#Eleições2022
Entrevista de Cora Carvalho
Fotos: Rafael Ayres
Sofia Manzano é economista e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Na juventude, militou no movimento estudantil e foi presidente da União da Juventude Comunista (UJC). Hoje faz parte do comitê central do Partido Comunista Brasileiro e é atuante no movimento sindical de docentes.
Manzano foi oficializada candidata à presidência pelo PCB no dia 30/07 e tem como vice o jornalista Antônio Alves, do mesmo partido.
Seu programa de governo é divido em duas partes: o programa emergencial, que reúne propostas de caráter imediato para revogar reformas e criar programas sociais, e o programa da revolução brasileira, de caráter duradouro, que objetiva a reorganização da economia e das instituições políticas.
Entre as propostas estão; a reestatização da Petrobrás, a criação da jornada de 30 horas de trabalho sem redução salarial, a convocação de uma assembleia constituinte composta por setores populares, e a revogação das reformas trabalhistas, como a da Previdência e do teto de gastos.
Manzano foi entrevistada por Cora Carvalho em São Paulo e destaca pontos importantes de seu plano de governo, além de fazer uma análise destas eleições.
Confira abaixo a entrevista exclusiva de Sofia Manzano ao parágrafo2:
Parágrafo 2: Hoje, para grande parte da população, falar de comunismo é defender uma proposta autoritária de governo. Os comunistas defendem a democracia?
Sofia Manzano: Sim. Os comunistas não só defendem a democracia, como na verdade, a construção do socialismo e do comunismo é a construção de uma sociedade na qual a democracia saia dos estreitos limites impostos pela sociedade de classes.
Hoje, a democracia na sociedade capitalista significa apenas o direito de ir às urnas votar. Mas não significa ter o direito, por exemplo, de debater e decidir os rumos de uma comunidade, de uma cidade e de um país.
Então, os comunistas e as comunistas defendem que essa democracia seja ampliada na decisão dos processos que afetam a sociedade, e não apenas na escolha de representantes, como acontece na democracia representativa. A democracia que nós temos hoje coloca o cidadão e a cidadã no estreito espaço de se manifestar eleitoralmente, sem se manifestar nos processos decisórios.
Parágrafo 2 – Na sua concepção, como o trabalhador poderia ter mais voz na política brasileira?
Sofia Manzano: Construindo o poder popular. Quer dizer, o trabalhador precisa participar da política fora dos espaços institucionais e eleitorais. Ele precisa estar organizado, discutindo e decidindo sobre aquilo que afeta sua vida o tempo todo.
Essa é uma das principais lutas que nós temos feito, inclusive nesse momento eleitoral. Queremos reorganizar a classe trabalhadora em seus instrumentos autônomos, independentes dos governos e da institucionalidade. Dessa forma, qualquer medida que venha a ser tomada nos âmbitos institucionais, vai ter de considerar a força da classe trabalhadora organizada, exigindo que suas demandas sejam implementadas.
Essas leis, ou as reformas, que são aprovadas, muitas vezes passam apenas pela negociação do balcão de negócios do Congresso Nacional e das forças políticas burguesas. Essas sim, estão organizadas e mobilizadas para implementar o seu projeto, enquanto a classe trabalhadora está desorganizada. Então, o trabalhador e a trabalhadora, tem que se organizar no que chamamos de construção do poder popular, para que esse poder seja efetivo e levado em conta nas decisões de representantes.
Parágrafo 2 – A participação dos comunistas nas eleições é um processo que historicamente tem gerado diversas reflexões. De que forma o PCB pretende pautar a superação do capitalismo dentro do espaço eleitoral?
Sofia Manzano: O processo eleitoral faz parte do processo político. A superação do capitalismo, a revolução, é um ato político. Nós acreditamos que todos os espaços políticos devem ser ocupados. Quando a gente disputa um Diretório Central dos Estudantes (DCE), um centro acadêmico, um sindicato, estes também são espaços institucionais que ocupamos. O momento eleitoral é importante para a luta política, principalmente para a agitação e propaganda que a gente tem feito. Mas é importante, inclusive, eleger parlamentares, representantes comunistas, porque estes fazem a diferença na reorganização da classe trabalhadora.
O processo revolucionário depende da organização da classe para a construção do poder popular e de uma situação de duplo poder. Se a gente abre mão de participar desse espaço político, que é tão importante, a dificuldade de organizar a classe é ainda maior.
Então, não há nenhuma contradição em ser revolucionário e participar do processo eleitoral. Muito pelo contrário, os revolucionários sérios, que não sejam apenas diletantes, devem participar e ocupar todos os espaços políticos, trazendo a classe trabalhadora para o centro da luta de classes.
Parágrafo 2- O PCB é o partido mais antigo do Brasil. Durante seus 100 anos de existência, quais foram os acúmulos partidários sobre a participação dos comunistas nas eleições brasileiras?
