Foto principal: Isabel Loureiro.
Isabel Loureiro é doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1992), Professora aposentada do Departamento de Filosofia da UNESP, Ex-presidente (2003-2011) e atual colaboradora da Fundação Rosa Luxemburgo. Já Marcos Barbosa de Oliveira é Professor Associado da Faculdade de Educação da USP, Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação,até a aposentadoria, em agosto de 2014. A partir do mesmo ano, Professor Colaborador junto ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia, da FFLCH-USP. Vice-coordenador do Grupo de Pesquisa “Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia” do Instituto de Estudos Avançados da USP. Ambos são renomados docentes e pesquisadores de filosofia no Brasil. Ao Parágrafo 2 eles falam sobre os constantes ataques desferidos contra os cursos de humanas nas universidades públicas.
Confira a entrevista:
Parágrafo 2: Há tempos os cursos de humanas sofrem uma espécie de “Cruzada” no Brasil. Tais ataques não são novidade, a Reforma do Ensino Médio, por exemplo, enfraquece o ensino destas disciplinas e a BNCC vai no mesmo caminho. Em um dos últimos ataques promovidos pelo governo Bolsonaro, o presidente, por meio de um tweet publicado no final de abril, afirmou que os investimentos do governo federal para os cursos de Filosofia e Sociologia serão extintos. Na visão de vocês, por que o atual governo parece temer o ensino de Filosofia e Sociologia na Educação Pública Brasileira?
Isabel e Marcos: O governo demente de Bolsonaro quer aniquilar o pensamento crítico, que caracteriza disciplinas como filosofia e sociologia. Essa parece ser a primeira razão para a cruzada contra elas. Não deixa de ser um tanto incompreensível, na medida em que o guru do presidente, Olavo de Carvalho, se auto-proclama filósofo (embora seja astrólogo). Mas querer de Bolsonaro alguma coerência é impossível. Ele veio para bagunçar e atender aos delírios de seus apoiadores. Qual o sentido disso? Na medida em que o capitalismo se tornou ingovernável no mundo inteiro, e com maior razão numa ex-colônia como nós, só resta fingir que há governo e desviar a atenção daquilo que realmente importa. Todo mundo ficam discutindo as sandices ditas todo santo dia e ninguém presta atenção no que importa: o capital financeiro continua muito bem, obrigado! Contudo, a cruzada não é apenas contra essas disciplinas, mas contra a cultura em geral. Tem muito ressentimento dos membros desse governo em relação à cultura, sobretudo da parte dos Bolsonaro, pai e filhos. Nem sei como ainda não recorreram à frase de Goering: quando ouço a palavra cultura, saco o revólver. Ressentimento porque não fazem parte da elite cultural do país que, de um modo ou outro, se encontra no campo da esquerda. Basta ver as bobagens do ministro da Educação, que troca Kafka por kafta e outras que tais. De qualquer maneira, acredito que filosofia e sociologia não serão extintas, mesmo porque representam apenas 2% dos cursos de graduação no país. Também é estranho que o governo tenha se centrado apenas na filosofia e sociologia, deixando de lado história e antropologia, afinal também não geram valor agregado e são tão permeáveis a “impurezas ideológicas” quanto aquelas. Talvez seja apenas por ignorância. Além disso, é preciso observar que os menores cortes foram os que atingiram o FIES, de interesse das universidades privadas. Por que será?
Parágrafo 2: Em uma hipótese extrema, caso Filosofia e Sociologia deixassem de fazer parte do Ensino Superior no Brasil, qual seriam, a médio e longo prazo, os principais prejuízos para a sociedade brasileira como um todo?
Isabel e Marcos: Muitos críticos da extinção dessas disciplinas argumentam que elas são necessárias para o aprimoramento do “capital humano”. Isso é ridículo. O valor intrínseco de ambas consiste na formação de espíritos críticos, avessos a serem prisioneiros de ideologias de fancaria. Esse é um valor que não se traduz em unidades monetárias. Os que defendem a filosofia e a sociologia dizendo que elas dão uma formação flexível, que aumenta a empregabilidade dos egressos, nem que seja para aceitar “trabalho de merda”, como diz o antropólogo David Graeber, fariam Sócrates e Max Weber se revirar no túmulo.
