O filme aborda direitos civis, política, questões sociais e ainda é entretenimento de qualidade
Após os eventos de Guerra Civil o príncipe T’Challa (Chadwick Boseman) retorna ao país africano Wakanda para assumir o trono e cumprir com as responsabilidade de ser um rei. O filme Pantera Negra, do diretor Ryan Coogler, aborda de forma sutil e atual temas necessários e importantes na formação da identidade do povo afroamericano. Passando pelos direitos civis, a força da mulher na sociedade, imigrantes e a dicotomia de lideranças na condução de uma nação. Com a terceira maior abertura dos Studios Marvel atrás apenas de Vingadores e A Era de Ultron é considerado pelo presidente Kevin Feige “o melhor filme que já fizemos”.
Com a morte do Rei T’Chaka (John Kani/Atandwa Kani) nos eventos de Capitão América Guerra Civil, segredos do rei wakandiano são revelados. Para proteger o povo e as riquezas das minas de vibranium, temeroso pela ganância do restante do mundo e o mau uso da tecnologia, T’Chaka matou seu irmão N’Jobu (Sterling K. Brown).
O irmão do rei pretendia levar o desenvolvimento tecnológico de Wakanda para criar armas e defender o povo negro que passou momentos turbulentos como o Movimento pelos Direitos Civis na América do Norte e o a Apartheid na África do Sul. N’Jobu deixou seu filho N’Jadaka para ser criado nos subúrbios violentos de Oakland, nascendo o rancoroso e extremista Erik KillMonger (Michael B. Jordan) antagonista de T’Challa no filme.
Criado em 1966 por Stan Lee e Jack Kirby, coincidentemente meses antes da instituição do Partido dos Panteras Negras, por Bobby Seale e Huey Newton, o personagem dos quadrinhos Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro da Casa das Ideias da Marvel. Neste período os afroamericanos eram abordados de forma truculenta e violenta nas ruas, com leis de segregação racial e sem o direito ao voto.
A Marvel nos quadrinhos procura refletir o seu tempo e, talvez, esteja aí o seu sucesso editorial com o público. Obras como X-Men que abordam o racismo, a homofobia, os dilemas dos adolescentes, imigrantes, guerra mundial, as lideranças opostas com o mesmos objetivos como Charles Xavier e Magneto, ou, T’Challa e Killmonger, são exemplos da diversidade da editora na criação de personagens e histórias.
O Partido dos Panteras Negras surgiu como uma ofensiva às práticas policiais se baseando na Segunda Emenda á Constituição dos Estados Unidos da America, que permite manter e portar armas de fogo de qualquer calibre em locais públicos a todo o cidadão americano independente de raça, credo ou cor, com apenas algumas ressalvas e desde que esteja a vista. Logo, Os Panteras formaram uma patrulha armada para monitorar o comportamento dos oficiais do Departamento de Polícia e desafiar a brutalidade em Oakland. Ao perceberem uma pessoa negra sendo abordada pelos oficiais acompanhavam a uma distância que não interferisse na abordagem e na ação policial, porém segurando rifles de alto calibre e trajados com boinas e jaquetas de couro pretas, com uma fisionomia intimidadora.
O diretor do filme, Ryan Coogler, é nascido na cidade de Oakland, no estado da Califórnia e na sua pequena filmografia de Fruitvale Station (2013), Creed (2015) e Pantera Negra (2018) abordam temas como a violência policial, as dificuldades dos subúrbios e a conturbada relação com o crime e as prisões americanas, lotadas de latinos e negros. Realidade nem um pouco distante das terras tupiniquins.
Coogler em Fruitvale Station (2013) traz para a ficção a história real de Oscar Grant morto a tiros por um policial na estação de nome homônimo a obra. O drama do jovem Oscar, morto aos 22 anos, envolve o desemprego e as idas e vindas da prisão de um afroamericano criado nos subúrbios numa família em pedaços. A vaga luz de esperança na sobrevivência em situações precárias.
No filme Pantera Negra o antagonista, Erik Killmonger (Michael B. Jordan), é criado dentro dessa realidade de violência urbana, porém o ódio nutrido pela nação de Wakanda e a busca cega por vingar seu pai N’Jobu, fazem do vilão um expert em lutas marciais e no uso de armas, formado no Instituto de Tecnologia de Massachuttes e participando de várias guerras como no Afeganistão para aprimorar suas técnicas. Killmonger nutre os mesmos sentimentos do pai e busca, durante sua jornada, destituir T’Challa do trono pelo desafio e levar a tecnologia wakandiana, para os povos negros combaterem a dominação armamentista e o subdesenvolvimento das nações de origem africana.
O personagem personifica os ideais de Malcolm X e sua vida problemática durante a adolescência praticando atos contra a lei e crescendo em lares adotivos. De pequeno Malcolm se destacava pelas notas altas na escola e era considerado bom aluno, porém ao ouvir de um professor que era um absurdo um negro ser advogado e no máximo ele poderia chegar a ser carpinteiro como Jesus, mudou seu comportamento para um rapaz problema, passou a beber, fumar, usar roupas extravagantes e os cabelos alisados e vermelhos (por causa do produto) como os brancos. A família era perseguida pelo relacionamento interracial e teve a casa atacada pela Ku Klux Kan, o pai foi espancado e deixado inconsciente nos trilhos do trem para a morte e a mãe sofreu um colapso nervoso por não conseguir alimentar a numerosa família. A mudança do fundador da Organização para Unidade Afroamericana veio com a conversão ao islamismo ainda na prisão, se tornando um líder e defensor dos direitos dos afroamericanos.
O príncipe T’Challa personifica os ideais de Martin Luther King Jr. que procurava a resolução da questão racial de forma pacifica pregando a não violência e a igualdade entre as raças, se diferenciando da abordagem radical e extremista de Malcolm X que, de acordo com os ensinamentos do Alcorão, acreditava que “o homem branco era o diabo” e, portanto, inimigo do povo negro. O rei T’Chaka preferiu preservar as riquezas e a tecnologia concedidas pelo Vibranium, renegando a existência, extraditando e privando a criança Erick Killmonger de um destino melhor, rejeitando ajuda a outros povos ao redor do reino de Wakanda, o egoísmo que fez crescer o ódio destrutivo que move Killmonger. Esta relação conturbada entre os personagens se alterna durante o filme em visões diferentes de mundo e, em certos momentos, até se considera os objetivos do vilão, legítimos. Bem como a luta de Luther King Jr. e Malcolm X.
Neste mesmo período em questão, a partir dos anos 60, se deu início ao Movimento Feminista também representado no filme pela guarda real de Wakanda, as Dora Milaje. As guerreiras são oriundas de cada tribo do país e constituem a guarda pessoal do trono, mulheres fortes e independentes distanciando do perfil sexualizado, indefeso e imposto à mulher negra.
A irmã do príncipe Shuri (Letitia Wright) tem um laboratório e é responsável por desenvolver a tecnologia e dar suporte ao príncipe T’Challa e, também por belos momentos cômicos, numa referência a “Q” ou Major Boothroyd de James Bond. O movimento do Partido dos Panteras Negras se destacou por dar voz à mulher como Angela Davis, militante pelos direitos das mulheres e contra a discriminação racial e social.
O filme o Pantera Negra do diretor do Ryan Coogler peca numa coisa ou outra em questões estéticas de efeitos especiais como na batalha final dos protagonistas. No entanto, constrói de forma sutil um enredo que associa questões raciais, políticas, história e entretenimento. Num momento em que os Estados Unidos da América refletem novamente este período obscuro com a construção do muro na fronteira com o México, novos casos de assassinatos de jovens negros desarmados por policiais e ataques desenfreados nas escolas e locais públicos, pelo uso liberado e protegido pela Constituição de armas de fogo e venda de munições.
O Partido dos Panteras Negras buscava a igualdade para comunidade afroamericana e o direito de ser reconhecido como cidadão, à aceitação e a valorização do negro na constituição física da beleza, no resgate das tradições ancestrais africanas, no uso das roupas com cores vibrantes e chamativas. Tinham como objetivos 10 pontos para delinear os ideais do grupo dos quais se destacam a liberdade, terra, habitação, emprego e a educação.
O partido era tão influente na sociedade americana que acreditavam ser um levante contra o governo americano. O ex- diretor do FBI J. Edgar Hoover temia a ascensão de um “messias negro” e criou a operação COINTELPRO para desestabilizar os movimentos que surgiram pelo país. Apesar do desfecho violento com mortes e assassinatos de líderes importantes como Malcolm X, Martin Luther King Jr., ambos com 39 anos, considerado como um grupo terroristas, as sementes germinadas duram até hoje, influenciando inclusive os negros no Brasil.
Há poucos dias de completar 34 anos, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em Jornalismo, sem um centavo no bolso, com os dois pais falecidos um deles na fila do SUS, sem filhos, me pergunto:
– Como cresce a cabeça de uma criança nestas condições de violência, indiferença, conflitos sociais, de luta constante?
A resposta é manter o braço erguido para o céu e os punhos cerrados até a hora derradeira da existência de me juntar aos meus ancestrais.
Dialogo entre Pantera Negra/príncipe T’Challa e Erik Killmonger/N’Jadaka
– Com a nossa tecnologia podemos te salvar?
– Me salvar? Para quê? Para depois ser preso? Deixe-me morrer e depois jogue-me no mar, assim como meus ancestrais que vieram nos barcos. Preferiam morrer afogados a viverem presos (escravizados).
Referências e Filmografia sugerida
- Omelete: Home
- Omeleteve
www.youtube.com/channel/UCaSAM5kna2KyX-uVLSGr8PQ
- Fruitvale Station: A última parada – 2013 (Dir. Ryan Coogler)
- Malcolm X – 1992 (Dir. Spike Lee)
- Panteras Negras: Vanguarda da Revolução – 2015 (Dir. Stanley Nelson)
- Pantera Negra – 2018 (Dir. Ryan Coogler)
- Selma: Uma luta pela Liberdade – 2015 (Dir. Ava DuVernay)