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Professores do Paraná foram vítimas de mais de 10 mil episódios de violência nos últimos nove anos

Reportagem e artes: José Pires

Colaboração: Rafael Pires de Mello

No dia 29 de abril completam-se dez anos do chamado “Massacre do Centro Cívico”. Em 2015, mais de 20 mil servidores estaduais se reuniram em frente ao Palácio Iguaçu, no Centro Cívico, em Curitiba. O protesto era contra mudanças no custeio da Paraná Previdência, entidade responsável pela gestão e pagamento das aposentadorias e pensões dos servidores do Paraná. Porém, sob ordens do então governador Beto Richa e do secretário de Segurança Fernando Francischini eles foram recebidos pela Policia Militar com bombas de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. Na ocasião, mais de 200 pessoas se feriram.  A maioria dos manifestantes era composta por professores da rede estadual.

O episódio é um marco da violência contra professores no Brasil. E em alusão à data, o Parágrafo 2 solicitou à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP-PR), via Lei de Acesso à Informação (LAI), dados sobre Boletins de Ocorrência registrados por professores vítimas de violência do Paraná, durante o exercício da função, no período entre maio de 2015 e março de 2025.

A SESP, entretanto, encaminhou apenas dados do período entre janeiro de 2016 e março de 2025. Os números são impressionantes e retratam uma rotina de violência enfrentada diariamente por educadores em salas de aula.

Mais de 10 mil episódios de violência

Os dados encaminhados ao Parágrafo 2 trazem informações sobre mais de 13 mil boletins de ocorrência registrados por professores e diretores do Paraná vítimas de violência em instituições de ensino do estado. Entre eles há informações de ocorrências registradas por professores da rede estadual (incluindo docentes das Universidades Estaduais), professores das redes municipais, professores da rede federal de educação, diretores estaduais e uma categoria denominada “diretores gerais”.

Os crimes se dividem entre aqueles contra a administração pública, crimes contra a dignidade sexual, contravenções penais, crime contra a pessoa, crimes eleitorais, crimes contra a administração da justiça, crimes contra a fé pública, crimes contra a inviolabilidade de segredos, crimes contra a saúde pública e crimes contra o patrimônio.

Com o objetivo de identificar crimes cometidos contra professores no exercício da função, o Parágrafo 2 excluiu, além das duplicidades do documento, os dados das seguintes ocorrências: crimes eleitorais, crimes contra a fé pública, crimes contra a inviolabilidade de segredos, crimes contra a saúde pública e crimes contra o patrimônio.

Depois da filtragem, o que sobraram foram crimes que vitimaram professores e diretores no exercício da função nos últimos nove anos. Foram, conforme os dados encaminhados pela SESP-PR, 7.593 Boletins de Ocorrência nos quais professores da rede estadual aparecem como vítima; 37 em que professores das redes municipais aparecem com vítimas; 12 em que professores federais foram vítimas; 3.130 em que diretores de escola foram vítimas e 57 em que diretores gerias foram vítimas.

No documento obtido pela Parágrafo 2, entretanto, não constam informações sobre os agressores. Assim, não é possível saber quantos crimes foram praticados por estudantes, outros membros da comunidade escolar, familiares dos alunos, pessoas estranhas à escola ou mesmo de agentes do estado.

Confira no gráfico:

Importante destacar que no período de tempo analisado um professor pode ter sido vítima mais de uma vez e ter registrado mais de um boletim de ocorrência. Nos dados relativos aos diretores, cabe frisar que eles são responsáveis por registrar boletim de ocorrência sobre crimes cometidos contra as escolas, como furtos e vandalismo.

A natureza dos crimes

Os dados encaminhados ao Parágrafo 2 explicitam aos crimes por “natureza”. No documento, se destacam crimes como desacato; ameaça; perturbação do trabalho; injúria; lesão corporal; difamação; calúnia; entre outros.

