Coluna Pão e Pedras: Poesias e Amenidades
É engraçado o modo como algumas pessoas conseguem colocar a si mesmos enquanto “de bem” quando fomentam a morte do próximo. Falam de paz e praticam a guerra. Falam de amor mas praticam ódio. Falam em ser feliz mas só causam dor. É como olhar ao redor e ver a todos aqueles que não sou eu como inimigos. Narciso sempre acha feio o que não é espelho.
Enfim, esse dias na rua encontrei com o messias, com o Deus encarnado. Estava sentado em frente ao parque, deitado. Melhor, caído. Era como se ele se pendurasse no mundo para sobreviver. Sentei ao seu lado, e ele conversou comigo. Por algumas horas olhei no rosto daquele homem, daquela mulher, não dava muito pra saber o que era. A miséria era tanta que não há porque tentar ter opção de gênero. Esta pessoa, este ser humano me perguntou: e se eu for Deus? Você acredita em mim?
Olhei para os dois lados, espantado com o que eu ouvia. Era como se esta pergunta me tirasse totalmente o sentido. Na rua, passos calados, o olho baixo e a expressão do desprezo. Então ela me disse: Aqui, eu sou tratado como o diabo. Me chutam, me cospem, me xingam. Pra essas pessoas aqui eu sou algo a ser combatido, eu sou o problema. Eu sou o ladrão, o vagabundo, o preto, o índio, o pardo. Eu sou a favela. Eu sou a negra, sou o quilombo, sou Zapata e Antônio Conselheiro. Sou o traficante, o drogado, sou o comunista que devora criancinhas. Sou assim porque sou tratado como o cerne do problemas de toda uma sociedade irracional, opressora e fascista. Sou o ponto iluminado, o último elo da cadeia que recebe a luz, enquanto a escuridão reina nos verdadeiros responsáveis pelos males dessa gente.
Sou tratado como lixo, como doença, como febre. Sou a sarna social que deve ser eliminada para que a família e a paz possam prosperar. Eu sou Deus, e eu sou negra…