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foto: Dyego Martins

Salve Zero Quatro, salve! Salve a música

Entrevista com Fred Zero Quatro, um dos fundadores do movimento Manguebeat

A banda Mundo Livre S/A fez uma mini turnê no Paraná para o lançamento do DVD Mangue Bit Ao Vivo. Eles, e a banda local Machete Bomb, tocaram na última sexta feira (9/12) no Jhon Bull, em Curitiba, com produção da 21 Graus. No sábado foi a vez de Londrina e no domingo Maringá receberem o cavaco de Jaboatão dos Guararapes.

Mundo Livre S/A existe há 32 anos, contando os 10 anos como banda de garagem antes do lançamento do primeiro álbum. Ao lado de Chico Science & Nação Zumbi criaram o movimento Manguebeat. Nestas três décadas de história a banda teve diversas formações. Fred Zero Quatro, a alma da banda, é o único que se mantém desde o início, seguido de perto por Xef Tony, batera e back vocal do grupo.

Numa típica sexta feira de (quase) verão em Curitiba – ou seja, Céu nublado e garoa fina – a banda pernambucana aterrissou em solo são-joseense perto do meio dia. Um meio dia longo que começara lá em Recife antes das cinco da madruga para alguns dos integrantes. Depois de encher o bucho a banda foi para o hotel descansar enquanto o Penico Véio, como Fred Zero Quatro se intitulou, foi à rádio Mundo Livre (FM, não S/A) bater um papo com a Margot Brasil e divulgar o show de logo mais.

Dois repórteres do nosso ilustre Parágrafo 2 foram ao encontro do mangue boy no alto das Mercês e, como peixes-piloto que seguem de perto o tubarão em busca de migalhas, Everton Mossato e Mário Costa aproveitaram a oportunidade para encher vosso bucho também. Uma entrevista roubada de 20 minutos virou um rolê de mais de três horas regado a louras frias e muitas histórias com o ilustre Sr. Zero Quatro.

 

A banda Mundo Livre S/A se apresentou no dia 9/12/16 em Curitiba | foto: Dyego Martins

Trapaça

A primeira banda de Zero Quatro foi a Trapaça. Segundo ele “era uma banda mais gótica, pós punk. Por que na época do punk mesmo eu não conhecia ninguém que se dispusesse a tirar esse som comigo”. Trapaça foi a primeira de uma série de bandas de punk e hardcore que Fred fundou antes de chegar à sonoridade do Mundo Livre S/A. O caminho até lá não foi de flores e o punk deixou marcas permanentes no DNA do grupo. A trajetória musical de Fred começa a mudar quando um antigo amigo de faculdade de jornalismo chega de São Paulo carregado de discos e inspiração. “Aí o Trapaça foi meio que atropelado porque um brother, vizinho e colega de faculdade voltou de São Paulo. Ele foi nas galerias lá. Conheceu o Punk no início da parada e trouxe vários discos daquela cena original de São Paulo. Aí a gente meio que pirou e tal e o Trapaça foi atropelado”. Nessa fase surge o Serviço Sujo “que era punk mesmo. Assim, até mais política do que música. Bem de ação direta, anarquia. Ideológico”. No entanto a bagagem musical do compositor era muito mais ampla. Sentado no banco do passageiro do seu pai ele ouvia Elza Soaras, Jair Rodrigues, “Miltinho” e, com 12 anos, se apaixonou por Jorge Ben. “Eu era louco por música brasileira. Principalmente esse legado do Samba, Samba-Rock, Moreira da Silva. Na época de faculdade conheci uns músicos de choro, aí fui pra congresso em São Paulo, aí pirei com a galera de choro de lá”, diante de diversas paixões, por inúmeros gêneros musicais, o rompimento com o movimento punk era iminente. “Tiveram vários fatores que colaboraram para que eu fosse me desinteressando pelo punk, em termos políticos sobretudo”.

