Enfermeira em Curitiba, a candidata à deputada estadual pelo PT defende a importância da luta antirracista para a efetivação de mudanças estruturais na sociedade
Por Paula Zarth
Fotos: Divulgação
Juliana Mittelbach (PT) é uma das 27 candidaturas a mandatos de deputada estadual em todos os estados do país fomentadas pelo Instituto Marielle Franco e pelo movimento Mulheres Negras Decidem, a iniciativa pluripartidária Estamos Prontas, para as eleições de 2022. Ela também é uma das três candidaturas defendidas no Paraná pela Coalizão Negra de Direitos, ao lado de Carol Dartora, candidata a deputada federal, e Renato Freitas, candidato a deputado estadual, ambos pelo Partido dos Trabalhadores.
Juliana é enfermeira e pela primeira vez se coloca para a disputa eleitoral. O movimento Estamos Prontas promove para as candidaturas fortalecimento na visibilidade e comunicação de campanha, bem como ações de formação para as mulheres negras escolhidas para a iniciativa, investindo na preparação dessas lideranças.
“Desde o assassinato da Marielle surgiram muitos movimentos trazendo esse debate da participação de negros e negras na política”, explica. “Aqui no Paraná, eu sou a representante desse projeto Estamos Prontas. Me identificaram como essa liderança e estou atuando dentro da minha campanha também representando o Instituto Marielle Franco, o Mulheres Negras Decidem, dentro desse projeto. Isso vem acontecendo já há algum tempo, com projeto de formação e com debates. Uma das dificuldades que a gente tem enquanto mulher negra é inclusive que os partidos nos enxerguem como potenciais, como candidaturas viáveis, como proposta política a ser investida. E nesse caminho, essas organizações vêm também fazendo essa tarefa, de falar com as siglas sobre a importância dessas candidaturas e apresentar essas mulheres como potências, como lideranças que devam ser investidas politicamente”, afirma.
Aquilombar os parlamentos
A Coalizão Negra por Direitos aglutinou organizações do movimento negro no Brasil para durante a pandemia de Covid 19 organizar arrecadação e doação de alimentos, no enfrentamento à fome da população negra, e para debater o enfrentamento às violências.
“Daí surgiram muitas lideranças nos estados que se propuseram a disputar as políticas eleitorais. A Coalizão Negra por Direitos organizou também todas essas lideranças que estavam propostas a serem lançadas a candidatos e fez um lançamento nacional de pré-candidaturas de negros e negras que aconteceu em julho, em São Paulo, e a ideia veio de aquilombar os parlamentos”, situa.
Juliana lembra que muitos estados, entre eles o Paraná, nunca elegeram mulheres negras para a Assembleia Legislativa, nem para a Câmara Federal. “A gente quer aquilombar na política, a gente quer uma bancada de mulher preta, para fazer um enfrentamento inclusive a essas políticas tão conservadoras, que vem com bancada da bíblia, bancada da bala, bancada do boi. A gente quer uma bancada popular, de gente preta, que nunca teve voz, que nunca teve vez. Mas não só nesse projeto de ter a primeira eleita, a gente quer um processo de ocupar. Por isso que a gente tem unificado, inclusive aqui no Paraná, esse fortalecimento de candidatas negras. Fizemos um lançamento de candidatas negras no Paraná, dos partidos progressistas, também como proposta de fortalecer essas mulheres que muitas vezes no partido não são enxergadas, não são vistas, aí chega na hora de apresentar nas convenções, nas candidaturas, essas seriam as pessoas que seriam cortadas”, denuncia.
Mudança estrutural civilizatória nos parlamentos
Juliana Mittelbach explica que o movimento negro luta pela conscientização de que os avanços de políticas públicas como transformação da sociedade devem ser feitos pela base. “É muito importante que as pessoas entendam que quando a gente legisla para a população negra, que é a base da sociedade de vulnerabilidade socioeconômica, de violências, dos marcadores negativos, são as mulheres negras as que mais sofrem qualquer tipo de violência, que têm os salários mais baixos, que estão no subemprego e desemprego, que são mães solo e chefes de família, a maior parte são as mulheres. Então quando a gente legisla para esse público e a gente levanta quem sofre as maiores violências e as maiores invisibilidades, quando você melhora os que estão em piores condições, toda a sociedade melhora junto. Ter essa compreensão de que não é uma política de identidade, mas é um processo civilizatório, é uma construção de princípio, é um combate a uma opressão estrutural, é um enfrentamento que fala de um projeto de sociedade, é necessário que as pessoas compreendam que não é só uma questão de representação identitária, é de processo civilizatório, é uma questão de mexer nas bases de estrutura de opressão. A gente sabe o quanto o racismo retroalimenta o capitalismo e quanto o capitalismo retroalimenta o racismo”, defende.
