Na noite desta segunda (29), a Agência de Notícias do Governo do Paraná publicou um texto e áudios do governador Ratinho Jr (PSD) afirmando que o Estado pode intervir no conflito no Oeste paranaense e realizar a reintegração de posse de áreas ocupadas por indígenas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa.
A declaração, publicada também nas redes sociais do governador, afronta órgãos do governo federal e coloca ainda mais combustível no conflito.
No dia 19/07, foram publicadas decisões judiciais determinando a expulsão das comunidades Ava guarani das áreas em retomada. Os pedidos dos fazendeiros da região foram apresentados em oito ações judiciais, que obtiveram resultado em decisões do juiz João Paulo Nery dos Passos Martins, responsável pelos casos na 2ª Vara Federal de Umuarama. Ao todo, são quatro reintegrações de posse e quatro interditos proibitórios que atingem quatro comunidades.
As decisões colocam em risco cerca de 550 pessoas, entre crianças, mulheres e idosos do povo Ava Guarani. É importante lembrar que as retomadas foram feitas em área já reconhecida pelo Estado brasileiro como terra indígena tradicionalmente ocupada e que aguarda conclusão do processo de demarcação.
E foi sobre essas reintegrações de posse que o governador Ratinho Jr afirmou que, caso não haja qualquer movimento federal para cumprir as determinações judiciais, que já estão com prazos próximos de encerrar, o Governo do Estado deve se posicionar juridicamente para o cumprimento da reintegração. “Os agricultores estão cobrando uma solução desta reintegração de posse e o Estado vai ter que se posicionar juridicamente no sentido de fazer a função, que é da Polícia Federal, de realizar essa reintegração de posse”, disse o governador.
As declarações foram dadas durante uma videoconferência com o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Também participaram da reunião integrantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ministérios da Justiça e dos Povos Indígenas, da Procuradoria-Geral do Estado e outros órgãos estaduais. Na ocasião, o ministro Paulo Teixeira avisou que pretende convocar uma reunião com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para propor uma solução ao conflito.
Com estas declarações, o governador ignora a atuação do governo Federal por meio de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Polícia Federal (PF) e também despreza as intervenções do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).

Grupo de Trabalho
Na última semana foi criado um Grupo de Trabalho com a participação de cinco lideranças do povo Ava Guarani para atuar na mediação dos conflitos envolvendo áreas ocupadas.
O GT foi instituído por meio da Portaria n° 16160/2024 da prefeitura municipal de Terra Roxa que nomeia representantes das comunidades na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, do Estado do Paraná, Poder Judiciário do Estado do Paraná, na pessoa do Desembargador do Tribunal de Justiça Fernando Prazeres, prefeitura de Guaíra e Terra Roxa, FUNAI, MPI, MPF e dos Proprietários de Imóveis Rurais de Terra Roxa e de Guaíra.
Entenda o conflito
No início de julho, os guaranis começaram um movimento de expansão das aldeias e também de retomada de áreas dentro da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, que foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018, após longo processo de luta e muitas reivindicações. A reserva fica nos municípios de Guaíra, Terra Roxa e Altônia e vários trechos dela estão hoje em fazendas da região. São 165 os produtores rurais dos municípios de Guaíra e Terra Roxa que têm trechos de terra na Reserva Indígena. As propriedades somam cerca de 24 mil hectares.
Desde então, fazendeiros da região têm promovidos ataques aos indígenas em diversos locais. Tiros foram disparados, acampamentos incendiados e guaranis foram atropelados.
A tensão levou a Força Nacional de Segurança à região. Mesmo assim, diversas retomadas foram alvo de ataques e ameaças.
O Parágrafo 2 teve acesso a dois vídeos (confira abaixo) que estariam circulando nestes grupos. Um deles tem imagens aéreas das retomadas e no outro uma mulher, não identificada, convoca agricultores de outros municípios para expulsar os indígenas.
“Pessoal de Mundo Novo e Eldorado, estamos aqui em Guaíra com três invasões de propriedade hoje. Uma aqui no Mirante da Eletrosul, bem próxima da rotatória, outra lá na estrada do Picadão e outra na Pedreira. A gente precisa de ajuda de vocês, de reforço… precisamos juntar gente aqui e arrancar esse povo hoje daqui”, diz a mulher enquanto grava uma das retomadas.
Mais lenha na fogueira
Os indígenas que participam das retomadas temem que a tensão aumente e que as falas de Ratinho Junior inflamem ainda mais os ânimos dos fazendeiros da região. Nos últimos dias mais episódios de ameaças foram registrados em retomadas na região de Terra Roxa. “Estamos aqui em mais de 60 famílias e a única garantia que a gente tem é a presença da Força Nacional que nos garante um pouco de segurança, mas as ameaças continuam. No final de semana os fazendeiros tentaram atropelar mulheres e crianças em estradas aqui da região”, conta o cacique Izaías, que está em uma das retomadas.
Entenda mais sobre o conflito, acesse:
Antes que você saia: Apoie o jornalismo independente. Assine a campanha de financiamento coletivo do Parágrafo 2 e nos ajude a expandir a cobertura de temas ligados aos direitos humanos, moradia, imigrantes, povos indígenas, política, cultura, entre outros: https://www.catarse.me/paragrafo2
Você pode participar também da comunidade do Parágrafo 2 no WhatsApp e receber em primeira mão reportagens sobre direitos dos povos indígenas, imigrantes, liberdade religiosa, política, cultura…
É só clicar nesse link: https://chat.whatsapp.com/FoILCvfG2VW65lJZ4zWGOz
Essa miniatura de ditador se acha dono do Paraná