Coluna Pão e Pedras: Amenidades e Poesia
“Por nossos mortos, nenhum minuto de silêncio,
mas toda uma vida de luta!”
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
No dia 8 de maio, a cidade de São João do Triunfo, no Paraná, amanheceu mais colorida. Mas não era de alegria. E sim das bandeiras LGBTQIA+ e de diversos movimentos sociais do campo e da cidade que celebravam a vida de Lindolfo Kosmaski, professor e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assassinado no último dia 1 de maio. Uma cruz de madeira de cedro, símbolo da memória dos companheiros que se foram na luta da resistência camponesa, envolta em velas e da presença de aproximadamente 200 pessoas de diversas partes do Estado. Lindolfo aparecia em fotos com sorriso largo e pleno, os olhos cheios de alegria. Vivemos em um país em que lutar por terra e lutar pela diversidade se tornou perigoso, e Lindolfo era militante destas duas causas. Lindolfo, presente, presente, presente…
Liana Sandra Leitão viveu em Itatinga, região metropolitana de Fortaleza, Ceará. A geógrafa de 49 anos era pesquisadora no NATERRA, da Universidade Estadual do Ceará, professora no EFA Jaguaribana, membra do M21 e militante de movimentos de luta pela terra e Reforma Agrária. É retratada como alguém companheira, prestativa, querida por todos ao redor. Suas fotografias expressam uma mulher lutadora e doce, daquelas que sabem endurecer sem jamais perder a ternura. Contudo, foi assassinada em casa e teve seu corpo jogado em um matagal no último dia 11 de maio. Sua casa estava toda revirada. Vivemos em um país em que lutar por terra e lutar por educação se tornou perigoso, e Liana era militante destas duas causas. Liana presente, presente, presente…
Fazer este texto e falar de morte não me foi nada fácil. A violência política no Brasil se agrava dia após dia e qualquer tipo de divergência com os poderes estabelecidos são tratados na base da ameaça e da morte. Somente a verdade oficial recebe o mérito de ser enunciada, mesmo que não possuam qualquer base na realidade concreta. Os que dizem, em alto e bom som “estamos aqui!” tem sido perseguidos em todas as partes do país, de maneiras diversas. Professores, pesquisadores, camponesas, indígenas, LGBTQIA+, negros, socialistas, anarquistas, árabes, médicos, pessoas em situação de rua e tantos outros passam por diversos tipos de ofensas e ameaças. A professora Larissa Mies Bombardi, pesquisadora de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo se vê coagida a sair do país após ser ameaçada e ter a casa invadida. Indígenas Ianomami sofrem de desnutrição crônica no Norte do país. Milhares morrem todos os dias, em especial negros, indígenas, pobres e periféricos, pela condução desastrosa da pandemia por parte de um governo que prioriza aumentar o próprio salário e comer picanha de R$ 1.799,99 o quilo.
A História humana é repleta de momentos como o que vivemos agora e eles, em geral, terminam em guerra civil. O problema é que agora a violência do opressor é tida como legítima, enquanto a violência do oprimido é contida. Vemos um monstro crescendo diante de nós e nos dizem que nada podemos fazer, que nossa defesa nos iguala a nossos opressores. Vivemos um momento de medo. É através do nosso medo que administram a nossa vida, nos fazem trabalhar mais por menos, nos impedem de criticar e exercer as poucas ferramentas democráticas que temos no Estado liberal moderno. Desviando Pedro Munhoz: Quando matam um de nós, ninguém duvida da intenção. Numa arma disparada o Estado é quem enterra, tantas vidas se encerram em nome da covardia. Toda nossa rebeldia quando matam um de nós.
Vejo Lindolfo e Liana vivendo agora toda a utopia que sonharam e lutaram a vida toda para que se realizasse. Caminhando sobre a terra com um olhar de alegria e de paz, pois possuem um lar, comida farta, dignidade, amigos, festa, trabalho, para si e para todos os seus. Que vivam agora em um mundo sem as injustiças do nosso, e onde há uma única classe que comporta todas as nossas diferenças. Quanto a nós, seguimos lutando para que as suas e nossas utopias se realizem em nosso mundo. Não se desiste da luta quando matam um de nós!