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Temer: a culpa é sua!

Como uma gravação fez minha vida chegar a este ponto

Olá, presidente Temer,

Não sei se, no momento em que estiver lendo esta carta, o título “presidente” ainda lhe servirá.

Para mim, na verdade, isso não importará mais…

Meu nome é Marcelo Rodrigues, tenho 45 anos, pai da Joana e da Cíntia, marido da Kátia.

E não votei no senhor…

Estou nesse instante trancado dentro do meu escritório. Protegido dessa chuva insistente que cai nesta noite por São Paulo.

O rádio está ligado, mas não ouço nada. Apenas a caneta riscando este papel.

Diante de mim, uma garrafa de Bourbon nas últimas gotas…

… meu terceiro maço de cigarros, quase no final…

… E meu velho revólver 38, herança do meu pai, o velho Saulo.

Ele era militar da 2ª Região do Comando Militar do Sudeste. Típico milico…

Quando fiz 20 anos, ele disse que eu“havia me tornado um homem”. Que devia saber defender a mim e à minha família…

E me deu sua arma carregada. O velho sempre dizia:

“Filho, use-a para defender a honra de sua família. Ou para quando não tiver mais honra alguma.”

Juro que diante dos últimos acontecimentos pensei em usá-la em você, senhor presidente.

Lendo as últimas manchetes. Seria o mais justo a se fazer.

Já não sou mais um moleque.

Passei dos 40 anos, possuo mulher, filhas…

Quando dizem que a solução para o Brasil é minha mulher e filhas trabalharem anos a mais, exaustivamente, para ter um final de vida menos deplorável… me soa absurdo.

Pagarmos ainda mais — com o suor do próprio rosto — a roubalheiras de vocês!!!

Isso inclui o senhor, “senhor presidente”.

Sempre circundado de sombras, era questão de tempo até que iluminassem seus conluios.

Mas não vim acusá-lo. Já há quem faça isso por mim.

Desisti de meter uma bala em você quando percebi o que podia vir depois do senhor.

Presidente da Câmara, Lula na próxima eleição… até nomes de apresentadores de televisão (amigos do Aécio) foram cogitados.

Alguém acha que o Brasil melhorará depois do seu governo? Faltará é bala no meu revólver…

Por isso pensei que, com as coisas melhorando pelo menos um pouco, o senhor merecesse permanecer onde está mais um pouco, pelo bem de todos:

Então uma gravação bota tudo a perder.

A economia era a única área em que o senhor estava tendo algum êxito. A geração de empregos e expectativa de melhora traziam um pouco de esperança para gente — mesmo pagando o preço de trabalhar anos e anos a mais em troca.

O jeito era escolher entre o “menos pior” e o “péssimo”.

Eu disse que estou dentro do “meu escritório”. Mas não ache que isso me faz um cara rico.

Não sou dono de muita coisa e suei muito para chegar onde cheguei.

Como não ganho rios de dinheiro. E procuro ter uma vida honesta, o pouco dinheiro que juntava para minha família eu investia.

Nunca tive muito dinheiro para isso. Mas desde que tive minha primeira filha, achei a ideia interessante.

Uma forma de tornar o futuro dela mais fácil que o meu.

Um pouco em renda fixa. Outro montante em ações e fundos…

Sem grandes pretensões de ficar rico.

Muito menos de ficar pobre…

Às vezes com os poucos ganhos que tinha, conseguia fazer uma viagem com a família.

Comprar uma joia para minha esposa.

Mas até isso eu perdi por causa do senhor:

Tudo o que tinha para minha família acabou…

Pensei que isso só acontecesse nos filmes. Aqueles caras que ficam olhando para o nada, com um cigarro na boca e uma arma na mão…

Diante de uma decisão realmente irreversível.

Agora quem está com o cigarro na boca e a arma na mesa sou eu.

O que o senhor faria no meu lugar, Temer?

Provavelmente, não faria nada.

Políticos de carreira como o senhor dificilmente ficam pobres.