Sofia Manzano: Bom, nesses cem anos, para mais da metade desse tempo, o PCB esteve na ilegalidade ou na clandestinidade. Isso impediu muitas vezes a participação do partido nos processos eleitorais. No entanto, nos períodos em que lhe foi permitido participar do processo eleitoral, teve grande elegibilidade. Como por exemplo, logo após a ditadura de Vargas, em que o PCB elegeu uma grande bancada de deputados federais. Mas não só, elegeu também uma quantidade enorme de deputados estaduais e de vereadoras e vereadores. Inclusive, muito desses representantes, eram mulheres.
Logo em seguida, esses parlamentares foram cassados, porque mais uma vez a ditadura burguesa na institucionalidade não permitiu que o PCB tivesse espaço na democracia burguesa. Justamente, porque nos dois anos em que esses parlamentares agiram, suas propostas aprovadas fizeram enorme diferença. Então, todas as vezes que a gente consegue ocupar um espaço parlamentar significativo ou um espaço da institucionalidade burguesa, vem a força da autocracia burguesa no Brasil cassar estes mandatos.
Mas foram experiências bastante importantes. Claro que tivemos um momento, nos anos 80 – um momento do qual já realizamos uma autocrítica -, em que tivemos uma participação parlamentar ruim, em diversos aspectos. Contudo, nos últimos trinta anos, a reconstrução do PCB devolve as características revolucionárias do partidão, inclusive nos processos em que ocupamos espaços institucionais.
Parágrafo 2 – A descriminalização das drogas e a legalização do aborto são pautas frequentemente ligadas a partidos progressistas. Contudo, a sua candidatura é uma das únicas que defende abertamente essas demandas. Na sua visão, por que isso ocorre?
Sofia Manzano: Porque muitas vezes essas candidaturas progressistas não fazem na prática o que é necessário hoje para reorganizar a classe trabalhadora. Quem não defende abertamente a descriminalização das drogas, a legalização do aborto, o enfrentamento dos retrocessos que vem sendo impostos para nós, e não enfrenta o agronegócio, não enfrenta o mercado financeiro, não está contribuindo para a politização do debate.
Está simplesmente agindo para ganhar a eleição. E pior ainda, porque vai ganhar a eleição sem apresentar o projeto que tem para governar o país. E aí vai depender mais uma vez do balcão de negócios do Congresso Nacional, das forças políticas de direita. E nós já sabemos qual é o resultado desse tipo de atuação.
Portanto, para nós, é muito importante colocar nosso programa político, sem esconder as posições que defendemos. Mesmo que isso não represente, nesse momento, uma ampliação ainda maior dos votos para os setores despolitizados. O nosso objetivo é politizar os setores da classe trabalhadora.
Parágrafo 2 – O PCB obteve 0,05% de votos na última eleição para a presidência. O partido tem demonstrado crescimento desde as últimas eleições presidenciais, ainda assim, o cenário não é de uma vitória no executivo. Qual a intenção do partido com a campanha?
Sofia Manzano: A quantidade de votos depende muito de outros fatores. Por exemplo, nesse processo eleitoral, nós temos sido boicotados fortemente pela grande mídia. Até porque a nossa candidatura tem colocado pautas para mobilizar a classe. Isso não interessa ao grande capital, a burguesia e a grande mídia.
Então, independente do resultado eleitoral -que depende desses outros fatores – nosso objetivo principal nessa campanha é colocar a classe trabalhadora na ofensiva. Quando nós falamos que nossa proposta para a recuperação do emprego e renda no Brasil é a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial – que vai gerar muito emprego e melhorar a condição de vida da classe trabalhadora, em especial da juventude – essa proposta tem ganhado um apoio tão grande, que muitas vezes, as pessoas nem ligam essa proposta a quem fez e quem a defende, que é a minha candidatura, que é o PCB.
Mas isso não importa, porque, se nós conseguirmos, após esse processo eleitoral, fazer com que a classe trabalhadora volte a se mobilizar e vá para a ofensiva – não fique só na defensiva como nós estamos nos últimos seis, dez anos – isso vai ser uma vitória muito grande. Porque o PCB não é uma legenda que só quer ocupar postos na institucionalidade. O PCB é um partido da classe e é um partido que tem uma estratégia revolucionária. Então, para isso, nós precisamos mobilizar a classe trabalhadora. Se ela conseguir avançar no período da nossa campanha, já vai ser uma imensa vitória para nós.
Parágrafo 2- Por que a esquerda não tem mais falado sobre o comunismo? Como sua candidatura pretende dar visibilidade a ideologia de seu partido?
Sofia Manzano: A esquerda não revolucionária não fala do comunismo, nem do socialismo porquê de fato ela não tem mais nenhum compromisso com a emancipação da classe trabalhadora. Hoje, essa esquerda se apresenta como um amortecedor da luta de classes, se apresenta como um bloco, que antes era ocupado por outros partidos que essa própria esquerda no passado chamava de direita.
A nossa candidatura tem também, além de todas as outras questões que já colocamos, o objetivo de apresentar à sociedade brasileira o que é de fato o comunismo e retirá-lo desse local em que a extrema direita o colocou, de que tudo o que é ruim é comunista. O que é mentira, porque na verdade o comunismo é a proposta mais generosa que a humanidade já produziu.
