Parágrafo 2

Um Guarani na Câmara Municipal

Eleições 2020 

Foto principal: Leonardo Andreiko

Texto: José Pires

O Estado do Paraná tem 33.854 candidaturas disputando as cadeiras do legislativo e 1.329 as do executivo. Os dados foram divulgados neste domingo (27) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre os milhares de postulantes aos cargos eletivos existem 46 indígenas, o que representa 0,13% do total de candidatos. As candidaturas indígenas disputam vagas em 27 municípios paranaenses, todas para o cargo de vereador. Em Curitiba e Região Metropolitana seis candidatos declararam ser da cor/raça indígena.

Nem todos os concorrentes que se declararam indígenas militam pelas demandas dos povos originários. Eloy Jachinto sim. Ele é um Guarani Nhandeva nascido na capital paranaense. Casado e pai de três filhos, estuda Pedagogia e é professor de Guarani e Kaingang, línguas que ensina na Aldeia Tupã Nhe’é Kretã, na cidade de Morretes.

Eloy, que é do PDT, concorre pelo Mandato Indígena Curitiba a uma das 38 vagas na Câmara Municipal. Como adversários estão 1,180 candidatos, 34 deles buscando a reeleição. O desafio de ser candidato em uma cidade puritana e conservadora, no entanto, parece não assustar o Guarani.  

Sua trajetória na luta indígena começou no ano de 2001 quando teve contato com as causas por meio do movimento para o ingresso de índios nas universidades. Em 2001 aconteceu o primeiro vestibular indígena e por meio dele se aproximou das lideranças e começou a participar da construção de políticas que possibilitassem o acesso de indígenas ao ensino superior. “A partir daquele momento tentei o vestibular e comecei a participar do movimento indígena. A questão me atraiu, estava num período da minha vida de entender, de lutar por direitos, de conquistar esses espaços. Não consegui passar no vestibular, mas comecei a militância”, conta sobre sua tentativa de cursar graduação em Direito. O sonho de se tornar acadêmico se realizou três anos depois. Em 2004 foi aprovado no vestibular da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Fundinopi) hoje Unespar. Cursou dois anos, mas como já participava ativamente da militância não conseguiu conciliar aulas e luta e a faculdade ficou de lado.

O primeiro candidato indígena em Curitiba em mais de 300 anos – Foto: Leonardo Andreiko

Em 2010 foi eleito presidente do Conselho Indígena Estadual do Paraná e ficou dois anos no cargo. O Conselho é uma organização dos próprios indígenas. Existe o cacicado (que são as lideranças de base) e depois o Conselho desses Caciques. “ A função do conselho é fazer articulação com as políticas externas para que as demandas da comunidade sejam atendidas. Isso com o governo do estado, com a esfera federal e também a municipal”, diz Eloy.

Primeiro candidato indígena em Curitiba

“Curitiba” é uma palavra de origem Guarani: kur yt yba que quer dizer “grande quantidade de pinheiros, pinheiral”, na linguagem dos índios, os primeiros habitantes do território. Em 29 de março de 1693, o capitão-povoador Matheus Martins Leme, promoveu a primeira eleição para a Câmara de Vereadores e a instalação da Vila, como exigiam as Ordenações Portuguesas. Estava fundada a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, depois Curitiba.

