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“Quanto mais o velho patriarcado se recusar a morrer, mais gasolina ele porá no movimento das mulheres”

*Foto: Editora Unespi

Isabel Loureiro, doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1992), Professora aposentada do Departamento de Filosofia da UNESP, Ex-presidente (2003-2011) e atual colaboradora da Fundação Rosa Luxemburgo fala ao Parágrafo 2 sobre a força dos movimentos feministas e as pautas das mulheres que tendem a ganhar força em tempos de acirrados debates políticos.

Confira.

Parágrafo 2: A campanha “Ele Não”, movimento espontâneo criado pelas mulheres nas redes sociais, teve no dia 29/09 sua primeira manifestação quando milhares tomaram as ruas de diversas cidades do país. Sabemos que a figura do candidato Jair Bolsonaro foi o estopim para esse movimento. Mas, a seu ver, quais são os outros fatores que fazem, neste momento, as mulheres ocuparem o protagonismo da discussão política/eleitoral no Brasil?

Isabel: De fato, as grandes manifestações do dia 29 de setembro tiveram papel relevante na medida em que mostraram a capacidade de união das mulheres que, a partir das redes sociais, conseguiram catalisar um movimento de oposição ao candidato da extrema-direita. Mas depois os apoiadores dele fizeram também um amplo movimento pelas redes, desconstruindo com mentiras as manifestações, como é seu hábito. Ou seja, em termos de ganhos imediatos para a esquerda, essas manifestações infelizmente não tiveram bons resultados. Os apoiadores do candidato de extrema-direita sabem usar melhor as redes sociais que os apoiadores de Fernando Haddad.

Mas a segunda parte da sua pergunta toca num ponto importante. Há muitas outras mobilizações das mulheres, duradouras, cujo peso é fundamental na política brasileira neste momento. Não é mais possível ignorar as reivindicações a favor do aborto, da igualdade salarial, contra a violência de gênero, etc., que levaram à eleição de bancadas feministas, compostas por mulheres jovens, pelo Brasil afora. É uma vitória pequena dado o tamanho do abismo que temos pela frente, mas é uma vitória.

Parágrafo 2:  Em oposição aos movimentos feministas, o machismo ganhou palanque no discurso de Jair Bolsonaro e eco em milhões de seus seguidores. Podemos afirmar que há a tendência de que o fortalecimento das bandeiras do patriarcado é combustível para que as mulheres continuem ganhando protagonismo nas discussões políticas e sociais no Brasil?

Isabel: A resposta é sim! Quanto mais o velho patriarcado se recusar a morrer, mais gasolina ele porá no movimento das mulheres. No dia 29 ocorreu uma coisa interessante na manifestação em São Paulo: candidatas a vice de vários partidos foram ao ato, desde Katia Abreu a Sonia Guajajara. Isto quer dizer que as reivindicações das mulheres são suprapartidárias e, por isso mesmo, têm tendência a fortalecer-se.

Parágrafo 2: Ao passo que a campanha “Ele Não” ganha corpo e milhões de adeptas, existem também movimentos organizados por mulheres que apoiam incondicionalmente Jair Bolsonaro. Levando em conta o histórico de declarações machistas do candidato, como podemos explicar tantas mulheres declarando apoio a ele?

Isabel: Não podemos usar parâmetros racionais para entender a onda de apoio a Bolsonaro. Assim como o apoio a Trump, trata-se de uma rejeição ao velho sistema político e à linguagem do politicamente correto das elites universitárias. No caso do Brasil, isso se junta com a enorme rejeição ao petismo. O resultado do primeiro turno das eleições mostrando a renovação da metade do congresso nacional é exemplo disso. Por um lado, velhos caciques grudados que nem carrapatos no congresso nacional, como Eunício Oliveira, não foram reeleitos. Por outro, o PSL, legenda de aluguel de Bolsonaro, cresceu de 1 para 52 deputados, eleitos na onda de rejeição conservadora ao que está aí. Os velhos políticos fizeram tudo para favorecer a si mesmos com a minirreforma política e não conseguiram, foram expelidos e substituídos por outra turma, provavelmente muito pior. Não sabemos ainda. Em resumo, um desejo de mudança varreu a política brasileira, infelizmente pela direita.

Acho que o caso das mulheres que apoiam Bolsonaro entra nesse cenário. Ele pode ser entendido de duas maneiras: em parte essas mulheres concordam com as ideias conservadoras dele, por exemplo, contra o aborto; talvez elas tenham sido convencidas a votar nele por parte dos pastores evangélicos que o apoiam. Havia o boato de que se Haddad ganhasse iria fechar as igrejas, etc. E também apoiam por desinformação: elas não sabem que Bolsonaro defende políticas desiguais para homens e mulheres. Mas também acho que agora no segundo turno ele vai atenuar essa linguagem machista para ganhar mais votos das mulheres.

Parágrafo 2: Você acredita que a campanha “Ele Não” pode entrar para a história como um movimento capaz de decidir os rumos da eleição de 2018, ou o movimento se enfraqueceu e o que deve prevalecer é a divisão política no país?

Isabel: Já vimos que não. A campanha “Ele Não” foi desconstruída pela onda bolsonarista, pelo menos até o momento.

Parágrafo 2: Para muitos, o movimento feminista é personificado no episódio conhecido como Bra-Burning (A queima dos sutiãs) de 1968 em Atlantic City. Mas, sabemos que as lutas feministas são muito mais antigas. Rosa Luxemburgo, por exemplo, figura histórica da qual você é tradutora no Brasil, mesmo não sendo feminista no sentido estrito do termo, levantava bandeiras de empoderamento feminino no começo do século XX. Em sua palestra realizada no final de 2017 em Assunção no Paraguai você destacou que Rosa Luxemburgo sempre reaparece em momentos de crise da esquerda. Podemos dizer que o momento que vivemos hoje reflete uma crise de ideais de esquerda no Brasil e suscita um novo reaparecimento dela?

Isabel: É verdade que Rosa Luxemburgo é um ícone da esquerda não-oficial e sempre reapareceu em momentos de crise, sobretudo porque ela aposta na ação espontânea das massas populares como o elemento básico da mudança social. Acho que ela tem razão. Mas não podemos ignorar que não são só massas com ideias progressistas que entram em ação. Agora vemos exatamente o contrário, grandes mobilizações de direita. O que a esquerda deve sobretudo conservar de Rosa Luxemburgo é a ideia do socialismo democrático. Independentemente do que venha a acontecer no Brasil (e confesso que não espero nada de bom) o papel da esquerda é continuar lutando pela preservação das ideias de democracia, igualdade e solidariedade. Essa é nossa bandeira e por ela continuaremos lutando.

 

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.