Coluna Autofagia
Em um país marcado pela ausência paternal e falta de leis mais efetivas que assegurem as mães condições dignas e obrigue os pais a assumirem suas responsabilidades quanto a criação de seus filhos, a pandemia de Covid-19 aprofundou, ainda mais, as desigualdades sociais, especialmente, no que tange a educação de crianças e adolescentes e a violência contra a mulher.
Em março de 2020, com o fechamento de creches e escolas, crianças e adolescentes ficaram à mercê de uma educação tecnológica da qual muitas delas nunca tiveram acesso. Segundo o IBGE, em pesquisa publicada no final de 2020, cerca de 40% dos estudantes com idade escolar não tinham acesso à internet banda larga.
Neste contexto desalentador, o Congresso Nacional aprovou, em caráter de urgência, o Projeto de Lei 3.4477/2020 que visava assegurar a estudantes e professores de escolas públicas, gratuitamente, internet para que os impactos negativos da ociosidade escolar fossem reduzidos. Infelizmente, em março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro vetou totalmente o Projeto de lei, deixando milhões de crianças e adolescentes à própria sorte, aprofundando, assim, as desigualdades educacionais.
Tragicamente, a educação não foi única área negligenciada pelo Governo Federal. Em plena pandemia, observou-se o desdém de Bolsonaro e sua trupe pela saúde e seus reiterados ataques à ciência e as vacinas. A posteriori, como vem apurando a CPI da Covid, no senado, o negacionismo era um pano de fundo para um esquema de corrupção bilionário de compras superfaturadas de vacinas.
Em meio a esta crise sanitária global, potencializada no Brasil pelo anseio de poder político e econômico, o país se aproxima, lamentavelmente, de 550 mil mortos. Neste contexto de guerra, 130.363 crianças ficaram órfãs, de acordo com estudo publicado pela revista científica Lancet, neste mês de julho. Ainda, segundo os dados publicados, em percentuais, o Brasil ocupa a quarta colocação de um ranking de 21 países. Em números absolutos, o Brasil sobe à segunda colocação, atrás, apenas, do México com 141 mil órfãos.
Quando se trata de comprometer as próximas gerações, o governo inquisidor de Bolsonaro não mede esforços. Segundo o UNICEF, órgão da ONU para a educação, com a aqueda de renda das famílias, aliada ao fechamento de escolas, 40% de crianças e adolescentes, oriundos das camadas mais pobres da pirâmide social, foram afetados com a vulnerabilidade alimentar. No caso do Brasil, segundo a pesquisa, estes números são potencializados, devido à maioria dos lares serem chefiados por mães, em grande parte, sem apoio dos pais.
Historicamente, o Brasil é um país hostil às mulheres. Com legislação, ainda, incipiente, o país ostenta estatísticas preocupantes quanto à violência contra as mulheres. Durante a pandemia de Covid-19, uma, em cada quatro mulheres, relatou ter sofrido algum tipo de violência dentro de casa, aponta o Fórum brasileiro de segurança pública de 2020. Estes dados corroboram com o número de assassinatos no período, que cresceu cerca de 2%, 1.890 homicídios – ou seja, 640 a mais do que em 2019. Ainda, nesse contexto, as mulheres negras são a maioria, de acordo com o estudo.
Mediante a uma epidemia de violência, intensificada por uma pandemia sanitária, sabe-se que as minorias são as mais acometidas. Assim sendo, compromete-se o futuro de crianças e adolescentes, suprime-se a figura e os direitos da mulher, acentuam-se as desigualdades e o país segue seu círculo vicioso de intransigências. Por conseguinte, faz-se necessária a mudança de percepção política e humana deste país. Deve-se, contudo, zelar pela educação e alimentação de nossas crianças, lutar, incansavelmente, contra a violência de gênero – e todas as violências – para que se eliminem as desigualdades sociais e se tenha um país mais igualitário a todos.