Por Mário Luiz Costa Jr.
Parte 1
A Pandemia e a mudança de paradigma
Vivemos o mundo de provações e expiações que a prática da religião, da religiosidade, da crença, indiferente de qual seja, nos ajuda a continuar. A população encontra-se assolada pela enxurrada de informações nos noticiários e pelas vias não oficiais – redes sociais, grupos familiares, amigos etc.-, tentativas e erros no combate ao Coronavírus, morte e cura se entrelaçam com a crescente onda de incertezas. Medo, vulnerabilidade, morosidade política em liberar benefícios e conter a propagação do vírus, histórias são interrompidas, caixões amontoados, pela misericórdia do Senhor: Vidas Humanas Importam.
Em tempos de pandemia não há vacinas ou medidas eficazes para conter o avanço da Covid-19 e a melhor prática contra o vírus, até então, é o isolamento social, uso de máscaras e a higiene pessoal. Não existem soluções fáceis. O cenário requer cuidados. No entanto, a pandemia irá passar – não sabemos o quanto durará – mas irá passar. É fato que a humanidade tem a capacidade resiliente de transpor dificuldades basta termos fé, proteger os vulneráveis, as comunidades ao nosso redor e juntos sairemos mais fortes do outro lado. Neste momento as religiões convergem num ato ecumênico de cura e entendimento, a natureza pede atenção, a criação necessita respirar, a humanidade precisa recolher-se ao criador, a vida passa por transformações.
Entretanto, como será esse período? Construído na prática coletiva da solidariedade, respeito ao próximo, acolhimento e do amor? Ou o retorno a sociedade áspera e austera para novamente impor a violência diária, que nos aguarda enquanto estamos em quarentena? Na ausência de respostas frente ao dia de amanhã a religião pode nos ajudar a compreender e vislumbrar o futuro como arma de enfretamento e cura.
Segundo Cláudio Henrique de Castro, Doutor em Direito pela UFSC, estudioso do direito canônico, praticante do espiritismo e das religiões de matrizes africanas, na visão espírita dos médiuns Divaldo Franco e Chico Xavier está contextualiza a mudança para a etapa de regeneração e fraternidade. “No dia 15 de setembro de 2019 tocaram os clarins do mundo espiritual avisando que viria uma alteração muito forte no planeta, e, essa alteração, traria uma desencarnação coletiva em todo o mundo, parecida como a segunda guerra mundial”.
Conforme destaca Cláudio, os locais que recebem mensagens alertavam para um período de provação. “Chico Xavier, no Programa Pinga Fogo, de 27/07/1971, disse que passaríamos por um período de 50 anos e, este período de tréguas, acabou em julho de 2019. Teoricamente viria uma nova etapa, se a humanidade não entrasse numa terceira guerra, entraríamos num período de regeneração” diz.
A princípio a pandemia nos convoca a escutar a voz serena da solidariedade, nos comunicarmos com o outro, solidarizarmos com o sofrimento e a própria natureza. Para a irmã Zulmira Alves de Araújo, Igreja Católica, das Irmãs Franciscanas de São José, é o momento de procurar a conexão maior com o nosso Deus, compreender a mensagem de fé e ser resiliente. “É uma coisa grave, assusta, afeta a vida de todos e ao mesmo tempo nos conecta a divindade que nos dá força e fé. Sabemos que é um grande desafio e a fé é aquilo que nos alimenta diante da dimensão do que não conseguimos parar e a esperança de passar por elas ajuda passar por momentos de dor e suportar”, declara.
Em consonância, o pastor Mike Vieira da Congrega Church, Jornalista e Ativista Social, acredita que “ é um grito da terra e, talvez, se continuarmos a não valorizar as autoridades, a ciência, vivendo no limite das desigualdades sociais, para que alguns países possam ser ricos na exploração humana e promovendo o aquecimento global, fazendo com o que o mundo fique fora do parâmetro, acredito que venhamos a ter outras situações para perceber a necessidade de mudança”, diz.
Para Cláudio Henrique de Castro, o mundo de regeneração não condiz com o modo permanente de conflitos em que as pessoas estão numa selva de sobrevivência. A exemplo do Brasil, sendo a 7° maior economia mundial, não podemos viver com 12,9 milhões desempregados e 40 milhões de miseráveis e aumento vertiginoso de pessoas passando fome com capacidade para alimentar 7 vezes a população do país.
A pandemia, conforme descreve Cláudio, numa linguagem apocalíptica trata-se do “primeiro ceifador”, um aviso para pouparmos sofrimento. “Os líderes espirituais estão dizendo que este é o primeiro ceifador numa linguagem apocalíptica e, se este primeiro não funcionar, virão outros. No entanto, se nós aproveitarmos esta mudança iremos poupar sofrimento. Porém, se isto não acontecer virão outras ondas, pandemias, guerras mundiais, Deus nos livre disso! Virão outras provações muitos fortes, talvez, cataclismas climáticos, doenças ou guerras. Mas, à princípio a pandemia irá resultar num mundo melhor, há uma perspectiva que estejamos melhor em 2050, talvez, demore 20 ou 30 anos, para que assimilemos essas lições”, pondera.
