Foto principal: Comper
No último domingo (22), o Pavilhão Étnico no Memorial de Curitiba, no bairro Largo da Ordem, recebeu o Seminário Cultural dos Povos de Terreiro. O evento teve como foco as religiões de matriz africana praticadas em terreiros da capital e dos municípios da Região Metropolitana. A ação foi alusiva ao Dia Mundial das Religiões e o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que é uma homenagem à yalorixá Gildária dos Santos, a Mãe Gilda, do Axé Abassá de Ogum, que foi vítima de diversas agressões, verbais e físicas, provocadas pelo preconceito à sua religião.
O Seminário foi organizado pela Assessoria de Direitos Humanos – Promoção da Igualdade Étnico-Racial da prefeitura, em parceria com o Fórum Paranaense de Religiões de Matriz Africana (FPRMA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) e Federação Umbandista do Estado do Paraná (Fuep).
O Seminário debateu o reconhecimento e o empoderamento das práticas e culturas de terreiro, promovendo diálogo entre os praticantes das religiões de matriz africana. Também foi foco entre os palestrantes a necessidade do combate à intolerância religiosa e uma reconstrução da identidade dos povos que frequentem terreiros, como ressalta Flávio Maciel, coordenador do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana e um dos organizadores do evento. “A intolerância religiosa, o racismo religioso, o racismo estrutural e o institucional sufocam nossa identidade e fazem com as religiões de matriz africana sejam menorizadas. O principal objetivo desse evento é resgatar essa identidade, é lembrar que a partir das práticas dos terreiros surgiram muitas culturas que são vivenciadas no nosso dia a dia como a culinária baiana, a capoeira, as danças afro, os blocos afro, tudo isso está ligado intimamente à identidade dos terreiros de umbanda e candomblé”, destaca.
Yaroba Fernanda Machado, presidente do Coletivo Cultural Sambadeiras de Bimba Filhas de Biloca e suplente da Secretaria de Patrimônio Imaterial de Curitiba, também enfatizou que a luta contra a intolerância religiosa passa pelo fortalecimento de identidade dos praticantes das religiões de matriz africana. “Os praticantes de umbanda e candomblé já se reconhecem como tal. O que falta é reforçarmos a noção de pertencimento que está ligada à nossa identidade, ou seja, a todos os elementos comuns aos povos de terreiro. É de grande importância batermos no peito e destacarmos que somos de axé, que somos filhos de yansã, de oxum, de xangô, importante andarmos com nossas vestes e adornos. Assim, a sociedade vai naturalizando nossa presença e percebendo que pertencemos a práticas ancestrais e culturais que estão no país há séculos. Esse é um dos caminhos pra se combater a intolerância e o racismo religioso”, disse.
Brasil registrou três queixas de intolerância religiosa por dia em 2022
Entre janeiro e junho de 2022, conforme dados do Disque 100, serviço para denunciar violações de direitos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cerca de 545 denúncias de intolerância religiosa foram registradas. Em anos anteriores, foram contabilizados 477 casos de intolerância religiosa em 2019, 353 casos em 2020 e 966 casos em 2021.
Em 2022, o estado com mais registros foi São Paulo, com 111 denúncias, seguido do Rio de Janeiro, com 97, Minas Gerais (51), Bahia (39), Rio Grande do Sul (26), Ceará (11) e Pernambuco (13).
Apesar da falta de dados, a intolerância religiosa, principalmente à voltada às religiões de matriz africana, é constante no estado do Paraná. Mãe Regina de Oxum, presidente do Conselho Municipal de Política Étnico Racial (Comper), que tem uma casa de santo há 20 anos em Curitiba, foi uma das muitas vítimas na capital paranaense. “Minha casa já foi apedrejada, eu já fui rejeitada com minhas vestimentas no mercado e tudo isso fez com que eu me engajasse nessa luta contra a descriminação religiosa. Esse evento de hoje é uma amostra do que o curitibano precisa ver. Que Curitiba tem terreiros, tem um povo de axé, tem cultura afro. Ainda vivemos em meio a muita intolerância em Curitiba, aqui há uma integração de culturas muito grande, mas a nossa, infelizmente, continua marginalizada”, ressaltou.
O Seminário contou também com falas de lideranças religiosas, oficina de dança, apresentação de curimbas e, ao fim do evento, os participantes realizaram um cortejo que saiu do Memorial até a Praça Tiradentes. Em frente às Gameleiras Sagradas Irôkos, árvores da praça, foram feitas apresentações para celebrar o espaço sagrado. “Sempre que levamos apresentações de curimbas às feiras de afroempreendedorismo e praças aproximamos essa cultura das pessoas. Isso ajuda a combater o preconceito e a intolerância religiosa”, explicou a assessora da Promoção da Igualdade Étnico-Racial, Marli Teixeira Leite.
One comment
Pingback: Os povos de terreiro de Curitiba devem temer o segundo turno das eleições? Sim, devem - Parágrafo 2