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Os povos de terreiro de Curitiba devem temer o segundo turno das eleições? Sim, devem

O Segundo turno das eleições em Curitiba tem suscitado debates importantes porque no horizonte se vislumbra a possibilidade de a capital do Paraná ser governada por uma candidata de extrema direita. Apesar de os dois candidatos serem bolsonaristas, já que Eduardo Pimentel (PSD) abriga como seu vice Paulo Martins (PSL), Cristina Graeml (PMB) representaria uma administração municipal realmente estruturada no extremismo.

Autointitulada cristã e de direita raiz, descrita como conservadora e defensora dos valores familiares, a jornalista Cristina Graeml ganhou popularidade nas redes sociais por sua carreira de comentarista política no jornal Gazeta do Povo e na Jovem Pan.  

Hoje, estas mesmas redes sociais relembram posições de Graeml contra a vacinação obrigatória; em favor de medicamentos como a Cloroquina no combate à Covid-19; em favor dos atos antidemocráticos de 08 de janeiro de 2023 e contra ministros do Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, não há nada de novo em Graeml, candidatos com os mesmos valores que ela, autodeclarados bolsonaristas “raiz”, foram eleitos às pencas no último dia 06 de outubro.

Mas, então, porque os povos de terreiro de Curitiba devem temer o resultado das eleições do segundo turno?

Por que a intolerância e o racismo religioso cresceram significativamente no governo de Jair Bolsonaro e devem seguir o mesmo caminho sob o governo de Cristina Graeml.

O terrorismo religioso subiu no palanque de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral que o levou à presidência da república, durante os quatro anos de seu governo e também na campanha em que foi derrotado pelo presidente Lula.

Desde 2018, Bolsonaro e seus aliados alertavam fiéis sobre as consequências de uma vitória da oposição. A tática era demonizar a esquerda e amedrontar os fiéis evangélicos dizendo que os candidatos petistas (Fernando Haddad em 2018 e Lula em 2022) fechariam igrejas à rodo.

O discurso dos bolsonaristas, durante todo o governo, foi o de que no Brasil havia uma perseguição aos cristãos e que esse fenômeno só poderia ser combatido pelo fortalecimento das ideologias cristãs.

Durante a abertura da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, Bolsonaro afirmou que o “Brasil era um país cristão e conservador” e apelou aos líderes mundiais para que lutassem contra a cristofobia.

Se evangélicos representados por Bolsonaro, Marcos Feliciano e Silas Malafaia representavam o bem de um lado, quem representaria o mal de outro? Isso mesmo, os cultos de matriz africana. Michelle Bolsonaro, por exemplo, associou religiões de matriz africana às “trevas” durante a campanha de 2022. Ela compartilhou uma publicação em que Lula é acusado de “entregar sua alma” para voltar ao poder. No vídeo, o petista recebe um banho de pipoca em visita à Bahia. “Isso pode, né! Eu falar de Deus, não!”, disse a primeira-dama. Esse tipo de declaração associa diretamente Deus às igrejas evangélicas, e se Deus está nas igrejas evangélicas, quem está do outro lado?

Porém, ao contrário do discurso bolsonarista, sob seu governo as religiões que foram perseguidas foram a umbanda e o candomblé. Só no primeiro semestre de 2019, seis meses depois de Bolsonaro assumir a presidência, houve um aumento de 56% no número de denúncias de intolerância religiosa em comparação ao mesmo período do ano anterior. A maior parte dos relatos foi feita por praticantes de cultos de matriz africana.

Os casos foram registrados via Disque 100, número de telefone do governo criado em 2011, que funciona 24 horas para receber denúncias de violações de direitos humanos. O registro de denúncias cresceu sobretudo após 2021, um ano depois do início da pandemia da Covid-19. 

Em 2018, foram registradas 615 denúncias de intolerância religiosa no Brasil. O número saltou para 1.418 em 2023, um aumento de 140,3%. Já o número de violações passou, no mesmo período, de 624 para 2.124, um salto de 240,3%.

Entre 2022 e 2023, o aumento das denúncias foi de 64,5% e, o de violações, de 80,7%.

Intolerância religiosa no Paraná

Entre janeiro de 2022 e outubro de 2023 foram registrados 2.336 Boletins de Ocorrência (Bos) por intolerância religiosa no estado do Paraná. Os dados foram obtidos pelo Parágrafo 2 junto à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP/PR) via Lei de Acesso à Informação (Lai).

Estes dados não computam as denúncias encaminhadas ao Disque 100, o que o Parágrafo 2 levantou são Boletins de Ocorrência registrados em delegacias de todo o Paraná por causa de crimes de intolerância religiosa.

Os dados levantados trazem informações sobre ano das ocorrências, mês, dia da semana, tipo de crime, termos utilizados, tipo da violência, entre outros.

Em 2022 foram registrados 1.102 e em 2023 foram 1.234, até o mês de outubro:

Paraná registrou mais de 2.300 Boletins de Ocorrência por intolerância religiosa desde janeiro de 2022

O aumento de casos de intolerância e racismo religioso tem relação direta com o governo de extrema direita, mas não são apenas os ataques a terreiros que exemplificam como um governo extremista, ao intitulado “cristão”, pode fortalecer iniciativas religiosas que lutam contra a intolerância.

A Prefeitura de Curitiba tem hoje, por exemplo, a Assessoria de Direitos Humanos que atua na articulação e monitoramento de políticas públicas de defesa e promoção dos direitos de populações étnico-raciais: afrodescendentes, indígenas e ciganas.

Essa Assessoria também participa de importantes ações como o Seminário Cultural do Povos de Terreiro que é organizado em parceira com o Fórum Paranaense de Religiões de Matriz Africana (FPRMA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) e Federação Umbandista do Estado do Paraná (Fuep). O evento acontece anualmente e tem entre seus objetivos promover o diálogo entre os praticantes das religiões de matriz africana e discutir estratégias no combate à intolerância religiosa.

Na capital, ainda existem o Conselho Municipal de Política Étnico-Racial (Comper) que é um órgão que delibera sobre políticas públicas que visam promover a igualdade racial e combater a discriminação étnico-racial.

Estes aparelhos, voltados a combater a intolerância religiosa e que contam com a participação da sociedade civil podem desaparecer. Se Cristina Graeml for bolsonarista raiz como diz ser, se rezar a cartilha do bolsonarismo como promete, as poucas conquistas dos povos de terreiro da capital, na busca por espaço de fala na administração municipal e na formulação de leis que protejam os praticantes de umbanda e candomblé, podem sumir em uma canetada.

Já que os atos de Bolsonaro são o fio condutor desta análise – por responsabilidade de Cristina Graeml que se autointitula a representante do Capitão em Curitiba – é importante lembrar que ele extinguiu ou esvaziou, logo que assumiu a presidência, 75% dos conselhos e comitês nacionais mais importantes do Brasil. Órgãos que acolhiam representantes da sociedade civil para amparar iniciativas do governo. Esse desmonte da participação popular nas discussões sobre políticas públicas começou já num dos primeiros decretos do presidente.

Os conselhos ou comitês são formados principalmente por representantes da sociedade e muitas vezes são a única forma de participação popular nas discussões do governo para decidir políticas públicas que vão afetar a todos nós, na saúde, na educação, na defesa dos direitos humanos, no meio ambiente.

Graeml seguirá os passos do capitão em Curitiba? Espero realmente que os praticantes de cultos de Matriz Africana não estejam dispostos a descobrir.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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