A irmã Zulmira Alves de Araújo diz que essa enfermidade também está diretamente ligada a forma como nos relacionamos, “no dito popular Deus perdoa, mas a natureza não perdoa, tudo o que fazemos vem em dobro. A questão do ser humano em busca do poder está insuportável, nossos recursos são limitados, se não mudarmos a forma de extrair e de cultivar a terra não terá mais como nos suportar, seremos expulsos. Por isto é muito importante respeitar a ciência e os limites, pois ela – a natureza – não aguenta”, reforça.
De acordo com crença do Candomblé, os orixás, divindades africanas e deuses mais antigos da Terra que tem como base, fundamento e essência, a natureza, é um pedido para que as pessoas se distanciem e olhem para si num ato de reflexão. Caio Guimarães, Músico, Babalorixá e sacerdote do terreiro Ilê Axé Iansã Egunitá, sente estranhamento nas energias do terreiro “é engraçado falar isto (confuso), não sei se é está a palavra adormecidas? Mas as energias não estão respondendo, os orixás não querem rituais que envolvam pessoas, é um momento de respeito”, reflete.
Segundo Caio, o tempo é uma força de transformação dentro de um processo que requer paciência, pois não saltaremos de um caminho para outro, simplesmente. Isto acontecerá de forma gradativa numa mudança de bases. “O tempo também é um Orixá e deve ser respeitado, pois é ele que está no comando agora”, cita. O Babalorixá nos diz que devemos olhar para os vulneráveis e que necessitamos de introspecção, ressignificar valores, olhar para a casa e para o outro, pois o projeto traçado da vida humana está errado e o distanciamento das entidades é porque, provavelmente, estão trabalhando por nós.
O Pastor Mike Vieira diz que este projeto de sociedade egoísta, menos humanitária é o principal responsável por suas ações. “Dentro das religiões as pessoas esperam uma resposta apocalíptica, vejo isto como reação da humanidade, as doenças sempre aconteceram, a natureza esta gritando e nós como igreja temos que ter a consciência da questão da saúde e a ambiental, o distanciamento social imposto pela pandemia tem a ver com amor. Quando as pessoas souberam da doença correram aos mercados para estocar alimentos e isto prova o projeto egoísta da humanidade, é o tempo de se preocupar, perceber a necessidade do próximo, se há 20 pães pode compartilhar a metade com o vizinho, precisamos evoluir e necessitamos do retorno ao criador humanitário e não o egoísta”, ressalta.
Em concordância, para o budismo a pandemia está relacionada ao Karma, ações passadas que retornam para resolução. Pois, a religião tem enfoque na interrelação entre o ser e o meio que habita e, todo ser abarca o universo e as ações humanas impactam no ambiente e na sociedade. Mas, diferente das outras doutrinas prega a ação a passividade através da prática coletiva do Darma numa vibração positiva de combate, pois possuímos a mesma força de criação do universo. Conforme correlaciona com outros pontos de vista acrescenta que estamos também numa época de esperança e humanismo.
Para Andrey Luna Giron, praticante do Budismo Nicheren Daishonin da BSGI-Brasil Soka Gakkai Internacional, responsável pela região metropolitana norte de Curitiba, “essa é uma época caracterizada por conflitos, guerras, desrespeito a vida, questões ambientais, epidemias, vem justamente porque o ser humano perdeu a espiritualidade e o respeito pela dignidade humana, mas também a chave da mudança está dentro de cada um, de florescer a nova era de humanismo, esperança e, esta, obra capacita cada ser humano a manifestar seu pleno potencial […] uma época de conflitos, mas também de semear a esperança”, enfatiza.
A mudança de paradigma imposta pela Covid-19 nós convida a um período de reflexão e entendimento. Nos convoca a ação de reconstrução do mundo fundamentado nos ensinamentos do criador e respeito incondicional a criação, expressar resiliente a nossa capacidade de superar obstáculos. A princípio a distância de vínculos afetivos, incertezas futuras, vulnerabilidade e fragilidade, no sentido de desorientação são apenas indícios desta alteração mais do que urgente na concepção de sociedade. Tempo de florescer e manifestar o pleno potencial humano, período de conflitos, enfermidades, mas de semear na prática coletiva da solidariedade, acolhimento e do amor.
Fontes:
- Cláudio Henrique de Castro, Doutor em Direito e estudioso das religiões e do direito canônico, espírita. Frequenta a Umbanda e o Kardecismo.
- Caio Guimarães, Músico, Babalorixá e sacerdote do terreiro Ilê Axé Iansã Egunitá.
- Mike Vieira, Pastor da Igreja Congrega Church, Ativista Social, há 10 anos.
- Irmã Zulmira Alves de Araújo, Igreja Católica, Irmãs Franciscanas de São José.
- Andrey Luna Giron, praticante do Budismo Nicheren Daishonin da BSGI-Brasil Soka Gakkai Internacional.