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Quatro dias de greve de fome e o silêncio do governo Ratinho Júnior

Fotos: Rafael Pires de Mello

Fabiano, de 46 anos, é professor no município de Guaíra nas margens do Rio Paraná. Ele mora em Mato Grosso do Sul, mas leciona como professor temporário em um colégio da cidade fronteiriça. Na última quinta-feira (19), ao lado de um grupo de 46 pessoas formado por docentes e outros profissionais da educação pública do Paraná, iniciou uma greve de fome pela revogação do Edital 47 do Processo Seletivo Simplificado (PSS) da Secretaria Estadual de Educação (Seed).

Corpulento, Fabiano suportou bem os dois primeiros dias sem comer. No terceiro os sintomas da abstinência alimentar ficaram mais intensos. Na manhã de hoje (23), o professor completou 96 horas sem se alimentar. Do grupo, restam 22 grevistas.

A cada madrugada uma crise de vômito anuncia mais uma baixa. Dormir sobre os colchões espalhados em frente ao Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná e que fica no bairro Centro Cívico, na capital Curitiba, é um desafio. O corpo reclama a falta de alimentos por meio de cólicas lancinantes. As pernas, que já não suportam mais o peso do corpo, são substituídas por cadeiras de rodas para que tarefas como usar o banheiro sejam executadas. De madrugada viaturas da Policia Militar param por algum tempo com o giroflex ligado. Existe uma ordem de reintegração de posse expedida pela justiça do Paraná desde a última sexta-feira (20). “Além da fome, da fraqueza, das cólicas, temo também que a PM chegue de madrugada e nos tire daqui à força, logo nós que não conseguimos nem caminhar”, diz o Fabiano.

Quatro dias em greve de fome, as cólicas do professor Fabiano são lancinantes

Quem inicia uma greve de fome reage, dependendo de seu estado de saúde, relativamente bem aos dois primeiros dias. Após o terceiro, o corpo começa a utilizar a proteína muscular para produzir glicose, um açúcar que é necessário para o metabolismo celular. Os níveis de eletrólitos importantes, tais como potássio, caem para níveis perigosos. O corpo também perde gordura e massa muscular. No quarto dia órgãos importantes como o fígado podem ficar comprometidos.

Os grevistas estão amparados por uma equipe médica, por colegas e por membros da APP- Sindicato.

A Secretaria Estadual de Educação não se manifestou sobre a greve. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, não compareceu a quatro reuniões marcadas com os representantes dos professores. Na sexta-feira (20), quem participou de uma reunião com representantes da APP e da Bancada da Educação da Assembleia Legislativa do Paraná foi o secretário da Casa Civil, Guto Silva. O secretário reafirmou a posição do estado em não revogar o Edital.

Na manhã de hoje centenas de pessoas marcharam da Praça 19 de Dezembro no Centro da Capital até o Palácio Iguaçu em apoio aos grevistas e pela revogação do Edital cujas inscrições para a prova se encerram hoje 23/11.

Centenas de manifestantes prestam apoio aos grevistas

Mas porque os professores pedem a revogação?

Segue abaixo texto da Coluna Filosofia Di vina do professor e colunista do Parágrafo 2 Rafael Pires de Mello (que também participou da greve de fome). Neste artigo ele esmiúça os vários problemas do Edital 47 e o contrato milionário 73/2020. Confira:

Professores de todo estado estão mobilizados, uns pedem assembleia para uma greve geral da educação paranaense e dois grupos fazem greve de fome. Em Curitiba, professores e funcionários de escola estão em uma greve de fome que já caminha para o terceiro dia. Em Foz do Iguaçu, também há greve de fome. Quais são as reivindicações daqueles que dedicam a vida a ensinar os filhos dos paranaenses?

  • Equiparação salarial dos agentes educacionais:

Os agentes educacionais ganham abaixo do mínimo regional que é de R$ 1.383,80

O governo ainda mantém uma proposta para terceirização destes profissionais, rebaixando ainda mais os salários e precarizando o funcionamento das escolas.

  • Pagamento das progressões atrasadas:

O governo do Paraná promoveu em 12/11/2020 o pagamento atrasado de promoções de todos os setores do executivo, menos para a educação que sofre atraso desde 2014.

  • Abertura de concurso público.

O governo do Paraná não abre concurso público desde 2013. O déficit de profissionais da educação passa de 30 mil pessoas. Em proposta o governo planeja, sem data prevista um concurso para 500 vagas. O estado do Paraná tem 399 municípios, esse número absurdo de vagas mal contemplaria um educador por município. Está muito longe de contemplar o número razoável de um profissional por disciplina em cada escola.

