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Prestes a completar oito anos, Lei do Aluguel Social nunca foi regulamentada em Curitiba

Reportagem de José Pires

Fotos de Emerson Nogueira

Há quase oito anos a Câmara Municipal de Curitiba aprovou, por unanimidade, a Lei 14700. Corria o mês de julho de 2015 quando o então prefeito, Gustavo Fruet (PDT), sancionou o projeto. Tratava-se da legislação que autoriza a implementação do Programa Aluguel Social (PAS) na capital paranaense. Na teoria, a lei serviria para socorrer famílias em vulnerabilidade social com o pagamento de aluguel por um período de dois anos.

Conforme a redação da Lei, o programa “seria destinado à concessão de benefício financeiro mensal para pagamento de aluguel de imóveis de terceiros, em favor de famílias na situação habitacional de emergência e de baixa renda, as quais residissem há mais de 1 (um) ano em Curitiba, e não possuíssem imóvel próprio, no Município, ou fora dele”.

A lei é de autoria de Jorge Bernardi, então vereador pelo Partido Verde e que atendeu à reivindicação do Movimento Popular por Moradia (MPM) que havia iniciado uma luta em prol do aluguel social um ano antes. O ex-vereador destaca que a lei foi pensada em conjunto. “Ouvimos muitas pessoas e movimentos sociais, adaptados o projeto, colocamos parecer de diversas pessoas para depois submete-la à votação”, conta.

Paulo Bearzoti Filho, da coordenação do MPM, participou das discussões e viu o projeto ser aprovado depois de meses. “Esse projeto teve caráter apenas autorizativo e por isso ele foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal, mas demorou muito pra ser votado”, lembra.

Porém, quase oito anos depois, a Lei que autoriza o pagamento de Aluguel Social nunca foi regulamentada. A promessa, como lembra Bernardi, era que a regulamentação viria ainda na gestão Fruet. Mas, nem Fruet, nem Rafael Greca (PSD) que está na metade de seu segundo mandato, regulamentaram a lei e por isso o benefício nunca foi concedido.

Para Paulo Berzoatti, a falta de regulamentação está ligada à questão dos recursos para custear o benefício e, principalmente, à falta de interesse da administração municipal. “Na regulamentação da lei já se incluiria a fonte de recursos, porque é ela, essa fonte de custeio, que é o pilar da lei. Certamente, se a prefeitura de Curitiba tiver interesse, ela consegue destinar os recursos necessários para dar vida a esse benefício”, diz.

E dinheiro não falta em Curitiba. A capital do Paraná é a quarta cidade em receita no país, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Loa), que foi aprovado pela Câmara Municipal, destaca que o orçamento da cidade para 2023 é de R$ 10, 2 bilhões líquidos.

Famílias em risco

Olenka Lins e Silva Martins, 1ª subdefensora pública-geral do Paraná, destaca que em Curitiba as únicas hipóteses onde benefícios como o aluguel social são concedidos são aquelas relativas a calamidades, como o incêndio que aconteceu na Vila 29 de Março no ano de 2018. A tragédia vitimou as 1300 famílias moradoras das Vilas Nova Primavera, 29 de Março, Tiradentes e Dona Cida. O incêndio, como destacam os moradores, foi criminoso e promovido pela Polícia Militar do Paraná. “Nestes casos específicos, a própria Cohab por normativa interna concede o Aluguel Social. Isso quando existe verba”, explica Olenka.

Segundo levantamento da campanha Despejo Zero, mais de 1 milhão de famílias podem perder suas casas em todo o Brasil nos próximos meses. Foto: Emerson Nogueira

O aluguel social é um benefício muito usado para socorrer vítimas de catástrofes naturais, como as famílias de Petrópolis, no Rio de Janeiro, que foram atingidas por deslizamentos no início de 2022. Lá, a prefeitura concedeu o benefício a mais de 4 mil famílias que perderam suas casas.

Mas, Curitiba não registra catástrofes como as que atingem a região serrana do Rio. Aqui, a tragédia é velada e costuma vir pelas mãos do poder público e da justiça.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu os despejos em todo o país por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828.  Ela suspendeu, inicialmente por seis meses em junho de 2021, ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da pandemia. O STF considerou que despejos em meio à crise da Covid-19 poderiam prejudicar famílias vulneráveis. No fim de 2021, a proibição foi prorrogada até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira decisão, o prazo se estendeu até 31 de junho e, por fim, até 31 de outubro de 2022. Em novembro os efeitos da ADFP chegaram ao fim e os processos de reintegração de posse foram retomados em todos os estados.

Hoje, o Brasil tem 417 casos urgentes de despejo e remoções forçadas, que envolvem ao menos 308.200 pessoas. O levantamento é da Campanha Despejo Zero, uma articulação nacional que reúne 175 organizações e movimentos sociais.

O estado com mais casos é o Paraná: são 88 eventos. Na sequência, aparecem Rondônia (61), São Paulo (41) e Pernambuco (27). Na outra ponta, quatro estados registram dois casos em cada: Acre, Amapá, Piauí e Sergipe.

