Cenas da rua
Na esquina da Rua Conselheiro Brotero com a Dr. Veiga Filho, em São Paulo, fica a charmosa Padaria Dona Deôla. A entrada é rodeada de três degraus de mármore preto onde um homem negro estava sentado. Parecia alto, seus joelhos quase chegavam a altura do rosto.
Ao seu lado, uma caixa de papelão com diversos objetos redondos. Trazia uma mochila nas costas coberta por uma jaqueta preta.
– Boa noite! O que é isso? (Às vezes penso que minha boca necessita de um zíper.)
– Não sei não dona. Achei no lixo.
– Que lixo? Em caçambas?
– Não, nos lixos dos prédios. Quando dá cinco horas eles começam a colocar os lixos na rua. Ando por todas elas desta região ( Higienópolis, bairro de classe alta da Cidade de São Paulo). Vou apalpando os sacos e sempre encontro coisas pra vender.
Continuou: “também encontrei este perfume olha, acho que é da Índia, foi o que um cara me disse.”
Ele abre a mochila e dela retira o frasco entregando-o em minhas mãos.
É de vidro amarelo, com várias figuras e alguns escritos na cor preta.
“Olha, aqui está escrito Índia – aponta com o dedo para a palavra ‘indian’.
Olha isso moça: retoma o frasco e abre a tampa dourada, a segura com a mão esquerda e desrosqueia uma mini tampa, que sela com precisão o frasco. Pede para que eu sinta o cheiro. Me lembra toque de flores e frutas.
– Qual seu nome?
– Cleiton ( não sei se a escrita está correta)
Estendo-lhe a mão direita :
– Prazer Cleiton, meu nome é Ssmaia. Foi um prazer te conhecer! Boa sorte nas vendas!
Seus olhos encheram de lágrimas. As pálpebras inferiores fizeram o papel das margem de um rio.
– Moça, leva uma (bola) pra você!
Agradeci dizendo-lhe que preferia que ficasse com ele para vender. Claiton insiste e tem um forte argumento: “Por favor, leve uma para você, é um presente meu. Muita gente para pra conversar comigo, mas só você me estendeu a mão!”
Agora, são as minhas pálpebras que imitam as margens de um rio com águas fortes e violentas que querem transbordar.
Engoli o choro.
– Gratidão Cleiton! Mas só aceito se você escolher pra mim.
Assim ele fez. Ficou alguns minutos remexendo os redondos objetos. Pegou um em sua mão e entregou-me.
Voltei para casa com um presente curioso, sem saber exatamente o que é (uma bola decorativa? ), mas com um
grande significado: a generosidade de um morador de rua, a necessidade de atenção e de que alguém lhe estenda a mão.
Não sei quem ficou mais feliz, se eu ou Cleiton.
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Fato ocorrido em 25 de setembro de 2017.