toda a classe dos explorados, que mostra que luta política está em tudo, a luta contra a caretice, contra a exploração e contra comercialização da vida, dizia Leminski, o eterno militante da poesia:
En la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras, noches
poemas