Em todo o país mais de 1 milhão de pessoas estão ameaçadas de despejo ou remoção forçada. Dentre elas, mais 308.200 estão sob ameaça mais urgente, representando os 400 casos que necessitam passar pelas Comissões de Mediações de Conflitos, nos Tribunais de Justiça do Estado.

No final de 2022 a Despejo Zero mapeou 18 áreas de conflito por moradia em Curitiba e 1.922 famílias com ameaça de despejo.

Olenka alerta que o fim dos efeitos da ADFP 828 pode representar a retomada de diversos eventos de reintegração de posse e o poder público precisa se preparar para isso. “Diante dessa informação é dever do poder público se programar para atender essas famílias que podem perder suas moradias, seja por meio do Aluguel Social, da Locação Social, seja por meio de Regularização Fundiária. O que precisa é tratar o tema com a seriedade que ele pede”.

Os Figueredo

Erixón Guilherme Figueredo Rodrigues nasceu no dia 12/01/2023. A mãe não o esperava tão cedo, contava pelo menos mais alguns dias até que ele viesse ao mundo. Mas o menino se apressou. As dores do parto começaram às 5h do 10/01/2023 quando os pais de Erixón, os venezuelanos Tito Alixón Figueredo Farias e Erika Carolina Rodrigues Ramos foram acordados por batidas abruptas da Policia Militar do Paraná na porta da pequena casa no bairro Campo do Santana, no sul de Curitiba.

A família vivia Ocupação Povo Sem Medo, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em junho de 2021. Eles ganharam um pedaço de terra no terreno de 1,8 hectares às margens da Estrada Delegado Bruno de Almeida. A área, pertence à Construtora Piemonte e, ao lado dos Figueredo, viviam no local mais de 200 famílias. Todas foram despejadas em 10 de janeiro.

Além de Erixón, Tito e Erika têm mais duas filhas, Erialix de 14 anos e Eriannix de seis. Há quase um ano e meio no Brasil eles vieram de Bolívar, maior estado venezuelano e que faz fronteira com Roraima, no Norte brasileiro. Depois de despejada, a família precisou se abrigar na casa de um primo de Tito no bairro Fazendinha. Lá, eles passaram algumas semanas confinados em um cubículo de 4mx4m. O pequeno Erixón passou seus primeiros dias de vida dividindo a cama com a mãe e a irmã Eriannix, enquanto o pai e a irmã mais velha se espremiam em um sofá.

A família de imigrantes engrossa as estatísticas da falta de moradia em Curitiba. São mais 77 mil famílias estão em busca de um lugar para viver. Eles se juntam a 20% das famílias da capital que não têm condições dignas de moradia e se amontoam em favelas, loteamentos clandestinos ou em ocupações irregulares. Os dados são do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social.  “A gente tinha expectativa de ficar lá na Ocupação Povo Sem Medo. Tínhamos esperança. Já tínhamos melhorado nossa casa, estávamos com um pouco mais de espaço, mais conforto. Já estávamos acostumados, nos sentindo realmente em casa”, diz Tito, entre uma pausa e outra enquanto tenta esconder o choro.

Hoje, eles conseguiram uma casa um pouco mais confortável. Sala, cozinha, banheiro e quarto foram cedidos por um amigo. Mas precisarão pagar aluguel, R$ 750 por mês, salário médio de Tito nos últimos meses fazendo bico pra uma metalúrgica. “Quando consigo trabalhar todos os dias eu ganho em média R$ 1.500 por mês. Mas desde que fomos despejados o serviço enfraqueceu e às vezes trabalho só metade do mês”, diz.

A situação da família de Tito é a mesma de muitas outras que foram despejadas no Campo de Santana. O MTST tem monitorado e ajudado como pode, mas classificava a situação como preocupante. “As famílias estão, em sua maioria, temporariamente alojadas na casa de amigos, parentes ou vizinhos. Tem família vivendo em garagem, família que fez vaquinha pra pagar um mês de aluguel. Todas estão sem nenhum suporte real por parte do Poder Público”, diz Mariana Kauchakje, que é da liderança do movimento em Curitiba.

Os Figueredo e outras famílias que viviam na Povo Sem Medo teriam direito ao aluguel social, se ele de fato existisse. A Defensoria Pública do Paraná informa que não havia a proposta de oferecer aluguel social como condicionante no processo de reintegração de posse da ocupação no Campo de Santana. Conforme a Defensoria, é praxe nos atendimentos pedir análise da hipossuficiência da comunidade pelos órgãos de assistência social do município. No caso das famílias do Povo Sem Medo, o Ministério Público do Paraná solicitou ao núcleo técnico deles para fazer essa análise.

O Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb) da Defensoria não pediu especificamente que o pagamento do aluguel social fosse aplicado porque entendeu que era necessário a realocação daquelas famílias. Mas as famílias não foram realocadas e hoje se desdobram para pagar aluguel, vivem de favor na casa de parentes e correm risco real de parar nas ruas da capital.

Oito anos depois, a lei municipal que poderia garantir a segurança de milhares de Curitibanos, ainda não foi regulamentada.

O Parágrafo 2 entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Cohab pedindo uma nota sobre a não regulamentação da Lei do Aluguel Social. Mas não recebeu resposta.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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