O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na manhã de hoje (21), durante o painel “Shaping the Future of Advanced Manufacturing”, realizado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), que o grande inimigo do meio ambiente é a pobreza. “Destroem porque estão com fome”, justificou o brasileiro. Em outro momento do mesmo evento, ele disse que o mundo precisa de mais comida e defendeu o uso de agrotóxicos para que, segundo ele, seja possível produzir mais. “Isso é uma decisão política, que não é simples, é complexa”, afirmou.
Entretanto, na contramão do discurso surreal do ministro, as multas aplicadas pelo Ibama e recentes prisões efetuadas pela Polícia Federal mostram que os maiores destruidores do meio ambiente brasileiro não são pobres e, nem de longe, famintos.
Chaules Volban Pozzebon é considerado o maior desmatador da Amazônia. Ele foi preso em 2019 em Ariquemes (RO), no Vale do Jamari. De acordo com as investigações, como revela reportagem da Agência Pública, Chaules tem cerca de 120 madeireiras espalhadas pela região Norte em nome de laranjas. Chaules é defendido pelo renomado jurista Tracy Reinaldet, que já atuou na Operação Lava Jato, defendendo figuras como o ex-ministro Antônio Palocci e o doleiro Alberto Youssef. A defesa do madeireiro protocolou, no dia 7 de novembro, uma petição pedindo a revogação de sua prisão preventiva no Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu nome, Chaules possui oficialmente algumas empresas – AMP Indústria Madeireira Ltda., da qual é sócio administrador, CHP Indústria Madeireira Eireli e Muralha Indústria Madeireira Ltda., em sociedade com o filho de 23 anos, Igor José Teixeira Pozzebon, que se identifica em suas redes sociais como geólogo. O madeireiro administra também dois postos de gasolina em Rondônia e divide com a mãe, Maria Salete Pozzebon, a sociedade de duas holdings: a CMI Participações S.A., voltada para aluguel de imóveis, e a MS Franquia, de gestão de ativos intangíveis não financeiros – os ativos intangíveis não financeiros são bens ou direitos adquiridos pela empresa, mas que não têm valor decorrente de suas características físicas, e sim dos benefícios decorrentes deles.
Ezequiel Antônio Castanha é outro grande desmatador. Empresário, dono de uma rede de supermercados, ele é considerado o maior grileiro da BR 163 respondendo por 20% de todo o desmatamento da Amazônia. Segundo o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo, que acompanhou a prisão do grileiro, Castanha vinha atuando na BR 163 invadindo terras da União, promovendo o desmatamento e comercializando ilegalmente as terras furtadas. Apenas o núcleo familiar do grileiro responde por quase R$ 47 milhões em multas junto ao Ibama, sem contar com os autos de infração em nome dos demais membros da quadrilha.
Castanha também é um dos cabeças de uma quadrilha envolvendo grileiros, madeireiros e produtores rurais, que tinha sido desbaratada em 2015, mas voltou a atuar com força na região e teria sido responsável, entre outras ações, pelo “dia do Fogo” – série de queimadas criminosas realizadas num único fim de semana de agosto e que acabaram chamando a atenção do país para o que vinha acontecendo na Amazônia.
Paulo Guedes não é um ignorante, já que comanda um dos ministérios mais importantes (ou o mais importante) do atual governo. Assim, a declaração de hoje em Davos compõe o discurso do governo Bolsonaro que afaga milionários e apedreja os mais pobres.
Não é possível que o ministro ignore que grandes multas ambientais foram e são frequentemente aplicadas a grandes empresas do setor mineral e agropecuário. Um exemplo são cinco empresas exportadoras de grãos, entre elas Cargill e Bunge, que receberam multas no valor total de 105,7 milhões de reais devido a atividades ligadas ao desmatamento ilegal em 2018. Já as tradings de grãos, que incluem a ABC Indústria e Comércio SA, JJ Samar Agronegócios Eireli e Uniggel Proteção de Plantas Ltda, foram multadas em 24,6 milhões de reais na mesma época.
Somam-se à conta dos milionários os maiores desastres ambientais da história do Brasil, que custaram muitas vidas e causaram danos gigantescos ao meio ambiente e foram protagonizados (direta ou indiretamente) por grandes empresas como as mineradoras, incluindo a Petrobrás, por exemplo. Entre tais desastres se destacam:
1980 – “Vale da Morte” Cubatão
Um jornal americano batizou o polo petroquímico de Cubatão/SP como “Vale da Morte”. As indústrias localizadas na cidade de Cubatão despejavam no ar toneladas de gases tóxicos por dia, gerando uma névoa venenosa que afetava o sistema respiratório e gerava bebês com deformidades físicas, sem cérebros. O polo contaminou também a água e o solo da região, trazendo chuvas ácidas e deslizamentos na Serra do Mar.
1984 – Incêndio na Vila Socó
Em fevereiro de 1984, uma falha nos dutos subterrâneos da Petrobras espalhou 700 mil litros de gasolina nos arredores da Vila Socó, em Cubatão/SP. Após o vazamento, um incêndio destruiu parte de uma comunidade local, deixando quase cem mortos e destruiu pelo menos 500 casas.
