Coluna Filosofia di Vina
Em várias cidades do país, dentre elas Curitiba e Manaus, uma multidão vêm lotando as ruas em protesto contra o racismo, o fascismo e contra o governo de Bolsonaro, que tem tudo isso e muito mais. Durante alguns atos, queimaram a bandeira brasileira e isso motivou grande comoção de vários setores da sociedade.
Não será discutido aqui o mérito da simbologia histórica da bandeira nacional. A discussão sobre suas cores e dizeres não é clara para muitos patriotas, alguns acreditam que os símbolos lá desenhados são uma versão idílica da natureza do país. Ignoram, portanto, que retratem as cores das famílias que compunham o império e que acabaram ficando de herança para os republicanos de 1889, com o lema amputado do positivismo do francês Auguste Comte.
De qualquer forma, a bandeira tem peso na representação brasileira e se escutam os brados patrióticos de vários lados. Podemos inclusive colocar algumas questões nesse drama: onde estavam os patriotas quando, em demonstração de subserviência, o então candidato Bolsonaro batia continência à bandeira dos E.U.A, aos gritos de “U.S.A”? Onde estavam os patriotas quando Paulo Guedes, em reunião ministerial, disse “tem que vender logo esta P…” referindo-se ao Banco do Brasil? Onde estavam os patriotas quando os manifestantes da Paulista e do centro de Curitiba usavam como manto a bandeira dos E.U.A? Não houve nenhuma manifestação contra Bolsonaro quando este entregou a base de Alcantara ao seu ídolo Trump? São questões intrigantes! Mesmo assim os patriotas desconversam sobre o assunto.
Aos que pensam que a violência está chegando às ruas e não sabem como o “radicalismo” se tornou o prato do dia das massas, também podemos colocar algumas questões: o que acharam quando Rodrigo Amorim (deputado pelo PSL) quebrou a placa em homenagem a vereadora assassinada pela milícia, Marielle Franco? O que falaram eles sobre o discurso de Roberto Alvim, secretário da cultura, quando este reutilizou as frases de Goebbels, ministro de Hitler? Acharam normal a bandeira do Pravyi Sektor fulgurar no caminhão de som e nas costas de um manifestante? Ou não sabiam que tal símbolo é utilizado pelos nazistas na Ucrânia? Não acharam demais a imitação da Ku Kux Klan, feita com tochas, em frente ao STF? Será que em nenhum momento julgaram errado o brinde de leite feito por Allan dos Santos com a frase “entendedores entenderão” em alusão ao nazismo, com brindes, inclusive, feito por Bolsonaro e os ministros. Não se indignaram, por um segundo que seja, sobre o pedido de A.I.-5, feito semanalmente pelos adeptos do fascismo jeca bolsonarista? Perguntas que devemos levantar.
O que significa para os jovens a bandeira do Brasil? A pátria personificada no estado brasileiro chega aos jovens mais pobres através das forças de segurança, não através do acesso à saúde, à educação e à cultura, mas sim através de incursões policiais onde o mandado é um tapa na cara, ou um tiro fatal. Semanalmente, as notícias aparecem: Morto entregando cesta básica, morto trabalhando no telhado, 100 tiros em carro com cinco jovens, 80 tiros em família de músico, menina baleada por fuzil dentro da Kombi. Enfim, o drama diário das periferias que têm de vencer a miséria e não ser morta pelo estado ou pelo crime organizado.
A queima da bandeira alimenta a máquina da guerra de propaganda bolsonarista, e Bolsonaro precisa dessa guerra para manter fiéis os seus súditos, dispostos a tudo por ele. Não há governo, há somente um projeto de destruição de tudo, de políticas publicas, de reservas naturais, de patrimônio público. Essa máquina alimentada promove os oportunistas de sempre, marombeiros de plantão, empresários interessados em manter a retirada de direitos trabalhistas, ufanistas fantasiados e todo o esgoto que conhecemos há tempos. Se, por um lado, aguentar as provocações nazistas é impossível, alimentá-las não é o caminho. A política do ódio de Bolsonaro ganha novo fôlego cada vez que suas falsas polêmicas geram sucesso, o falso patriotismo é uma delas.
O deputado Douglas Garcia do PSL, investigado pela sua relação com o gabinete do ódio e a propagação de notícias falsas, a partir de seu próprio gabinete, criou uma lista sobre supostos membros da frente antifascista, um compilado de fotos de jovens tatuados, retiradas das redes sociais. Outro bolsonarista, investigado por empregar receptador de carro roubado em seu gabinete, acusado pelo próprio PSL pelo crime de quebra de decoro e atormentador de diretoras de escola, Daniel Silveira, cria a PL 3019/2020 que visa criminalizar movimentos contra o fascismo. Isso mesmo! criminalizar a luta contra o fascismo e não “o” fascismo.
O tecido social rasgado em 2016 começa a mostrar os estragos, e a realidade das periferias começa a se tornar a realidade de todos os brasileiros, perseguição e violência. Pobre do país onde o tecido verde da bandeira queimado dói mais que 529 quilômetros de selva amazônica, chora-se o verde simbólico, mas se aplaude a destruição do verde real. Luta-se pelo direito de mentir e se criminaliza o direito de contestar, porém, enquanto o mercado reage bem, nada acontece sob o sol do Brasil. As cores da bandeira devem ser preservadas, mesmo que o resto todo pegue fogo.