Um dos fatores foi o lançamento da música Sou Punk da Periferia, de Gilberto Gil. O sucesso das rádios se espalhou e chegou aos roteiros de outras obras da cultura de massa. Insatisfeito com a modinha dos personagens caricatos que proliferavam em programas como Viva o Gordo, do Jô Soares, e na novela das oito Fred desencanou da cena punk. “E aí foi quando deu vontade de largar [o punk] e reaproveitar essa veia da anarquia, da ação direta e da provocação do punk. Mas, como uma coisa que se libertasse das amarras do hardcore, sacou? Aí foi quando veio a ideia do Mundo Livre S/A ser um troço que incorporasse o Samba, o Samba-Rock… mas, com essa postura herdada do punk”.

Invariavelmente no início do projeto Mundo Livre S/A Fred Zero Quatro foi chamado de traidor do movimento, sobretudo por já ter tocado em diversas bandas da cena punk e hardcore recifense. Como “castigo” por deixar os antigos parceiros de garagem, por o palco ainda estava longe nessa época, Fred e a galera do Mundo Livre tiveram os equipamentos roubados. Fato que nem de perto afetou a convicção do grupo no “novo” som. Já nas primeiras apresentações da banda o público – formado em sua maioria por amigos –  aprovou a nova sonoridade dos malungos.

 

Plano de Fuga

Em meados dos anos oitenta as bandas de rock brasileiras bombavam nas rádios. Como Fred conta “qualquer merdinha que lançasse um compacto, que fosse, estourava nas rádios”. Em 1984, depois do primeiro show, a banda pensou em sair de recife e ir para o sudeste na tentativa de ser tocada pelas mãos do grande mercado, tendo em vista que recife estava fora do eixo mainstream. “A gente chegou a organizar um plano de fuga, juntar os trecos e ir embora para São Paulo ou pro Rio. Era o auge do Rock Brasil. Mas depois caiu a ficha que a gente não tinha um instrumento profissional, diferentemente do Legião, do Paralamas… que eram todos filhos de diplomatas, com família no Rio… Papaitrocínio. A gente não tinha nenhum conhecido, nem parente no Rio e em São Paulo. A minha guitarra, eu mesmo tinha botado os trastes e ela não afinava direito. Sem um puto no bolso e sem carteira assinada ia ser loucura. Ia ser um troço pra gente chegar e dormir embaixo do viaduto do Chá em São Paulo. Então não ia rolar e a gente desistiu”. Por sorte, destino ou outra força à sua escolha, Fred Zero Quatro fincou sua parabólica na lama do Recife e, ao lado de Chico Science e sua cambada de mangue boys, fizeram história fora do eixo Rio-São Paulo. O símbolo desta história é Manguebeat.

 

Com 54 anos, Fred Zero Quatro, toca sem preguiça e faz o público suar no Jhon Bull | foto: Dyego Martins

Son of a bit, o novíssimo projeto de Zero Quatro criado a partir da Cadência Liquida (ou Cordas Triangulares)

Ondas intermitentes de inspiração atingem Fred Zero Quatro. Como muitos outros compositores, o jaboatonense versa de “deprês” causadas por longas secas sem produção a inundações de criatividade. Atualmente ele está em período em que o “violão lhe chama”. No último um ao e meio sua relação com o instrumento tem sido íntima e intensa. “Toda hora que eu chego eu começo a tocar uma, duas, três músicas. Daqui a pouco já surge ideia pra outra e outra… Já entraria [em estúdio] para fazer um álbum específico na boa”. Algumas músicas, porém, levam anos para ficarem a contento de seu criador. Ela é Indie, por exemplo, levou quatro anos de sua primeira versão até a gravação. Fred comenta que talvez num outro momento esta música não sairia ideal, devido aos prazos impostos pelas gravadoras. “O desmonte das gravadoras, dos selos… tem um lado muito perverso porque deixa um clima de insegurança para banda. Mas por outro lado tem isso. Que talvez se fosse na época do Banguela [produtora] a gente tivesse gravado Ela é Indie de qualquer jeito ou até tivesse desistido dela”.