Confira o gráfico com os 10 crimes mais registrados nesta série histórica:

Além dos crimes que mais vitimaram professores e diretores do Paraná, há também outros que chamam a atenção como perseguição; discriminação e preconceito; explosão; atos obscenos; posse de materiais relacionados ao Nazismo, entre outros.

Confira no gráfico:

Quantidade de crimes por ano

Há um crescimento no número de ocorrências registradas entre 2016 e 2019, uma baixa entre 2020 e 2021 (anos da Pandemia) e novo crescimento entre 2022 e 2024. O crescimento percentual desta série história (2016/2024) é de 134%.

Confira no gráfico:

Confira o gráfico de crescimento:

Cidades com mais ocorrências

Os dados obtidos pelo Parágrafo 2 são de boletins de ocorrência registrado em escolas de todos os municípios do Paraná. Entre as cidades com maior quantidade de ocorrências se destacam Curitiba, Londrina, Ponta Grossa, Paranavaí, Maringá, Apucarana, entre outras.

Confira no Gráfico:

Perfil das vítimas

Os dados trazem algumas informações sobre o perfil das vítimas. Entre elas se destacam o gênero – a maioria das vítimas é do sexo feminino – e a idade, a maior parte das vítimas está na faixa etária entre 47 e 51 anos.

Confira os gráficos:

Saldo de 2015

O Massacre do Centro Cívico, que aconteceu em 29 de abril de 2015, é um marco na violência contra professores no Brasil. O estado do Paraná foi também destaque na violência contra educadores em 1988, quando o então governador Álvaro Dias ordenou uma investida da Cavalaria da Policia Militar contra milhares de professores que se manifestavam por melhorias na educação.

Mas o que explica tamanha violência?

Em entrevista ao Parágrafo 2, a presidente da APP-SINDICATO, a professora Walkiria Olegário Mazeto pondera que é importante destacar que a escola não é violenta, no sentido de que a escola não produz essa violência. “A escola por si não é violenta. A escola reproduz a sociedade. Esses números são reflexo da violência desta sociedade e deste período histórico. Então é preciso cuidado, pois a depender de como eu leio esses números, eu coloco sobre o estudante e sobre a família dele a causa da violência, o que anima propostas equivocadas como militarização das escolas. Então, qualquer medida que incida apenas sobre a escola não vai mudar o quadro”, ressalta.

A professora lembra que a escola é o segundo espaço de construção de relações sociais da criança e do adolescente. O primeiro é a família. E ela (a criança) vai para a escola num processo que vai ser de choque, digamos, porque a escola é o contraponto aos princípios e valores que estão construídos socialmente nesse momento histórico, de exacerbação do individualismo. Walkiria explica que a escola é o contraponto disso, é o espaço coletivo, é o espaço da regra, o espaço disciplinador. Se o estudante não está habituado com isso, a primeira coisa que ele vai fazer é confrontar a autoridade de quem impõe as regras.

A presidente da APP destaca que hoje existem uma série de instrumentos já institucionalizados pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) no combate à violência no ambiente escolar. Porém, eles estão mais voltados à proteção do estudante. “Na relação entre eles (estudantes) e os trabalhadores da educação, a gente sempre parte do princípio de que o lado mais frágil é o estudante. A Seed tem diversos canais pelos quais o estudante pode fazer denúncias, que são as Ouvidorias, com QRCodes nas escolas que facilitam as denúncias para a Secretaria, em caso de o estudante sofrer alguma violência ou assédio dentro da escola”.  

Segunda ela, não estão organizados no mesmo patamar os instrumentos para relatar os casos em que o trabalhador da educação sofre a violência. Quando um trabalhador sofre uma agressão por um estudante, seja desrespeito ou desacato, a primeira medida é ele reportar isso à equipe diretiva da escola, que vai buscar o diálogo com o estudante, com a família, e se o caso não é resolvido na escola, eles podem acionar as regionais da Seed.

