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Quando o samba acabou.

 

 

O título é provocativo. Mas é mais do que mera provocação. Tudo nessa vida tem um fim; tudo vai acabar. Mas todo fim é um recomeço. O compasso finda, para recomeçar num ritmo sincopado, se perpetuando (na memória, na avenida, na rádio, na roda de samba).

Enquanto houver som, haverá vida. O silêncio é a morte, a morte é o silenciar dos tambores. E por aqui vamos contar uma história silenciada: a história de uma filosofia popular do samba. Uma história cantada na voz de grandes mestres, intérpretes e compositores, ao longo dos mais de 100 anos de sambas gravados. Percorrendo esses sambas, seus versos e batucadas, vamos ouvir essa história silenciada.

 

Antes de nome de coluna, esse é o nome de um samba de Noel. Quando o samba acabou (Noel Rosa, 1933) descreve o encontro entre dois malandros, que disputam o afeto da mesma mulher; uma disputa de valentia, covardia e violência, narrados a partir de um samba de roda no morro da Mangueira.

E o desfecho da façanha foi um corpo estirado na ribanceira, ao raiar do sol. Quando o samba acabou a morte chegou. Reinou o luto e o silêncio, pois “Lá no morro uma luz somente havia/Era o sol, quando o samba acabou/De noite não houve lua/Ninguém cantou”.

E como todo fim é um novo começo, esse samba há de recomeçar. Se o samba acabou quando o sol nasceu, ele nasce novamente com o amanhecer; e a cada amanhecer ele se renova. Pois se o samba acaba para nascer o dia, o dia morre para reviver o samba ao som da batucada, como cantou Candeia em sua Filosofia do Samba (Candeia, 1971).

Noel também chorou, em Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico, 1934), a chegada do sol. Não porque a noite estava acabando, mas porque com ela vai se embora também a orgia e a vadiagem, a dança e a batucada: vai se embora a vida sentida no ritmo sincopado do samba.

Essa é a alegria de uma vida pulsante, uma vida viva, cantada tão costumeiramente no samba. Ninguém cantou essa alegria tão bem quanto Paulinho da Viola; e justamente em Eu canto samba (Paulinho da Viola, 1989) que Paulinho nos canta os versos com os quais encerro este texto: “Há tempos escuto esse papo furado/Dizendo que o samba acabou/Só se foi quando o dia clareou”.

 

(Para quem quiser acompanhar as músicas indicadas por essa coluna, essa é a lista de reprodução no spotify: https://tinyurl.com/QuandooSambaAcabou. Entre parênteses indico os compositores das músicas, junto com o ano da primeira gravação dela. Quando há evidências de data de composição anterior, indicarei no corpo do texto.)

Foto em destaque é a pintura de Heitor dos Prazeres Samba no Terreiro (Samba no terreiro, 1957 – Heitor dos Prazeres, Óleo sobre tela, c.i.d. 65,00cm x 55,00cm, foto por Pedro Oswaldo Cruz.site: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10428/heitor-dos-prazeres/obras?p=2

About Lucas Lipka Pedron

Lucas Lipka Pedron Professor de Filosofia e Educador Social, doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador do G-FILO, Grupo de pesquisa em Filosofias Outras do NESEF/UFPR e membro do Grupo de Trabalho e de Pesquisa Histórias das Filosofias/IFPR.