Parágrafo 2

Porque não sou feminista ou porque homens devem discutir gênero

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Coluna Pão e Pedras: Amenidades e Poesias 

O dia internacional de luta das mulheres, o famoso 8 de Março, está aí. Junto desta data vêm aquela enxurrada de rosas vermelhas para agradecer as mulheres por sua posição na sociedade. Afinal de contas, segundo diz o sarcasmo popular “por trás de todo grande homem há uma grande mulher”. Transformamos esta data, de luta por emancipação e autonomia feminina em mais um momento de reprodução de nosso machismo cotidiano, exaltando uma feminilidade idealizada e submissa e desprezando toda a diversidade que há em ser mulher. Este texto, portanto, não se destina as mulheres, que sentem na pele todos os dias a necessidade da discussão sobre gênero mas, sobretudo, aos homens, que tem fugido a esta importante discussão por muito tempo. Antes de iniciar, coloco-me na posição que me cabe nesta sociedade, a de um homem, branco, heterossexual e que está sujeito aos erros e reprodução do machismo social que tal posição, voluntariamente ou não, me colocam. Assim, estou aberto a criticas e posições em contrário, afinal são as críticas as que mais nos ensinam.

Pra inicio de conversa, não se nasce machista, torna-se machista. Simone de Beauvoir que me perdoe o desvio. Desde pequenos aprendemos que homem não chora, não expressa sentimentos, que deve ser másculo, forte, infalível, endinheirado, racional e ter o controle total de qualquer situação. Aprendemos desde muito cedo a não agir “como menina”, como se agir como tal nos colocasse em uma situação de inferioridade. Este pensamento faz muitos de nós de fato acreditar que mulheres são inferiores, e que nós somos donos dos corpos e mentes delas.

Embora haja uma diferença biológica visível, foi só socialmente, à partir de condições materiais reais – divisão sexual do trabalho, etc. – que se estabeleceram as relações entre os sexos que hoje conhecemos. Não há uma diferença substancial entre um homem e uma mulher aos oito anos de idade – a não ser pelo fato de um ter um pênis e a outra uma vagina – em sua estrutura física. A diferença está nos comportamentos sociais outorgados a estes seres desde o seu nascimento: o rosa e o azul; a casinha e o futebol; etc., etc. A diferença física surge na diferença nas relações sociais de um e de outro pois, o homem realizando determinadas atividades durante sua vida, adapta seu corpo de tal forma a sua condição de vida que o faz ter uma maior massa muscular, testosterona, pelos, mais abundantes por todo o corpo, etc.

Não é nada incomum, por exemplo, encontrar pais que no alvorecer da puberdade de meninos dão de presente a eles material pornográfico para que “aprendam a ser homens”. Na verdade, o que estes meninos aprendem com isso é a tratar mulheres como objetos sexuais, a desrespeitá-las em seu modos de ser e vestir; aprendem que as mulheres estão ali apenas para satisfazer seus desejos sexuais, só isso. O prazer e a vontade dela não são vistos como importantes.

Esta relação social, no entanto, é-nos vista como algo que sempre existiu, orgânica e natural. Esta forma binária de enxergar a sexualidade encontra problemas consideráveis quando homossexuais, transexuais, bissexuais e tantos outros “desvios” colocam-se em cena, não se encaixando na estrutura posta.

É aí que se materializa o nosso machismo cotidiano. Quando caminhamos por uma rua pela noite e encontramos uma garota que vêm em direção oposta, não somos nós que mudamos de lado da rua. São elas. Isso porque todo homem, por mais que isso não lhe passe pela cabeça, por mais que nem tenha visto a garota que, neste momento, tem medo dele, é um potencial estuprador. Nós, enquanto homens, nunca teremos que nos preocupar com isso, pois toda a sociedade é estruturada sob o ponto de vista masculino e heterosexual. Por isso mesmo as militantes feministas dizem que não temos como opinar em suas estratégias, ou nos dizer feministas, pois nós nunca saberemos o que é ser mulher. Nunca saberemos como é ganhar menos para realizar as mesmas atividades no mercado de trabalho; ser silenciados em nossas falas em espaços públicos e privados; ser agredidos; ter nossos direitos violados ou relativizados; ser abandonados sozinhos para criar os filhos (e ainda ser culpado por isso); ser estigmatizados pelo simples fato de ser mulher. Lembrando que tais situações se agravam com mulheres negras das periferias urbanas e rurais. A este respeito, Sueli Carneiro, em seu artigo Enegrecer o feminismo: a situação da mulher na América Latina a partir de uma perspectiva de Gênero, diz o seguinte:

“Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contigente de mulheres, provavelmente majiritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação.” (ver artigo completo em:

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0ahUKEwjT_snWl7DLAhULjpAKHSBXAfoQFgghMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.unifem.org.br%2Fsites%2F700%2F710%2F00000690.pdf&usg=AFQjCNHRRX9RFHMxCHGPqQt3WhHisT7c-g&bvm=bv.116274245,d.Y2I)

Portanto, neste 8 de Março, lutemos nós, ombro a ombro, junto a nossas companheiras para que o machismo, o conservadorismo e o patriarcado que se colocam em pauta neste dia seja destruído; mas lutemos, sobretudo, contra nossa própria construção social, nossos preconceitos e sentimentos de superioridade. Revejamos e combatamos nossos privilégios, pois se esta é uma situação confortável para nós, não é nem um pouco para as mulheres que suportam no dia-a-dia tal situação social. Finalizo este artigo com a música Biografia Feminina, do grupo de RAP SNJ:

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