Não é um credo, não é só uma ideologia, ele é uma necessidade. Se a humanidade quiser continuar existindo, se a gente quiser ter preservação do meio ambiente, se quisermos ter a preservação do próprio planeta, nós temos que acabar com o capitalismo. Porque o capitalismo é a barbárie em que estamos metidos até hoje.
Então, apresentar o que representa e o que é de fato o comunismo, é também uma tarefa da gente nesse momento de disputa eleitoral.
Parágrafo 2 – Para o PCB, se unir ao PT no primeiro turno vai contra seus princípios. Por que, na concepção dos comunistas, o Partido dos Trabalhadores tem favorecido demandas da direita?
Sofia Manzano: Então, na verdade, se unir ao PT no primeiro turno não é só uma questão de ir contra os princípios. Para nós, há uma necessidade de fazer avançar a luta de classes com a classe trabalhadora organizada, e o PT se mostrou, quando no governo, inclusive com suas propostas e as alianças que têm feito neste ano, um partido que não está mais disposto a organizar e colocar a classe trabalhadora como protagonista.
É um partido que tem se mostrado em várias declarações, muito mais afeito a defender e a se comprometer com os interesses da classe dominante no Brasil. Por exemplo, muito mais afeito a defender os interesses do agronegócio, os interesses do capital financeiro e do grande capital, do que se comprometer com os interesses da classe trabalhadora efetivamente.
As últimas declarações do ex-presidente Lula são péssimas! Ele dizer que vai continuar com a política de ajuste fiscal, dizer que vai fazer a reforma administrativa, é péssimo, porque são todas pautas da extrema direita no brasil. Então não tem como para nós estarmos no primeiro turno apoiando esse tipo de situação.
Muito pelo contrário, nós precisamos nesse primeiro turno, chamar atenção para aquelas pessoas que de fato querem fazer a luta de classes avançar. Que apoiem sim as candidaturas que estão colocando este debate neste momento eleitoral. A pior coisa vai ser um voto útil no primeiro turno e depois ter que se colocar no ano que vem diante de mais retrocessos com relação a classe trabalhadora.
Quando nós falamos que nossa proposta para a recuperação do emprego e renda no Brasil é a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial – que vai gerar muito emprego e melhorar a condição de vida da classe trabalhadora, em especial da juventude – essa proposta tem ganhado um apoio tão grande, que muitas vezes, as pessoas nem ligam essa proposta a quem fez e quem a defende, que é a minha candidatura, que é o PCB.
Parágrafo 2 – Em sua visão, existe a possibilidade de golpe do atual governo, próximo das eleições?
Sofia Manzano: O PCB fez uma análise de conjuntura, e prevê que Bolsonaro vai tentar de todas as maneiras provocar, se não um golpe clássico, uma situação de caos, de instabilidade, para tentar um processo de ruptura com a democracia.
Essa é uma possibilidade, e inclusive a partir dessa análise, conclamamos todas as forças democráticas e de esquerda a tomarem as ruas para se manifestar em defesa da democracia. Não só acreditar nas urnas, no resultado eleitoral, como se isso pudesse garantir, por exemplo, a posse da próxima presidenta. Então, a gente precisa em conjunto com as demais forças políticas, enfrentar as possíveis tentativas de golpe, ou de caos do Bolsonaro e do bolsonarismo. Precisamos nos organizar e enfrentar isso de forma bastante consistente. Acreditar só na institucionalidade é muito temerário, porque nós já vimos que em nosso país quem ocupa as ruas é quem leva muitas vezes a direção das forças políticas e institucionais.
Parágrafo 2- A sua candidatura tem feito caravana pelo estado de São Paulo e conversado diretamente com os trabalhadores. Quais necessidades e anseios da classe trabalhadora você percebeu nesse contato?
Sofia Manzano: A caravana do poder popular, tanto em Minas Gerais, onde já estivemos, lá no movimento dos atingidos pela mineração, com os trabalhadores operários da Vale, da Usiminas, das diversas outras grandes empresas, e aqui no interior de São Paulo, em conversa com diversos setores da classe trabalhadora, tem visto o seguinte. De fato, a avaliação que a gente faz da despolitização e desorganização da classe trabalhadora é uma realidade. Esses trabalhadores e trabalhadoras estão carentes. Precisam de um objetivo tático e imediato para voltar a se organizar e para voltar a se interessar pela política. Não apenas para ser chamado de dois em dois anos, ou de quatro em quatro anos, para apertar um número lá na urna.
Então, muitos trabalhadores e trabalhadoras se mostraram desanimados e descrentes na política, mas quando você fala: vamos lutar para reduzir a jornada de trabalho, o interesse volta imediatamente em saber como podemos fazer isso. Essa caravana tem mostrado para nós, que temos um imenso espaço de crescimento. Não só partidário, mas principalmente, um imenso espaço de crescimento na reorganização da classe trabalhadora.
Os trabalhadores não suportam mais o tipo de estrutura de exploração que está posto em nosso país, e eles precisam de uma bandeira de luta ofensiva para sair da imobilidade, para sair dessa situação de desespero em que se encontra nossa classe.