Sobre o fato de a maioria das vítimas ser do sexo feminino, a professora Walkiria aponta que nesse ponto há dois elementos a considerar. “Primeiro que somos uma categoria majoritariamente feminina. E, claro, há também o machismo, não há como não colocar isso. Mesmo a gente sendo maioria, há uma cultura na sociedade de que a gente não tem a legitimidade da autoridade. Se a direção da escola é ocupada por uma mulher, ela vai ser mais afrontada do que se fosse um homem na mesma posição. O mesmo vale para a equipe pedagógica e para professoras em sala de aula. Há uma legitimação dessa violência, de cercear a fala, de afrontar e não reconhecer a autoridade dela no espaço que ela ocupa escola”, frisa. 

A presidente da APP-SINDICATO alerta também que os dados trazidos pelos boletins de ocorrência certamente estão subnotificados. “Temos muito mais situações como essas nas escolas que não resultam em boletins de ocorrência, pois o trabalhador em educação só vai buscar outro meio quando se esgotam todas as possibilidades pedagógicas dentro da escola. O primeiro trato com qualquer situação dessas é sempre pedagógico, por que esse é o objetivo da escola. É o processo educativo. Se eu pegar uma rede como a rede pública estadual do Paraná, com 2,2 mil escolas, mais de um milhão de estudantes nas escolas 200 dias por ano, por óbvio temos mais relações conflituosas ocorrendo nas escolas do que as notificadas formalmente às forças de segurança. Isso não é necessariamente ruim, pois mostra que a escola tem meios de lidar com isso antes de chegar na polícia”.

Como superar esse problema?

A professora Walkíria ressalta que o problema não está na relação com os estudantes. Muito pelo contrário. “Se você entrevistar professores, eles vão dizer que a melhor parte da escola ainda é a relação com os estudantes. O problema é como o Estado está organizando a escola hoje. A maior violência para nós é institucional, que se materializa diariamente no assédio, na cobrança exagerada, no cerceamento da prática pedagógica. Isso tem adoecido muito mais nosso povo do que a relação com os estudantes. E isso leva ao adoecimento porque é repetitivo, leva a um desgaste físico, emocional e profissional, porque a gente precisa lidar com isso todo dia. Mas não dá para generalizar que nossa rede tem problemas disciplinares graves, que é uma rede violenta contra os trabalhadores. No geral, não é essa a marca da nossa rede”, conclui.

O que diz a Secretaria Estadual de Educação

Questionada sobre os dados levantados pelo Parágrafo 2, a SEED respondeu por meio de nota enviada por meio de sua assessoria de imprensa. Confira:

“A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR) considera inaceitável qualquer atitude violenta contra os professores, que atuam diariamente no cumprimento de seu papel pedagógico. A legislação protege os trabalhadores e precisa ser cumprida. Diante desses acontecimentos, a Pasta revisa continuamente os seus protocolos, visando garantir apoio aos profissionais e criar medidas que evitem esses episódios. 

No Paraná, investimentos em infraestrutura, na formação pedagógica e na segurança das escolas são cada vez mais robustos para garantir espaço adequado de estudo e de trabalho para todos os que frequentam as instituições de ensino. O estado é o que mais investiu em educação no ano de 2024, totalizando R$ 17,5 bilhões aplicados, o equivalente a 32,28% da receita proveniente de impostos, percentual superior ao mínimo constitucional exigido. 

Como parte dos esforços para garantir o bem-estar dos professores e demais profissionais da rede estadual de ensino, a SEED-PR adota, também, medidas efetivas e contínuas de acolhimento e proteção. A secretaria disponibiliza um canal direto de ouvidoria eficaz e permanentemente ativo, acessível a toda a rede, que permite o registro de denúncias de forma segura e, se desejado, anônima.

Além disso, profissionais vítimas de violência contam com suporte psicológico gratuito por meio do programa Bem Cuidar, bem como com orientação jurídica especializada. O Estado do Paraná também conta com o suporte do Batalhão de Polícia Escolar Comunitário (BPEC), da Polícia Militar, que realiza patrulhamento preventivo, promove ações educativas, media a solução de conflitos e presta atendimento em situações emergenciais”.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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