Foi isso que um superior da empresa Neo Bpo, que presta serviço ao Bradesco Seguros em Curitiba, disse aos seus colegas operadores de call center em uma reunião. Diante de uma demanda crescente por informações sobre a propagação do vírus na sede da empresa esta foi a resposta dada aos trabalhadores. Acompanhado do “conselho” veio a ordem para que o assunto covid fosse enterrado pelos corredores e cubículos do call center.
Questionada pela reportagem, a empresa Neo Bpo informou que “não divulga para o mercado dados da sua área de Medicina do Trabalho. Contudo, asseguramos que os casos estão sendo acompanhados e monitorados pelo nosso time”. Nossas fontes asseguram que são cerca dez os casos. O que o patrão não conta, a “rádio peão” transmite. Diante de seguidos afastamentos de colegas de trabalho, os grupos de whatsapp bombaram com os boatos que vieram a ser confirmados.
O tal “medo do covid” se faz legítimo. Em um espaço reduzido, mesmo com procedimentos de enfrentamento adotados pela empresa, como limpeza e distanciamento das estações de trabalho, o receio de contrair e levar o vírus para casa tomou conta da equipe. Porém, buscar melhores condições de saúde virou um risco de ficar desempregado.
Entre as queixas que chegaram à nossa redação, consta a de que a empresa, mesmo diante de casos confirmados em seu quadro de funcionários, não tomou uma atitude mais efetiva. Seja o rastreamento dos que tiveram contato com os afastados com suspeita e muito menos testagem na equipe. Como a própria NeoBpo informou, em nota, “a empresa não modificou os procedimentos adotados na prevenção ao COVID-19”. Ela segue com o protocolo inicial de prevenção. Procedimentos adotados em um momento da pandemia que ainda não havia números significativos de casos em Curitiba e nenhum registro de infectados na sede da empresa. Em linhas gerais as ações consistem em higiene, orientação e monitoração de temperatura do quadro de funcionários. O que, ainda segundo as fontes, não vem ocorrendo com a frequência adequada.
Sem uma comunicação transparente ou medidas efetivas, o sistema “cada um por si” imperou no call center. Alguns pagaram testes do próprio bolso. Outros amargaram dias de afastamento por estarem infectados. ”Achei que dessa eu não passava” relata um colega a outro, descrevendo as intempéries de quem sentiu na carne o poder do Sars-Cov-2. Entre o medo e o RH, os corajosos seguem arriscando, literalmente a vida e de seus familiares, nos turnos diários a serviço do Bradesco Seguros. Ganhar o sustento é cada vez mais letal neste país em que mais de 77 mil vidas foram ceifadas pelo vírus que encontra no governo e nos patrões um aliado fundamental para o seu sucesso. Se “Quem tem medo do Covid que passe no RH e peça a conta”, quem tem coragem siga sentindo na nuca o bafo da morte.
Há também relatos de que chefes e alguns operadores chamando os afastados pelo covid de preguiçosos. Na visão destes o contágio é um benefício para “desfrutar” do afastamento médico. É a “gripezinha” do Bolsonaro ganhando vida e corpo nas relações de trabalho Brasil à fora. É a logica do mercado imperando rumo ao progresso que em seu caminho deixa o rastro de sangue dos mais fracos.
Em outro canto da cidade, em meio a esta mesma pandemia, vemos rostos felizes, gritaria e palmas. Uma confraternização da empresa Real Corpo CWBX é registrada e postada em uma rede social. Me sinto um pouco bobo por sentir falta das máscaras e tentar medir a distância entre as pessoas do vídeo.
A pandemia revela verdades inconvenientes
Helena Ribeiro, que há 20 anos fornece consultoria em Recursos Humanos em diversas empresas pelo país, é categórica: “Existe um protocolo de segurança”. Ela conta que diante de situações críticas, como a pandemia, é comum que a empresas criem ou coloquem em prática o seu Comitê de Crise. Normalmente composto pelos setores de saúde, segurança, recursos humanos e estratégia. Este comitê cria um protocolo. Que pode ser o mesmo do poder municipal, estadual, de autoridades sanitárias ou um específico, desenvolvido para cada empresa se adequando a sua realidade.
Questionada sobre o referido comitê, a Neo Bpo informou que “empresa já vinha adotando todas as medidas de prevenção antes mesmo das determinações legais (…) que a nossa área de Recursos Humanos cuida pessoalmente da saúde e bem-estar de nossos colaboradores, tratando cada caso individualmente. Desde o início da pandemia, estamos trabalhando incansavelmente para orientar e estabelecer medidas de combate ao vírus. Ao todo, foram mais de 100 ações de conscientização”. Dentre estas ações certamente não consta a ameaça de funcionários temerosos com a sua saúde. Com relação ao episódio citado nesta reportagem a NeoBPO, cuja a sede é em São Paulo, afirma que “a empresa desconhece tais episódios e não incentiva tais condutas por parte de suas lideranças. Pelo contrário, ressalta e segue comunicando constantemente os seus colaboradores sobre o tema, bem como auxiliando no esclarecimento de dúvidas e orientações de prevenção (…)”.
Helena Ribeiro nos conta que em empresas cuja relação patrão X funcionário já não vinha muito bem, momentos de crise servem como um catalisador e estas relações se quebram de vez. Ela revela ainda que “algumas empresas fizeram muita burrada no começo da pandemia e agora estão correndo atrás do prejuízo” para restabelecer o equilíbrio e suas diversas áreas.
A reportagem buscou contato com a empresa Real Corp CWBX, porém não teve retorno até o fechamento desta matéria.
Ilustração: arte UOL