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Petição propõe a proibição e a criminalização do casamento entre negros e brancos em Curitiba

Por Mário Costa

Arte de Eneas Ribeiro 

Que porra é essa? O site peticaopublica.com.br recebeu pedido de investigação contra a petição eletrônica que propõe a criminalização e a proibição do casamento do casamento interracial, entre negros e brancos.  A solicitação é do Procurador da República Aldo Campos Costa que, segundo ele, o conteúdo da petição pode configurar ou ser entendido como crime de preconceito racial. O Procurador requisitou que o material seja encaminhado ao 1° Ofício do MPF para abertura de notícia fato, para investigação preliminar, que pode ser convertido em inquérito Civil. Também pediu a identificação do requerente que informa apenas ser empresa localizada em Curitiba, Paraná.

No texto o requerente pede “pela proibição do casamento interracial e pela criminalização da miscigenação, pedimos ao Legislativo que atenda ao pedido de uma grande parte da população brasileira, que se sente num limbo étnico e vê-se perder a identidade cultural”. E, afirma que a prática de miscigenação se configura como prática de extermínio de um grupo étnico ou população, sendo a raça branca considerada pura, logo, a mistura de raças seria então genocídio. Mas isto, apesar de absurdo, é muito sério. Até o fechamento da matéria publicada na Folha de São Paulo, em 30/04/2021, 24 pessoas assinaram a petição, 24 pessoas que apoiam a proibição e a criminalização dos relacionamentos interraciais.

Num passado não tão distante no Estado do Alabama (EUA) decidiu em 2.000, com votação apertada de 59,49% contra 40,51%, que o artigo 4° § 102 da Constituição Estadual estava revogado. Até esta data, o Alabama era o único estado que previa constitucionalmente a proibição do casamento entre negros e brancos. Há mais de 30 anos a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que qualquer lei proibindo o casamento interracial seria inconstitucional. Contudo muitas leis ainda vigoram com essa proibição, segundo de Jeremy W. Richter, professor de Direito, e, Paulo Cesar Batista dos Santos, Juiz de Direito, no artigo “Leis criminalizando o casamento entre negros e brancos nos Estados Unidos. Estudo de precedentes no Estado do Alabama e na Suprema Corte americana”.  

De acordo com o artigo após os eventos da Guerra Civil Americana ou Guerra da Secessão em que os estados do Norte saíram vitoriosos e ocorreu a promulgação da 13° e 14° emenda, que preconizam, respectivamente, a libertação dos escravos e que todos os cidadãos nascidos e naturalizados Americanos são iguais. No entanto, Estados do Sul, como o Alabama, com brechas dadas pela 14° emenda instituíram leis, segundo sua visão ideológica, para a “preservação da sociedade branca” e que culminaram em doutrinas como “separados mais iguais”, leis estas que criminalizavam não apenas o casamento, mas segregavam banheiros, talheres, escolas, locais públicos dentre outros.   Naquele período a preocupação do Sul era a preservação da pureza branca, consequentemente, não admitindo a miscigenação e a relação cotidiana entre brancos e negros.

Em 1949, na África do Sul durante o Apartheid foi aprovado o Ato do Registro nº 30 proibindo a união entre casais denominados mistos. Consequentemente, em 1950, é instituído o Ato da Imoralidade que criminalizava não apenas a união, mas também, as relações sexuais entre brancos e não-brancos. Esses atos vigoraram até 1985, durando 36 anos. 

Na Alemanha durante o regime Nazista foi instituída a lei anti-miscigenação decretada pelo governo Nacional Socialista, em 1935, que previa a proibição dos casamentos e das relações sexuais extraconjugais entre Judeus e pessoas de “Sangue Alemão ou relacionado”. Em 14 de Novembro do mesmo ano a lei foi alargada aos Ciganos e aos Negros. Tal ato era considerado pelos alemães a desgraça da raça. A leis antissemitas ou leis Nuremberg do Regime Nazi duraram até 1945. 

Por outro lado, no Brasil o casamento interracial nunca foi proibido e relações entre negros e brancos, consensuais ou não, visto que temos um passado escravagista que explorava e explora os corpos negros com a hiperssexualização e objetificação dos nossos corpos, dentre outras mazelas deixadas por este período, não há leis que criminalizem este tipo de união. A relação entre casais interraciais enfrenta os seus próprios obstáculos, principalmente, no caso das mulheres negras que são a maioria da população, sofrem maior violência, ganham menos em relação aos homens, e, inclusive, são preteridas por seus próprios pares e em alguns casos acabam ficando sozinhas. Olhando por este ponto de vista a lei seria “benéfica” para eliminar os ditos “palmiteiros” negros que ascendem socialmente, abandonam as pretas e escolhem ficar com as brancas como símbolo de status social, veja o exemplo dos jogadores de futebol.

A petição não deixa claro se a proibição do casamento caberia apenas aos negros, que representam em Curitiba 45.541 pessoas ou se incluem neste cálculo os pardos ou não brancos que são 262.606, que possuem traços negroides como boca, nariz, cabelo, dentre outras características. No caso de considerar apenas a população negra em relação a branca, a prática de genocídio seria o oposto do que sugere a petição eletrônica, porque na capital paranaense temos 1.260.090 pessoas declaradas brancas, de acordo com o último Censo 2010. Fora os amarelos 21.817 e indígenas 2.465 a esta parte da população a proposta de lei também se aplicaria? O que comprova no Brasil a pureza de uma etnia após 2021 anos de existência? Pensando pelo lado da pureza e na preservação étnica casais antes do matrimônio teriam que passar por testes de DNA? Serão julgados em tribunais? Esse papo de raça pura, na minha opinião, chama-se N-A-Z-I-S-M-O ou Apartheid, leia-se como melhor entender.

A relação entre casais iguais ou diferentes, de mesmo gênero, mistas, ou, de qualquer forma que esta venha a se manifestar, defronta-se com problemas sociais e internos são universos distintos que se chocam, sendo possível a sua  existência e sustentação por fatores como a persistência, entendimento, acolhimento, cuidado e, principalmente, pelo amor. Não são necessárias leis de segregação, separatistas, ou, que venham sugerir, lunaticamente, o genocídio de uma etnia.   

O site peticaopublica.com.br além de propor pautas relevantes que visam o desenvolvimento da sociedade como um todo, agrega também em seu conteúdo grande número de outras petições provavelmente descartáveis. No entanto, como vivemos numa democracia acredito eu ainda, todos sobre a égide dessa nação temos o direito de se manifestar sobre algum assunto pertinente ou não a população. Quando procurada a petição eletrônica para a elaboração desta matéria não estava mais no ar. Ih! Acho que deu ruim.

Fonte

 

 

 

 

 

About Mario Luiz Costa Junior

Jornalista e Músico, integrante colaborador do Parágrafo 2. Cronista urbano e repórter de cultura e sociedade, tem como referência os textos literários e jornalísticos de Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, da lírica de Cartola e da confluência de outras artes, como o cinema, no retrato do cotidiano no enfoque da notícia. Acredita que viver é um ato resiliente no caminho de pedra para a luz.