Fred Zero Quatro conta sem se envergonhar que “sempre foi tímido pra caralho”. Seu pai, que gostava de serestas e também cantava, chamava uns amigos e pedia ao filho que tocasse. No entanto a timidez de Fred o impedia. Zero Quatro confessa que não fez o caminho tradicional daqueles que ingressam no mundo da música. Ou seja, tocar em barzinhos e pequenos festivais. Primeiro ele montou uma banda, ou melhor, várias. “Talvez o lance de montar uma banda antes de fazer esse caminho de barzinho pode ter sido uma defesa minha. Por que assim você está dividindo aquela tensão de enfrentar o público com uma galera. Você não está sozinho ali”. A insegurança em encarar o público não se restringia à Fred, “tinha um outro guitarrista que, de tão envergonhado, tocava de costas para o público. Eu também tinha uma dificuldade do caralho de olhar para o público, de soltar a voz”, confessa. Esse comportamento no palco só mudou quando o Mundo Livre S/A conheceu outro mangue boy. “Chico [Science] foi quem mudou totalmente a minha concepção com aquela presença de palco dele”.

Com saudades dessa época, digamos, mais introspectiva e diante de um entrave burocrático para liberação dos direitos autorais do seu último (e primeiro) DVD, Fred Zero Quatro teve a “folga” que precisava para retomar um antigo projeto. “Comecei a desenvolver uma técnica… nunca vi ninguém fazer. Já chamei de Cadência Liquida… Cordas Triangulares. É um troço diferente que eu venho desenvolvendo no violão de nylon e acho que não combina muito com a linguagem do Mundo Livre”. O músico lamenta não ter estrutura para trazer o equipamento necessário para mostrar o “novo som” junto com a turnê Mangue Bit Ao Vivo.

No entanto, alguns privilegiados já puderem ver e ouvir o novo projeto. Fred já compôs um repertório específico utilizando estas técnicas e inclusive o filho já tem nome: Son of a bit. Ao lado de Adriano, que faz algumas bases para acompanhar o violão, Zero Quatro tocou o novo som em algumas cidades como Porto Alegre, Pelotas, João Pessoa e Recife. O projeto também foi apresentado ao produtor musical Miranda que já comprometeu com o trabalho. “Você não pode mostrar isso mais pra ninguém porque eu vou produzir essa porra”, disse o produtor. A vontade de Miranda vai de encontro com a empolgação de Fred. “Eu tô afim mesmo de, na primeira oportunidade, entrar em estúdio e registrar. E se puder ser com o Miranda, melhor ainda”. (Continua…)

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Leia a segunda metade da entrevista
com o Fred Zero Quatro. Lá o compositor fala da veia produtiva/criativa de Chico Science (em vídeo), da relação entre as bandas fundadoras do movimento, sobre a internet e a cadeia produtiva da música, a sua paixão por Jorge Bem e, é claro, sobre o Manguebeat. Até lá! o/

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Texto e entrevista:  Everton Mossato

Produção e entrevista: Mario Costa

Fotos:  Dyego Martins

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Links:

Mundo Livre S/A

https://www.facebook.com/mundolivresa

Produtora 21 graus

https://www.facebook.com/Produtora21Graus

Dyego Martins – Fotografia Musical

https://www.facebook.com/dyegomartinsfotografia

Machete Bomb

https://www.facebook.com/macheteoficial

 

About Everton Mossato

É jornalista, cofundador do Parágrafo 2, "emprestado" ao funcionalismo público. Descabaçou como repórter em jornais de bairro de Curitiba. Já teve uns blogs e editou o documentário Tabaco - As folhas da incerteza. Aprecia o ritmo de produção intermitente e acredita que boas "estórias" devem ser contadas sem pressa.