Por Mário Luiz Costa Jr.
O filme Bacurau, lançado no fim de agosto, alcança a marca de 500 mil espectadores nos cinemas brasileiros, com arrecadação até o momento de R$ 7,9 milhões.Premiado com o troféu do Júri em Cannes, o filme, codirigido por Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho (Som ao redor e Aquarius), continua lotando as salas de cinema no Brasil e, principalmente, no Cine Passeio, em Curitiba. E, caso tenha interesse em assistir compre seu ingresso antecipado para não perder a pipoca.
Ao sair da sala do Cine Passeio pensei em filmes como Rocky 4, Pearl Harbor, Guerra ao Terror, em tantas outras obras cinematográficas e literárias, que retratam como inimigos os russos, vietnamitas, iraquianos, em que os americanos são alçados ao patamar de defensores dos bons costumes, da justiça, da honra e da liberdade. Responsáveis por levar a liberdade e seus valores aos primitivos, bárbaros, latinos, aos economicamente e culturalmente, menos desenvolvidos.
Aqueles que, segundo o seu ponto de vista deturpado, destoam do modo de vida americano, qualquer um que não esteja alinhado a política do Big Stick, ou não seja descendente direto dos deuses, alvos e impetuosos, bem como o governo de Trump e o puxadinho de Bolsonaro no Brasil, pensam. Mas, neste filme as coisas acontecem de forma diferente, se pudesse comparar com algo, numa visão de Quentin Tarantino, seria Django explodindo a casa grande representada por Candyland rompendo com as correntes da escravidão, o êxtase final.
O povoado de Bacurau, hospitaleiro e pacífico, vive nos arredores do distrito de Serra Verde, enfrentando os problemas com a falta de água, entrega de medicamentos, educação e o fornecimento de alimentos. Retrata os governantes que governam apenas a seus interesses, que só lhes visitam em época de campanha para trazer migalhas e pedir votos. O filme tem referências à Guerra de Canudos, aos Sertões de Euclides da Cunha, do povoado enfrentando o destino amargo, a estiagem, as secas cíclicas e o desemprego crônico, resistindo e procurando fazer deste lugar, com tantas dificuldades, o seu lar. Divide a comida, os medicamentos, onde cada qual contribui da forma como pode numa ação mútua, sofrem e lutam juntos. Apesar de não existir nenhuma figura profética como Antônio Conselheiro e a igreja servir de depósito pela ausência de frequentadores, a história traz a bravura do nordeste, do cangaço, de Lampião, Corisco, do povo que se une por si para fazer a mudança.
Kleber Mendonça e Juliano Dornelles procuram descontruir os estereótipos do cidadão de bem, do bom homem do sul, que deseja ser europeu e tenta transparecer norte americano, o famoso lambe botas que renega as raízes das três raças do branco, índio e do negro, a mestiçagem tão presente na formação do povo brasileiro. Pois, para os outros, somos simplesmente, latinos.
O filme Bacurau referência obras de Quentin Tarantino, George Lucas, parece até episódico, e se passa num futuro distópico como 1984 e Admirável Mundo Novo, entretanto, é tão realista aos nossos dias. Ressalta os valores do nosso povo, dá um respiro para tempos sombrios e de incertezas a Ancine e ao cinema nacional, mas também é uma obra primorosa que merece o reconhecimento do público e as salas lotadas de cinema.
Bacurau, a história de um povo livre e único, sobrevivente das agruras, covardias e as tristezas do dia-a-dia, do inconformismo pulsante pela morte prematura do futuro no sangue que espirra na camiseta escolar das crianças, a bala perdida e as desculpas esfarrapadas, a história do povo brasileiro. Porém, saiba não batemos continência a qualquer um e estou sobre os efeitos de um poderoso psicotrópico e daqui pra frente não sei o que pode acontecer, e, se for, vá em paz.
Trailer: