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Pelo retrovisor – 2016 o ano que não terminou

Pelo retrovisor, a capota baixada, o vento raspa os fios crespos da barba, vou a quilômetros por hora, o pé no acelerador, percorro a estrada, na fuga do ano que não terminou. A galope as lembranças na espera do pneu furado, da próxima parada, no porta-malas os problemas como bagagem extra, o banco do carona carrega a saudade e o mesmo vazio do ano anterior. É preciso ter fé, empatia, pensar, ruminar, por fim, insistentemente, cair e levantar.

O fim é apenas o fim, não há glórias. É aquele gosto amargo de comida mofada quase estragada na geladeira, além de rançoso, está frio. O aperto pungente na cama sem lençol, na esperança ébria no tolo amanhã sem festim, o pessimismo do quadro cinza espelha a janela do quarto ao acordar. Porém, nem tudo era assim.

Passadas às 12h00 do dia 31 de dezembro de 2015 no subsequente 01 de janeiro de 2016, sonhos opulentos do alvorecer, do amanhã, do Genesis, no princípio era o silêncio. No cessar dos fogos que brotaram da esquina sempre verde da Grevileas, n° 75, fechei os olhos com força para um ano de realizações, acordar disposto e ansioso para o novo.

Passou janeiro. Chegou carnaval. O país anda a passos largos, politizados e engajados tomam as ruas, o mal tem barba, usa vermelho e tem cara de povo. Passeatas escrutinam cada detalhe do vil ao pueril, é o social, o socialismo, o comunismo, enquanto, Land Rovers, Tucson, EcoEsport, bloqueiam a rua de cima da Anita Garibaldi, a linha 272 – Paineiras, recebia tapas dos verdes e amarelos, conservadores, a casta, gritavam insanos de garrafas de Dom Perignon  “intervenção militar”, “comuna”, “vai pra Cuba”.

A justiça tem queixo saliente, cabelos pretos e filiação (filho de) no PSDB, nascido em Londrina. A rua, em frente ao prédio da Justiça Federal, acolhia estes lordes e suas panelas, limpas e ariadas pela dona Maria. Se Joaquim Barbosa era o Batman, este tal, é o Superman. Nasceram ali as Origens da Justiça, o Pato Gigante e a ausência de cadência e discernimento no uso das panelas, jaz o bom senso também.

As manifestações dividiram o país. Todo o idiota, tolo e meio politizado tinha uma opinião, mas nem todo tolo, idiota e meio politizado sabe respeitá-la. Era um povo pra lá, outro pra cá. Os Sem Terra, bolsa-família, cotistas, o feminismo, os conflitos indígenas contra a meritocracia, fazendeiros, donos de cartéis, industriais, desde Cabral, o patriotismo canário, a ordem e o progresso contra o modelo vendido de conluios.

O Brasil sem manteiga é a Câmara dos Deputados, o Brasil lubrificado e com Viagra é o Senado, e graças às horas interruptas de votação do impeachment, em televisão aberta, agora, você sabe o que eles fazem, ti fodem.  PEC 55, 241, da Previdência, da Reforma Agrária…

Conheci algumas pessoas em maio, outras em abril, algumas vão, como crédito do cartão e o aumento da gasolina, outras ficam como exemplo, nem tudo esta perdido. Lembrei-me do racismo, da indiferença, de uma imagem desgastada da infância de garotos me arrastando pelo corredor, da garota que tentei, tentei e não foi, das poesias piegas do ensino médio, do talento para música, para atrair e repelir. Foram dias tortos, acho que permaneci em coma por alguns meses.

Quis uma vida simples de bicicleta, comida vegetariana, academia, teatros, espetáculos de música, andar no parque, barba Hipster, coque samurai ou estilo espartano, cai na real. Sou Mark Renton em Trainspotting, mergulhando na privada de algum banheiro sujo do Guadalupe por um supositório, roubando outros tantos vagabundos na rua, sentado no bar da esquina no canto distante com fluoxetina na mão e um copo de pinga sobre a mesa, uma tola esperança de ser feliz. Família, esposa, cachorro e filhos, final de semana na praia de Matinhos, Caiobá, trilhas pela Graciosa, Cachoeiras, um mundo tão azul, porém, tão sintético como confeites da Trajano Reis.

O estupro coletivo na favela por 30 pessoas, a morte dos jogadores da Chapecoense, Ferreira Gullar, Impeachment, Senado, Câmara, Juízes, Movimentos Sociais, Olimpíadas, Ouro no Futebol, Boxe, Judô, muito mais que socos, ippons, chutes de taekwondo, um tapa na cara bem dado, Ocupações das escolas, Gil e Caetano a R$ 700 reais no Teatro Guairá… Desculpe não conseguirei terminar este texto sem bater o carro ou chegar à inconsciência. O mundo não é a porra do seu Toddynho e nem só Coca- Cola. Contudo, quando 2016 acabar não será um Feliz Ano Novo, mas uma pá de cal e outras tantas de terra.

About Mario Luiz Costa Junior

Jornalista e Músico, integrante colaborador do Parágrafo 2. Cronista urbano e repórter de cultura e sociedade, tem como referência os textos literários e jornalísticos de Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, da lírica de Cartola e da confluência de outras artes, como o cinema, no retrato do cotidiano no enfoque da notícia. Acredita que viver é um ato resiliente no caminho de pedra para a luz.