Estamos vivendo, neste instante, um genocídio. Não falo aqui dos mais de 500 mil mortos, notíciados em todas as redes de mídia. Falo de um genocídio no sentido clássico do termo, como sendo aquele que elimina fisicamente o modo de existir de um povo: os povos indígenas do Brasil. Historicamente, a nossa sociedade reduziu as diversas nações indígenas existentes no país ao rótulo de “índios”. Segundo o ISA (Instituto Sócio Ambiental) são atualmente 256 povos falantes de 150 idiomas diferentes. São Guaranís, Xavantes, Xokleng, Kaingangs, Pataxós, Jês, Mundurukus, Pankararés, Yanomamis, e uma infinidades de outros modos de existir no mundo, com suas respectivas religiões, epistemologias, formas de ver e pensar o mundo que estão sendo históricamente massacradas pelo Estado brasileiro desde a sua fundação como colônia de Portugal.
A violência e a guerra contra os povos indígenas no Brasil nunca cessou. Mas após a constituínte de 1988 estes povos conquistaram, legalmente, o direito de ser e viver como são em suas terras ancestrais com as quais mantém vínculos sagrados. São os principais responsáveis pelo que há de preservação florestal no país não por uma questão de preservar recursos para o futuro, mas porque em geral veem seus teritórios à partir de uma noção de uma terra que nos nutre e que, por isso, é divina. A terra não pode ser usada por nós, já que somos filhos desta. Os Kaingang, por exemplo, que vivem no Paraná, entendem que seu território é demarcado pela presença dos pinheiros de Araucária (Araucaria araucana). Por isso, por onde passam, plantam esta árvore com devoção, sendo os grandes responsáveis pela preservação desta espécie em extremo risco de extinção.
Desde que se inicia o governo Bolsonaro, o ataque aos povos indígenas tem sido tolerado e incentivado pelas autoridades no poder. Controlada por militares, a FUNAI é tornada propositalmente ineficiente na defesa dos direitos dos povos indígenas. Sem conseguir realizar, por desidratação, a fiscalização e o suporte que a entidade deve aos povos indígenas na garantia de seus direitos, abriu caminho para que grileiros e garimpeiros avançassem para dentro das terras indígenas do Brasil inteiro, utilizando-se de armas pesadas para entrar nestes territóriose intimidar os povos que lá vivem. São registrados desnutrição, assassinatos, estupros e submissão ao trabalho forçado em terras indígenas por todo o país (ver: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/05/garimpo-ilegal-e-devastacao-crescem-na-terra-indigena-yanomami.shtml). Todas as atrocidades que a população acredita ter ficado nos livros de história em relação aos povos indígenas ocorre as vistas de todos nós em 2021.
O Projeto de Lei 420/07, que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pela Deputada Federal Bia Kicis, é um passo adiante no genocídio indígena, pois legaliza as ações de garimpeiros e grileiros, dando legitimidade ao quadro exposto acima. Com ele pretende-se inviabilizar a demarcação das terras indígenas pela FUNAI, transferindo esta tarefa ao congresso e abrir as terras indígenas para exploração predatória – inclusive com emprego de mão de obra indígena. Tal fato ocorre enquanto povos indígenas de todo o Brasil se reunem em Brasília e são violentamente reprimidos pelas forças militares, tansformando as ruas da capital em uma batalha campal entre forças armadas do Estado e indígenas que resistem como podem aos ataques. No mesmo momento, territórios indígenas de todo o Brasil passam a ser atacados de forma violenta, como nos casos da Oca Kupixawa, no Rio de Janeiro e a escola Xukururank na aldeia do povo Xakriabá em Minas Gerais, incendiados por ação de invasores.
Numa tentativa de sobreviver e dar visibilidade ao massacre que está ocorrendo, povos indígenas estão fechando rodovias em todo o país, e sendo severamente reprimidos pelas polícias militares. Estamos em Guerra. O Estado brasileiro legalizou o genôcídio e o epistemicídio sobre os povos indígenas de todo o país. Todos os dias madereiros, garimpeiros e grileiros matam alguém pertecente a um povo originário, e o PL 420 está dando legalidade a este tipo de situação. Isso não é muito diferente do que os nazistas estavam fazendo aos os judeus na alemanha nazista, já que corre o risco de tranformar as terras indígenas em verdadeiros campos de concentração. É necessário que todos resistamos e nos posicionemos contra este projeto, incorporando, de forma solidária aos diversos povos indígenas que vivem no território brasileiro. Que nos coloquemos em oposição a este projeto de lei nas bandeiras de qualquer organização da sociedade. Caso contrário, estaremos sendo cúmplices, por omissão, de um genocídio cultural e físico.