Na última terça-feira (04), o governador Ratinho Junior (PSD) sancionou a Lei 22.006/2024 que cria o programa Parceiro da Escola e permite a sua implantação em 204 unidades da rede estadual.
O Projeto, que transfere para empresas privadas a administração de escolas públicas da rede estadual, foi aprovado em tempo recorde e sob protestos de milhares de professores e alunos.
Segundo o governo do Paraná, o Parceiro da Escola é inspirado em modelos educacionais internacionais adotados em países como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Coreia do Sul. E teria o objetivo de conquistar melhores índices educacionais e melhorar a infraestrutura das escolas.
Entretanto, uma metanálise – resumo científico que considera os resultados de centenas de estudos prévios sobre um tema – revela que subsídios públicos para entidades privadas (ou administrações privadas) não melhoram a qualidade da educação.
A análise em questão se chama “Escolas Charter e Vouchers: O que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação?” e foi publicada em março de 2022 pela D3E – Dados para um debate democrático na Educação em parceria com o Instituto Todos pela Educação.
Os autores da análise são Martin Carnoy, professor na Faculdade de Educação da Universidade Stanford e ex-presidente da Sociedade de Educação Comparada e Internacional (CIES) e Lara Simielli, diretora de Conhecimento Aplicado do D3e e professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV).
Eles analisaram artigos científicos publicados em revistas de educação entre 2012 e 2021. Foram avaliados aproximadamente 150 artigos produzidos nos EUA e três estudos de caso sobre Chile, Colômbia e Suécia.
No caso da pesquisa, a questão norteadora foi: Subsídios públicos para entidades privadas melhoram a qualidade da educação?
Escolas Charter
Segundo o governo do Paraná, uma das inspirações para o Parceiro da Escola é um modelo que existe nos Estados Unidos, trata-se das “Escolas Charter”. São escolas privadas financiadas pelo setor público sob condições que variam muito entre diferentes localidades. É, portanto, uma escola privada que opera sob um contrato específico (o contrato charter) entre quem gere a escola (pais, professores, uma empresa com fins lucrativos ou uma organização não governamental) e quem regulamenta o sistema que é o governo.
As escolas charter tecnicamente oferecem ensino público e gratuito. Elas recebem dinheiro dos impostos e podem também podem receber financiamento privado de um grupo patrocinador. No entanto, são geridas pela iniciativa privada.
Elas representam um dos três modelos de escolas que oferecem ensino público nos Estados Unidos, mas apenas elas têm administração da iniciativa privada. Ou seja, é sobre esse modelo que o governo Ratinho Jr. fala quando diz que é uma inspiração ao Parceiro da Escola.
E o que diz a análise sobre esse modelo
A síntese publicada em 2022, depois da análise de centenas de estudos científicos, revela que evidências apontam duas conclusões principais:
1- A iniciativa privada na rede pública tem impacto nulo ou muito baixo sobre o desempenho dos estudantes;
2- A entrada de entes particulares aumenta a desigualdade no sistema, gerando segregação racial e socioeconômica dos alunos mais vulneráveis. Nos Estados Unidos e na Suécia, nascidos no país buscavam áreas mais distantes para estudar em escolas com menos imigrantes ou pobres.
Ou seja, segundo a pesquisa, o impacto é nulo ou muito baixo na gestão de recursos públicos por empresas privadas sobre o desempenho dos estudantes. Já em relação ao impacto sobre a qualidade, há um entendimento de que introduzir mecanismos de competição entre as escolas (entre escolas públicas ou entre escolas públicas e charter) tem um impacto baixo sobre a aprendizagem dos estudantes.
Em entrevista ao colunista Rodrigo Ratier do Uol, Lara Simielli, uma das autoras do estudo e professora de Gestão Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV) disse que existem duas questões pertinentes a serem consideradas quando instituições privadas vão gerir recursos públicos. “A primeira é um debate ideológico: faz sentido transferir a administração de escolas públicas para particulares? É uma questão em aberto, mas quem pensa a educação como um direito universal costuma se posicionar contra. Já a segunda discussão é técnica: a administração particular aumenta a eficiência? Nesse aspecto, a síntese de evidências é muito clara em mostrar que não”.
A pesquisadora destacou também que a introdução do mercado em serviços públicos até pode dar certo em outras áreas. “Mas, na educação, não tem funcionado. Os dados são muito robustos.”
Outra questão destacada por Lara é a financeira. Escolas conveniadas, ou seja, com a participação da iniciativa privada, não podem receber dinheiro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), principal mecanismo de transferência de recursos da União às redes municipais e estaduais.
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