Passados mais de três séculos, a fria capital tem pela primeira vez um indígena como candidato. O estado do Paraná, aliás, foi o primeiro a eleger um índio para o cargo de vereador. Ângelo Cretã, lendário cacique Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha, responsável por um movimento de retomada de terras indígenas no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul no final da década de 1970, foi o primeiro índio a ocupar um cargo político eletivo no país. Em 1975 ele aceitou o convite do MDB e lançou sua candidatura a vereador. Cretã era oposição e sua escolha foi questionada por políticos da Arena, como também eram questionados seus direitos como cidadão. Os opositores alegavam que Cretã era um índio Kaingang teoricamente sob tutela do Estado, por isso não poderia concorrer a uma vaga no legislativo.  Mesmo vivendo uma situação que negava seus direitos enquanto cidadão brasileiro, discriminado pelo fato de ser índio, o cacique Ângelo Cretã não abandonou a candidatura. Com apoio da assessoria jurídica do Movimento Democrático Brasileiro, levou adiante sua postulação política.  E, em 11 de janeiro de 1976, o juiz eleitoral Aroldo Antônio Clomb, da 101ª Zona Eleitoral de Coronel Vivida, reconheceu Cretã como candidato pelo MDB à Câmara Municipal de Mangueirinha. Foi eleito em 15 de novembro de 1976, com 170 votos o primeiro vereador indígena do Brasil, uma situação inusitada, que revelava a posição subalterna na qual foram colocados historicamente os índios.

Cretã precisou recorrer à justiça para ter o direito de ser candidato. Foto: Acervo Museu Paranaense

Eloy Jacintho pretende ser o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de Curitiba. O posto não será novidade para ele, em 2012 Eloy foi eleito vereador em Santa Amélia, no norte do Paraná, foi o primeiro indígena eleito na cidade. “Na época foi feito um importante trabalho de base junto à comunidade. Com o apoio do Cacique Marcio Lourenço (já falecido) a empreitada foi vitoriosa. Começava ali uma construção para que mais candidaturas fossem eleitas no estado do Paraná. Em conversas com o Romancil Kretã, o Marcio Lourenço, o Ivan Bribis, entre muitos outros, começamos a construir um trabalho para colocar indígenas nas câmaras”, conta.

Em 2016, com o final do mandato veio para Curitiba por uma questão de trabalho da esposa Jaqueline que é enfermeira na Casa de Saúde Indígena (Casai). Mas também veio para dar continuidade à luta indígena. Em Curitiba está o centro do poder, governo do estado, judiciário, muito do que interfere na vida dos indígenas é decidido aqui. “Desde 2011 começamos a discutir a participação maior dos indígenas na política do estado do Paraná, principalmente nos municípios que têm aldeias. Pra Curitiba já tínhamos o pensamento de lançar um candidato, mas ainda não sabíamos quem. Depois de conversarmos com várias lideranças, não apenas de Curitiba, mas também da região, eu fui convidado, primeiro pelas lideranças, depois pelo deputado Goura e o Romancil Kretã teve um papel importante nesse processo”, lembra Eloy que organizou uma equipe formada por indígenas e não indígenas para ajudar na campanha do Mandato Indígena de Curitiba.  

Para um indígena, ser eleito em uma grande cidade certamente é um desafio. As lideranças indígenas são mais conhecidas no âmbito de suas comunidades, por isso se torna mais fácil a eleição em municípios menores, é o que explica o professor Carlos Frederico Mares de Souza Filho, docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Segundo Mares, a participação de indígenas em campanhas políticas é muito benéfica ao Paraná não só para romper estereótipos, mas para dar a visibilidade da existência indígena no Estado. O professor, porém, destaca que o sistema eleitoral foi construído para não eleger indígenas, negros, pobres, mulheres e LGBTQIA+. “O sistema é racista e machista, embora se esconda sob um discurso neutro. Não é neutro. Daí a importância de candidatos indígenas, negros, mulheres e representantes de todos excluídos da sociedade hegemônica inclusive para discutir esta exclusão. Daí a importância gigantesca de Joênia Wapichana, ela vem de um estado indígena, Roraima, e é a primeira vez que elegem um representante, foi um longo processo de maturação. O mandato de Mario Juruna foi também muito importante, mas foi diferente. Juruna não foi eleito pelo Estado onde mora seu povo, que é o Mato Grosso, foi eleito pelo Rio de Janeiro, pela intelectualidade carioca”, diz.