Sempre possuem “amigos”, “contas no exterior”, “empresas”…

Não veriam seu patrimônio de anos acumulados virar pó…

  • A faculdade de sua filha desmoronar;
  • A viagem de bodas de prata com a mulher da sua vida afundar;
  • Uma empresa que consegui erguer com sangue e suor passar a valer um terço do que ela valia ainda ontem…

Não consigo encarar minha família, Temer…

Como dizer às minhas filhas, à minha mulher, que por causa das desonestidades de um presidente teremos que mudar de casa?

Mudar de vida?

Recomeçar do zero?

Estou há algumas horas pensando em como solucionar tudo isso.

Não recuperarei as perdas que tive. Não em vida

Aqui no final da sala, está um banquinho no qual descanso os pés depois do expediente…

No ventilador de teto, prendi meu cinto de couro favorito. De tão velho, não afia mais nem faca de pão…

Mas acredito que ele me dá muita sorte.

Apanhei com ele umas três vezes do meu pai, admito. Mas quando um rottweiler estava prestes a me matar aos 9 anos de idade, foi esse cinto que me salvou.

Acertei o cachorro com a fivela várias vezes e ele saiu correndo, me deixou apenas com um rasgo nas costas e na parte detrás da cabeça.

Meu pai ficou tão impressionado de eu ter sobrevivido que deu o cinto para mim.

“Ele que te devolveu a vida, meu filho. Fique com ele.”

Bom, agora está na hora de pô-lo em prova mais uma vez.

Ver se ele tirará minha vida ou não…

Morrendo pendurado por esse cinto, minha mulher e filhas ficarão com um belo seguro. A empresa fica com meu sócio até a mais velha completar 18 anos e decidir o que fazer com ela.

Será melhor…

Até lá, talvez, a empresa possa se reerguer… e para minha mulher sobrará uma boa pensão.

Pensou que fosse usar a arma do meu pai? Senhor Presidente?

Minha morte poderá trazer algum benefício financeiro à minha família, mas eu estou com minha honra intacta.

Não estou em situação de morrer pela arma de meu pai… e me orgulho disso.

Mas o senhor, presidente Temer, parece mais digno dela do que eu…

Não espero que o senhor assuma os erros que fez, ou que questione sua honra publicamente.

O senhor é um homem, e como tal, deve resolver seus conflitos internos sozinho…

Estou embrulhando o velho 38 de meu pai em uma elegante caixa de charutos (me disseram que o senhor gosta de um bom cubano) para não chamar a atenção.

Nela, terá apenas 1 bala…

Palácio da Jaburu — Lago Paranoá, Brasília — DF, 70297–400

Espero que meu presente chegue antes do senhor sair deste endereço.

Talvez o senhor tenha que mudar para o Palácio do Planalto, ou para Curitiba…

De qualquer forma, acho que minha encomenda o servirá muito bem.

Use-a para defender a honra de sua família, ou para se redimir por ter feito o que fez com o Brasil…

… Comigo, com minha família e a de tantas outras pessoas.

Achei, sinceramente, que o senhor fosse o “menor pior” dos piores… mas olha só em que situação me coloquei por sua causa.

O Brasil se colocou por sua causa.

Caso o senhor continue vivo e atuante na política depois desta carta e da herança de meu pai que lhe enviei.

Quero que viva com essas palavras na sua cabeça…

De um trabalhador honesto que perdeu tudo porque um presidente golpista com um monte de promessas acabou com a vida de um pai de família.

Uma gravação, Temer!

Acho que o álcool está me fazendo efeito. E começo a escrever bobagens…

Me despeço por aqui, porque ainda preciso ligar para minhas filhas e esposa.

Não tive coragem de me despedir delas ainda…

Adeus, presidente.

Que a justiça seja feita.

#ForaTemer

São Paulo, 19 de maio de 2017.


Esta é uma obra de ficção e não tem o intuito de estimular ninguém ao suicídio.

Caso você ou alguém próximo esteja passando por uma situação difícil, procure ajuda.

http://www.cvv.org.br/

 

| Publicado originalmente em https://medium.com/@victorhugobin/temer-a-culpa-%C3%A9-sua-b747fd7bf3ba

About Victor Hugo Bin

Jornalista literário, revisor, redator e escritor.