  • Fechamento de 400 salas de aula em 100 escolas.

Devido a uma consulta, feita às pressas e sem nenhum debate com a comunidade, com a escola ou com os estudantes, o governo emitiu uma série de mentiras sobre as vantagens de escolas militarizadas, fazendo os pais confundirem “escola militarizada” com “colégios militares”. O governo “esqueceu” de mencionar que escola militarizada não funciona à noite e, através deste duro golpe nos mais pobres, fechará, em 2021, 400 turmas do ensino noturno em todo o Paraná.

  • Revogação do Edital 47/2020.

O estado do Paraná conta com um sistema de contratação de professores temporários para cobrir as vagas dos profissionais que se ausentam do trabalho por motivos de doença ou aposentadoria, esse sistema chama-se “PSS”, sigla para Processo Seletivo Simplificado. Esse processo é feito anualmente e leva em conta uma prova de títulos e tempo de experiência dentro de sala de aula, em uma somatória de pontos em que o profissional de educação se classifica e toma posse das aulas conforme sua classificação na lista final.

O que era provisório, porém, virou regra. Devido a não abertura de concursos públicos o governo contrata esses profissionais todos os anos e já são parte significativa do quadro das escolas.

O que há no edital de tão polêmico?

 

O Edital para 2021 tem vários problemas:

Taxa de inscrição e prova:

Neste ano o edital prevê uma prova escrita para os candidatos. Não é verdade que os professores têm receio de fazer prova. Se o governo promove uma prova para contratação simplificada, por que não realiza um concurso de fato?

Outro problema da prova é a taxa de inscrição, de R$ 60,00 reais por disciplina. Os professores temporários muitas vezes cobrem atestados de saúde que podem durar uma ou duas semanas, pagar uma taxa, fazer uma prova e trabalhar por uma ou duas semanas? O contrato precário não prevê nem mesmo direitos básicos como FGTS ou alimentação.

Grupo de risco:

O edital aceita a inscrição das pessoas ditas no grupo de risco do COVID-19, porém as impede a contratação. Pessoas com comorbidades como diabetes, histórico de problemas pulmonares, lactantes, gestantes ou acima de sessenta anos não poderão assumir o cargo. Enfim, excluem-se pessoas que podem se caracterizar como “inaptas”, penalizando milhares de profissionais. O requinte de crueldade deste ponto beira a insanidade.

Número reduzido de vagas.

O Edital 47/2020 prevê contratação de 4 mil pessoas, porém o déficit é de quase 32 mil. A conta não fecha: 28 mil pessoas perderão seus empregos em 2021, em plena crise, em plena pandemia. 28 mil famílias perderão sua renda no Paraná!

 

O contrato 73/2020.

Poucos paranaenses sabem, mas o processo de contratação para o estado era gratuito. O estado não tinha despesas para o PSS. Aos professores sobravam as taxas de cartório e certidões negativas. No novo modelo o estado do Paraná firmou contrato de R$ 3.499.800,00 com a Organização Social CEBRASPE.

O contrato prevê, dentre outras coisas o seguinte:

R$ 32,66 por inscrição. Como a taxa é de R$ 60,00 o Governo lucrará R$ 27,34 por inscrição, lucro este tirado das costas dos mais baixos salários pagos pelo executivo. Se o candidato se inscrever em duas disciplinas o estado pagará ao CEBRASPE R$51,34, porém, cobrará R$ 105,00 explorando R$ 53,66 como lucro pelo desemprego de milhares.

O governo tem expectativas de 90 mil inscritos. Um lucro de aproximadamente 2,5 milhões

Custo da elaboração: Somente para elaboração das questões o contrato prevê o valor de R$ 296.851,04.

O contrato é de 12 meses

O governo já pagou à CEBRASPE, por isso não pode revogar o edital: MENTIRA. O contrato prevê o pagamento de 20% do valor em até 20 dias após a homologação das inscrições, 40% após a aplicação das provas e 40 % após a lista de aprovados. O contrato prevê também uma multa de 10% no valor das inscrições caso não seja executado o certame.

Brecha legal:

O contrato 73/2020 está editado sob a lei estadual 15.608/2007 no artigo 129 nos incisos I a XII, XVII a XX.  A lei, em seu inciso XII estabelece que um contrato poderá ser rescindido se: “as razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato” como no caso de uma pandemia, por exemplo.

São notórias a crueldade e covardia do governo do Paraná, que escolheu fazer dos educadores seu maior inimigo, se o Ratinho Júnior não tem condições de governar um estado plural e rico como esse, que tenha a dignidade de sair, ou assuma, de fato, a postura de um líder que foi eleito e é pago para representar seu povo.

 

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.