Disputar um cargo no legislativo de Curitiba, destaca ELoy, é uma questão de justiça, de reparação histórica, já que o território da capital pertencia aos indígenas e estes sempre ficaram de fora das políticas públicas formuladas aqui. Já o professor Carlos Mares, diz que a participação de Eloy no processo eleitoral, se apresentando como Guarani, já é muito positivo. “É importante que um indígena, apoiado por indígenas se apresente. A eleição não é fácil, mas sempre é possível, é claro que tem que contar com votos de não indígenas simpatizantes da causa e conscientes de sua importância. A partir de um único indígena na Câmara de Vereadores será muito difícil mudar a cara da Curitiba elitista, machista e racista, mas será um começo e será simbólico, mesmo porque encontrará aliados na Câmara. Será uma espécie de apresentação do potencial da cidade. Apesar de Curitiba ter sido nos últimos anos a expressão da mais tacanha mentalidade do radicalismo de direita, não acredito que ela seja isso, acho que Curitiba é uma cidade intelectualizada, pensante e, portanto, capaz de olhar para o futuro a partir das experiências passadas e não apenas reproduzir para o futuro o seu passado. A presença de um indígena reconhecido por seu povo como tal será um grande avanço simbólico”, ressalta.

Arte do Mandato Indígena Curitiba

Curitiba tem uma aldeia indígena, a Kakané Porã, que fica no bairro Campo de Santana. Camila dos Santos da Silva é uma Kaingang que vive lá. Estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná (UFPR) ela conhece muito bem as demandas de seu povo e o desafio de conquistar espaços que sempre lhes foram de direito. “É claro que ainda seremos minorias porque agora é que estão se abrindo oportunidades para que os indígenas sejam ouvidos, para que ocupem espaços. Por muitos anos outras pessoas, como antropólogos, por exemplo, é que falaram por nós. Sempre contribuímos para o país, mas sempre fomos vistos como objeto de pesquisa. Chegou a hora de ocuparmos os espaços, incluindo os da política”, diz Camila sobre a possibilidade de ter um representante indígena na Câmara Municipal.

Mandato Coletivo

Para os indígenas o coletivo sempre foi mais importante que o individual. As decisões sempre são tomadas em conjunto, como explica Eloy. “Nosso modo de vida é diferente, é coletivo, sustentável, de muito respeito ao meio ambiente, à natureza, à fauna e à flora e aos recursos naturais. A nossa contribuição é trazer para a Câmara discussões que são fundamentais na criação de políticas voltadas à demanda da população. Um vereador não pode criar um projeto que vise atender às demandas da população pensando sozinho, trabalho de maneira isolada. Como o nosso modo de vida é coletivo, a coletividade é que vai nortear nosso trabalho”.

Sobretudo, destaca Eloy, a intenção do Mandato Indígena Curitiba é trazer um conhecimento que foi deixado de lado. “Hoje temos muitas questões que são de interesse da população, da qualidade de vida da população e que foram deixadas de lado justamente por negarmos um conhecimento dos povos indígenas. Nos deparamos com falta de água, com uma população de rua crescente, falta de moradia, falta de qualidade de vida, falta de sustentabilidade alimentar. A presença indígena na câmara vai contribuir nesse sentido, em trazer um fortalecimento e construção de políticas que vá para a coletividade, a sustentabilidade, o respeito ao meio ambiente, o respeito às pessoas, aos recursos naturais, à criança e o idoso, na cultura indígena os idosos são nossos mestres, na vivência, a última palavra é sempre dos mais velhos”, conclui.

Conheça os demais candidatos que se declararam indígenas em Curitiba e Região Metropolitana

– Lucas Café do Caron – Campina Grande do Sul – PSB : Não conseguimos encontrar as redes sociais do candidato.

– Ivan Carlos Pinheiro – Curitiba – PT : https://www.facebook.com/ivancarlos.pinheiro.3

– Tavinho – Pinhais – Pros: Não conseguimos encontrar as redes sociais do candidato.

 – Luiz Carlos Paliano– Piraquara – PDT: https://www.facebook.com/luizcarlos.paliano.9

– Sandra de Andrade – São José dos Pinhais – PTC : https://www.facebook.com/sandra.d.deandrade

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