Defesa da saúde e luta contra as opressões
Trabalhando como enfermeira, doutoranda em saúde pública pela Fiocruz, Juliana explica que grande parte de suas propostas e pautas vêm da defesa do SUS e a partir da defesa do SUS a defesa de todo o serviço público. “O SUS como estrutura de saúde em si, a defesa do financiamento, dos trabalhadores e das trabalhadoras, da defesa das 30 horas de jornada, do pagamento de insalubridade, de todas as questões do SUS público e de qualidade, contra as terceirizações, a defesa da saúde, de entender o que é a saúde, que cada pessoa tenha o alcance de tudo que foi produzido de tecnologia em saúde, que todo mundo tenha condições de ter saúde”, alinha.
Para Juliana, falar sobre saúde demanda também entender as condições para que a população tenha acesso à saúde. “A gente vai debater política econômica, para garantir empregabilidade, garantir renda, para garantir políticas afirmativas. A saúde não é só física, ela é mental, biopsicossocial, até espiritual, é muita coisa que faz parte da saúde plena do indivíduo e da saúde coletiva. Um debate de saúde coletiva tem que se falar sobre as condições necessárias para se ter saúde dentro de uma sociedade. Que não é só ter estrutura para um atendimento às doenças, mas também perpassa por segurança alimentar, pelo direito a se vestir, pelo estudo de qualidade, para garantir uma juventude digna, para garantir trabalho decente”.
Para além da militância pela saúde pública, as propostas de Juliana são também a partir do debate da promoção da igualdade, de comunidades tradicionais, da luta contra a intolerância religiosa contra os povos de terreiro, da defesa dos direitos das populações ciganas, combate ao racismo, combate ao machismo, direito das mulheres a uma vida livre de violência, do combate à LGBTQIA+fobia, direito de viver sua identidade e orientação de gênero sem sofrer violência por isso. Ela defende, então, que todas as políticas públicas precisam ter na sua transversalidade a pauta LGBT.
“Saúde e luta contra as opressões como o sul das propostas da minha candidatura. Se você vai falar de racismo, não tem como você não falar sobre o direito à vida e sobre como a segurança pública atua sobre os corpos de negros e negras como alvo e não como garantia de proteção. De povos e comunidades tradicionais a gente tem que falar de agroecologia, do desenvolvimento sustentável. Tudo vira um grande leque para outros debates”, defende.
Visibilidade e ocupação dos espaços de poder
Juliana afirma que quando candidaturas negras começam a ocupar os espaços de poder, como ocorreu em Curitiba nas eleições de 2020, que Carol Dartora foi eleita a primeira mulher negra vereadora da capital, isso é consequência da ação de militância do movimento negro organizado em conscientizar a sociedade. “O movimento negro organizado tem conseguido mais alcance, que sua voz fique mais exposta. Aqui no Paraná, por exemplo, que uma mulher negra nunca foi eleita na Assembleia Legislativa, faz com que a gente tenha o debate de que o Paraná é estruturalmente racista. A gente tá fazendo esse alarde tentando apresentar para a sociedade paranaense que existe racismo estrutural. Que está enraizado e que faz com que as pessoas, mesmo que não percebam, estejam sempre privilegiando o mesmo grupo. Eu acho que toda reação que pode vir a partir daí, que as pessoas possam pensar puxa, é verdade, estou ajudando a manter uma política da branquitude, ainda que eu vote no cara da esquerda, eu tô sempre votando no cara da esquerda branco, sempre mantendo a estrutura de poder na mão da população branca, então eu vou fazer diferente”.
