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Reconhecido no mundo, subestimado no Brasil: Os desafios da campanha de Kretã Kaingang

Reportagem: José Pires

Foto principal: Emerson Nogueira

Respeitado em diversos países, Kretã Kaingang luta contra a falta de estrutura e o racismo para corporificar sua campanha a deputado estadual no Paraná.

Romancil Gentil Cretã, conhecido como Kretã Kaingang, nasceu no município paranaense de Mangueirinha, a 389 quilômetros da Capital.  

Filho de uma das maiores lideranças indígenas da história do Brasil – o falecido Ângelo Cretã, primeiro indígena a conquistar um cargo eletivo no país – Romancil concorre hoje ao cargo de deputado estadual pela Rede Sustentabilidade. Com o lema “Terra, Teto e Território”, Kretã participa de uma candidatura coletiva, na qual é o cabeça de chapa.

Ele é, assim como foi seu pai, uma das maiores lideranças indígenas do país. Um dos fundadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), está presente na maioria das manifestações em defesa da preservação das florestas e dos territórios que abrigam etnias de Norte a Sul. Viajou por diversos países denunciando a violência contra os povos indígenas e é um dos idealizadores do Acampamento Terra Livre, mobilização que leva milhares de pessoas todos os anos à Brasília.

Conhecido e respeitado no exterior, Kretã já discursou em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente em diversos países da Europa, como no Vaticano, por exemplo. Também participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que aconteceu na Escócia, no ano passado.

Falta de estrutura

O mundo nunca esteve tão interessado no meio ambiente brasileiro quanto agora. A gestão criminosa de Jair Bolsonaro acendeu o alerta nos países da Organização das Nações Unidas (Onu). Neste cenário, eleger legisladores comprometidos com o meio ambiente é fundamental.

Aqui no Brasil, entretanto, a possibilidade emplacar um deputado ligado ao meio ambiente e respeitado em vários lugares do mundo, parece não ter empolgado a Rede Sustentabilidade, partido que não elegeu nenhum deputado no Paraná na última eleição. Na verdade, a Rede passou longe disso, para o legislativo fez, na disputa por uma vaga na Assembleia, um total de 28.170 votos, muito menos que os quase 100 mil necessários para eleger um deputado estadual. 

Kretã é um dos idealizadores do Acampamento Terra Livre que reúne milhares de indígenas em Brasília todos os anos. Foto: APIB

Até o dia 10 de setembro, quase um mês depois do início da campanha – que começou em 16 de agosto – Kretã não tinha um santinho sequer pra distribuir. Não tinha placas, bandeiras, perfurates ou R$ 1 para combustível. O valor destinado pelo Fundo Eleitoral chegou tarde, duas semanas para o fim do pleito.

Enquanto sua campanha engatinhava, a corrida eleitoral se mostrava sem obstáculos para candidatos tradicionais do estado, muitos deles ligados ao agronegócio.

Até 10/09, nem programa na TV Kretã tinha gravado. A divulgação de sua campanha se dava prioritariamente pelas redes sociais.

Mas Kretã não reclama do partido, para ele, “todos os partidos tiveram dificuldades para receber o Fundo Eleitoral”.

Racismo

Não bastasse a falta de estrutura, que reforça a disparidade história entre candidatos tradicionais e aqueles que pertencem às minorias, Kretã foi vítima de outra mazela histórica. Durante live com no dia 20 de setembro, com o também candidato pela Rede professor Marcelo, Kretã recebeu ataques racistas de um usuário chamado Luiz Carlos Filipi.

“Lamentável este juruna participando com vcs, a classe indígena, nunca gostou muito de trabalhar, isso todos nós sabemos, só quer saber de ganhar terras, parece o MST”. Esse foi o comentário postado por Luiz Carlos Filipi durante a live. O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, o TRE-PR, ordenou que o Facebook removesse os comentários racistas e preconceituosos, sob pena de R$ 5 mil diários de multa.  

Em nota a executiva da Rede Sustentabilidade criticou o ataque e prestou solidariedade ao candidato.

Comentário racista direcionado a Kretã durante uma live no dia 20/09

Terra, Teto e Território

A luta pela terra, por óbvio, é uma das principais bandeiras de Kretã. Ele já participou de diversas retomadas de territórios originalmente pertencentes aos povos indígenas. A última delas foi em Piraquara, na Floresta Estadual Metropolitana, local onde vive atualmente.

Sua campanha está estruturada no fortalecimento do direito à terra e à moradia. Mas não apenas nisso. “Quando falamos em direito à terra, não falamos apenas dos direitos para os indígenas. Falamos também sobre a terra para a agricultura familiar, sobre a terra regularizada que permite a moradia digna nas periferias”, ressalta Kretã.

O Teto, que é parte da tríade de seu mote eleitoral, se refere a toda a estrutura necessária para que as pessoas tenham habitação digna. “O Teto se refere ao saneamento básico, a infraestrutura de um bairro com creches, escolas, unidades de saúde e áreas de laser”, diz.

Já o “Território” é, como explica o candidato, usar a democracia e a voz popular, fortalecendo a participação legislativa da população por meio de gabinetes itinerantes presenciais e virtuais, visando incentivar a consolidação de lideranças e comunidades locais. “Isso para que possamos, de fato, lutar pela Soberania Alimentar e Nutricional, Economia Popular Solidária, Circuitos Culturais e de valorização da presença e culturas das comunidades tradicionais, entre outras pautas preciosas para o desenvolvimento do nosso Território Sagrado Paranaense”, destaca.

Coletivo

A candidatura de Kretã é coletiva e envolve personalidades importantes da luta indígena, ambiental e cultural.

Sani Mel é mulher preta, afro-indígena; membro dos Núcleos de Arte e Cultura, e Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (IFPR). É também articuladora política do MND (Mulheres Negras Decidem), diretora de articulação política do partido Raízes/PR e mestranda na linha Turismo, Sociedade e Meio Ambiente pela UFPR.

Ivani Benites é estudante do ensino médio. Vive na aldeia Yvy Porã, em Terra Roxa, no interior do estado. Indígena da etnia ava Guarani, decidiu participar da candidatura de Kretã para trabalhar pela melhoria na educação e na saúde para mulheres indígenas.  

Ju kaingang é artesã indígena, estudante e uma das coordenadora do Levante pela Terra e da Democracia Militante Movimento Nacional.

Coletivo Terra, Teto e Território – Foto: Divulgação

Luan Costa, de 20 anos, é estudante de Jornalismo e Ciências Ambientais pela UFPR – Litoral, dentro do curso de CIAMB vivência a realidade socioambiental do litoral, bem como as lutas das comunidades tradicionais da região. Ativista no coletivo Araucárias pelo Clima, o núcleo estadual do Fridays For Future, busca trazer informação e conscientizar a juventude sobre a crise climática e ambiental, através de ações, intervenções e projetos, como o araucárias 2070, que tem como objetivo reconstruir a mata das araucárias.

Kretã Kaingang, convidou o Coletivo Araucárias para somar no mandato e o representante do coletivo frisa a importância de se ter representantes dos povos originários e da juventude ativista dentro da Alep e lugares de tomada de decisão.

Silvana Benitez é natural de Terra Roxa. Da etnia Guarani Kaiyowa, está se formando em Direito pela universidade de Ponta Grossa. Ela faz parte de movimentos sociais e criou uma ong chamada Crími em Castro. Neste município trabalhou na cultura com várias exposições indígenas, participou de diversos seminários das mulheres indígenas e de cursos de capacitação em associativismo da oficina Regional.

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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