Parágrafo 2: O Atual Ministro da Educação faz uma comparação com o Japão. Em junho de 2015 o Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão enviou carta às universidades japonesas recomendando que fossem priorizadas áreas estratégicas e que fossem cortados investimentos nas áreas de humanidades e ciências sociais. Após forte reação das principais universidades do país, incluindo as de Tóquio e de Kyoto (as únicas do país entre as cem melhores do mundo), e também da Keidanren (a Federação das Indústrias do Japão) – que defendeu que “estudantes universitários devem adquirir um entendimento especializado no seu campo de conhecimento e, de forma igualmente importante, cultivar um entendimento da diversidade social e cultural através de aprendizados e experiências de diferentes tipos” – o governo recuou e afirmou que foi mal interpretado. O ministro Abraham Weintraub afirmou que retirará recursos das faculdades de Filosofia e de Sociologia, que seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”, para investir “em faculdades que geram retorno de fato”. Diferente do Japão os estudantes de Filosofia e Sociologia no Brasil não pertencem à elite e sim, segundo Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF), à classe média baixa. Esse cenário surreal, criado por Bolsonaro na última semana, demonstra a seu ver, mais desconhecimento da realidade educacional dos estudantes ou pura e simplesmente uma perseguição ideológica nos moldes do Regime Militar?
Isabel e Marcos: A menção do ministro ao Japão revela seu total despreparo para o cargo ao qual foi alçado. Ele nem se deu ao trabalho de ler as informações divulgadas na imprensa mostrando que o governo japonês tinha recuado. A ênfase no conhecimento especializado, como supostamente mais importante para o aprimoramento de uma sociedade e como aquele que não provoca “balbúrdia”, revela a pobreza de espírito dessa criatura. De que nos adianta treinar matemáticos burros, incapazes de refletir sobre o significado social do seu trabalho, e sem percepção política para o que é necessário visando a construção de um país socialmente integrado?
Você também tem razão ao dizer que os estudantes desses cursos na sua maioria não fazem parte da elite econômica do país. A desinformação no tocante à educação por parte desse governo grotesco é total. O presidente disse há algum tempo que as universidades privadas faziam mais pesquisa que as públicas, o que mostra seu descompromisso com a verdade. Enfim, o que vemos é um amplo leque de desinformação e despreparo na área de educação, que provocará grandes danos a um setor já tão problemático no Brasil. A nossa esperança é que a grande resistência que está surgindo no meio estudantil contra as medidas desastrosas desse “governo” impeça o desmonte total do setor. A tentativa de aniquilar a educação talvez tenha conseguido unificar todo o setor de ensino no país, escolas privadas e públicas, reitores, alunos, professores e funcionários, em defesa da educação. Assim esperamos.
Parágrafo 2: Além da perseguição institucionalizada, os professores de humanas que atuam no ensino público têm sofrido, ao longo dos anos, perseguição vinda de todas as partes. Um levantamento inédito feito pelo Intercept Brasil, divulgado no final de 2018, revela que, desde 2011, pelo menos 181 professores universitários se tornaram alvo de ações como fiscalização de aulas, censura, investigações criminais, conduções coercitivas, ações judiciais, sindicâncias, demissões, perseguições, exposição na internet e até ameaças de morte. Foram 12 ocorrências em instituições particulares, 54 em estaduais e 115 em federais envolvendo 101 homens e 80 mulheres. Com as eleições, no entanto, a perseguição atingiu outro patamar já que mais de 20 ações policiais foram realizadas em universidades por todo o país. Qual é o maior prejuízo desse tipo de ataque aos profissionais que atuam no ensino superior no Brasil?
Isabel e Marcos: Embora muitas pessoas se iludam achando que as medidas mais agressivas não serão implementadas, o fato é que mesmo ainda sem isso se criou um clima de medo e hostilidade em sala de aula. Vimos na imprensa profissionais gabaritados dizendo que pensam em sair do país. Esse é outro dano causado pela insensatez da camarilha de Brasília.
Parágrafo 2: O novo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, já comparou o socialismo com a Aids e afirmou que os comunistas são o topo do país, que eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios. Os monopolistas apoiaram Lula; os monopolistas estavam dando dinheiro para o Haddad. Se, ao analisarmos esse discurso, trocarmos “monopolistas” por “judeus”, o discurso iguala-se com o dos nazistas nas décadas de 1930 e 1940. Como as universidades, formadoras de visão crítica e argumentação social, devem reagir diante de falas dantescas como essas?
Isabel e Marcos: A nossa impressão é que as universidades estão reagindo aos cortes orçamentários, em primeiro lugar, de forma pragmática, com o objetivo de impedir sua destruição. Mas também é importante resistir à tentativa de transformar a universidade em bode expiatório ideológico, como o lugar de gestação do tal “marxismo cultural”. Um modo de combater as parvoíces do ministro é mostrar como nele se combinam extrema direita e extrema burrice. Não são só falas dantescas, mas também cenas dantescas como a protagonizada por ele e pelo senhor Bolsonaro no dia 9 de maio, quando, ao tentar explicar o contingenciamento das verbas para a educação, recorreu ao expediente infantil de ilustrar esse corte utilizando chocolates. O ministro mede o QI da população brasileira pelo seu próprio. É lamentável!
Além disso, uma pergunta que não quer calar: como é possível que alguém sem doutorado e com apenas 4 artigos publicados, sendo um deles autoplágio, pode ter se tornado professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em tempo integral? É muito estranho, para dizer o mínimo.
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