Ela explica sobre como esse racismo estrutural é perceptível nas instâncias de poder e onde não existe necessariamente a violência física para identificá-lo. “Muitas vezes, a pessoa acha que ela não é racista porque ela nunca ofendeu diretamente uma pessoa negra, porque ela nunca agrediu fisicamente uma pessoa negra. Mas também tem racismo quando há a manutenção das mesmas pessoas nos espaços de poder e decisão. Porque ela não permite que outros corpos possam fazer e legislar com marcadores diferentes. Então, se há uma resposta da sociedade para essa denúncia, é porque antes há a provocação de negros e negras para que isso aconteça. Porque eu acho que não vai partir daqueles que são privilegiados de abrir mão de seus privilégios. É uma provocação muito forte que os negros e negras têm feito da necessidade de compreender que existe um privilégio da branquitude, da permanência nos espaços de poder, que inclusive faz com que pessoas brancas legislem sobre o que é política pública para o povo preto. Faz com que majoritariamente homens legislem para os direitos das mulheres. O que são os direitos das mulheres para a população negra quem tá fazendo são homens brancos. A gente faz essa denúncia numa tentativa de conscientizar a população que é necessário diversidade na política, para que todas as vozes sejam ouvidas e para que sejam feitas políticas para todos os públicos”.
Para Juliana, para agir contrário a isso, é necessário se posicionar também no voto de forma antirracista, e que uma pessoa não negra pode se sentir representada numa pessoa negra ocupando um espaço político de poder. “Eu não consigo falar que seja uma aceitação da sociedade porque tem muito trabalho militante do movimento negro envolvido nisso, para que esse discurso se modifique, não acontece porque de repente a sociedade entendeu que precisa da representação de negros e negras na política. Tem muito trabalho envolvido nisso”.
Desafios para a candidatura
No processo de aquilombamento dos parlamentos, as mulheres negras querem que todas elas sejam eleitas, num projeto de solidariedade entre elas, mulheres negras que são candidatas. “É um jeito revolucionário de fazer política, uma política de solidariedade e não de competitividade. A gente está tentando também fazer uma política diferente, que é uma política com afeto, com coletividade, com projeto popular, com uma proposta de unidade que é diferente, que cada uma é uma, mas nenhuma está só”.
E o principal desafio, Juliana conta, ainda é na estrutura partidária, que para ela, é dar a largada de campanha de chinelo quando outras candidaturas arrancam com um Porsche. Nessa analogia, explica que o acesso a recursos do fundo partidário, mesmo com legislação afirmativa, não é bem dividido.
“Uma coisa muito difícil pra gente que é candidata negra é a garantia da estrutura, ainda é difícil dentro dos partidos, mesmo com a legislação dizendo que no mínimo 30% tem que vir para candidaturas negras, ainda assim a distribuição (de recursos) não tem uma regulamentação, muitas vezes esse valor não é bem dividido dentro das candidaturas negras e a estrutura da campanha fica restrita a esse valor e fica muito difícil disputar com candidaturas milionárias dos que já estão nos espaços de poder. Isso também é uma dificuldade que a gente encontra. Por mais que agora, a legislação garanta a participação de negros e negras no pleito, a gente precisa que os partidos entendam que é necessário que nós tenhamos potencial financeiro para disputar as estruturas, porque se não fica muito difícil construir uma candidatura potente que alcance todo o estado do paraná, para garantir que se reverta em voto”.
A visibilidade e fortalecimento que Juliana e as demais candidaturas negras encontram nacionalmente e coletivamente nas iniciativas do movimento negro, não se reverte em apoio partidário.
“Tem uma galera com muita estrutura, com espaço na mídia, com gente contratada, com muita visibilidade, com muito espaço, enquanto a gente está ainda fazendo conversa para que as pessoas entendam a necessidade da nossa existência, da necessidade de a gente estar fazendo essa disputa. Nosso trabalho é multiplicado, em relação às candidaturas não negras. As minhas ancestrais conseguiram se libertar da escravização e a gente vai a cada geração conseguindo mais avanços para quem sabe um dia a gente alcance uma sociedade que olhe para negros e negras de maneira igual. Ainda não chegamos lá, mas a gente não se retira da luta”.
Retrato das candidaturas de mulheres negras
Conforme dados do TSE, 44 mulheres candidatas no Paraná se autodeclaram pretas em 2022, um crescimento de 126% com relação às últimas eleições para os parlamentos estaduais e federais, em 2018, quando 19 mulheres se autodeclararam pretas. Contudo, essas mulheres que se declararam pretas nessas eleições de 2022 representam apenas 8,2% das candidaturas femininas do estado do Paraná, sendo que 74% das candidaturas de mulheres no estado são de mulheres brancas.
O Parágrafo 2 que contribuir nessas eleições para a visibilidade das candidaturas de mulheres negras e pessoas indígenas.