1987 – Césio-137
Em setembro de 1987 em Goiânia/GO, ocorreu um dos maiores casos de exposição à radiação no país e no mundo. Nessa ocasião, dois catadores de lixo encontraram um aparelho de radioterapia em um prédio abandonado. Acreditando que o aparelho lhes renderia uma boa quantia em dinheiro, levaram o objeto até a casa de um deles e, posteriormente, venderam-no para o dono de um ferro-velho.
No ferro-velho, o equipamento foi aberto e observou-se no seu interior um pó brilhante de coloração azulada: o cloreto de césio-137. Sem saber do que se tratava e encantado pela cor do césio, o dono do ferro-velho levou-o para casa e mostrou para várias pessoas de sua família e amigos. Todas as pessoas que tiveram contato com o produto tiveram sinais de intoxicação.
Diante disso, o material foi levado para análise e descobriu-se que se tratava de um produto radioativo. Pelo menos quatro morreram devido à exposição, e centenas de outras desenvolveram doenças. Em 1996, a Justiça condenou, por homicídio culposo, três sócios e um funcionário do hospital abandonado. A pena foi de três anos e dois meses de prisão. Porém, as penas foram trocadas por prestação de serviços voluntários.
2000 – Vazamento de óleo na Baía de Guanabara
No dia 18 de janeiro de 2000, um duto da Petrobrás que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha d’Água, na Ilha do Governador, rompeu-se. O Ibama aplicou duas multas à Petrobras, uma de R$ 50 milhões e outra de R$ 1,5 milhão, após o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo in natura na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro/RJ. Esse grande vazamento matou praticamente todo o ambiente marinho da região, afetando diretamente a economia, já que vários pescadores tiveram que abandonar a área que antes era rica em peixes.
2000 – Vazamento de óleo em Araucária
Em julho de 2000, 4 milhões de litros de óleo foram derramados em Araucária/PR. O Ibama aplicou três multas à Petrobras, totalizando R$230 milhões, devido aos grandes danos causados pelo vazamento na refinaria Presidente Getúlio Vargas.
2003 – Vazamento de barragem em Cataguases
Em março, ocorreu o rompimento de barragem de celulose na região de Cataguases/MG, com vazamento de 520 mil m³ de rejeitos compostos por resíduos orgânicos e soda cáustica. Os resíduos atingiram os rios Pomba e Paraíba do Sul, originando prejuízos ao ecossistema e à população ribeirinha, que teve o abastecimento de água interrompido. O incidente também afetou áreas do Estado do Rio de Janeiro. O Ibama aplicou multa de R$ 50 milhões à empresa Florestal Cataguases LTDA. e Indústria Cataguases de Papel.
2007 – Rompimento de barragem em Miraí
Em janeiro de 2007 houve rompimento de barragem de mineração na região de Miraí/MG, causando um vazamento com mais de 2.280.000m³ de água e argila (lavagem de bauxita). Uma das placas do sistema de segurança que controla o nível de água da barragem quebrou, transbordando os resíduos líquidos. O incidente desalojou quase um terço dos moradores, correspondente a mais de 4 mil pessoas. O nível da água do rio em Muriaé também aumentou em mais de 4 metros, causando o alagamento de mais de 1200 casas. O órgão estadual aplicou multa de R$ 75 milhões à empresa Mineração Rio Pomba Cataguases.
2015 – Rompimento da barragem de Mariana
No dia 05 de novembro de 2015, a barragem de Fundão da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, rompeu-se, causando uma grande enxurrada de lama. A lama devastou o distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, em Minas Gerais, destruindo casas e ocasionando a morte de 19 pessoas, incluindo moradores e funcionários da própria mineradora. Além das perdas humanas e materiais, a lama que escapou em razão do rompimento das barragens provocou um grave impacto ambiental.
Impactos ambientais
O rompimento da barragem do Fundão liberou o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas de resíduos. A mistura, que era composta, segundo a Samarco, por óxido de ferro, água e muita lama, não era tóxica, mas capaz de provocar muitos danos. Inicialmente, pensou-se que a barragem de Santarém também havia sido afetada, no entanto, o que ocorreu foi a passagem dos rejeitos da outra (Fundão) por cima dessa barragem.
A liberação da lama provocou a pavimentação de uma grande área. Isso acontece porque a lama seca e forma uma espécie de cimento, onde nada cresce. Vale destacar, no entanto, que, em razão da grande quantidade de resíduos, a secagem completa do material poderá demorar anos. Enquanto isso, nada também poderá ser construído no local. Além disso, o material não contém matéria orgânica, sendo, portanto, infértil.
A enxurrada de lama atingiu o Rio Gualaxo – afluente do rio Carmo, que deságua no Rio Doce, que, por sua vez, segue em direção ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. O impacto mais perceptivo no ambiente aquático foi a morte de milhares de peixes, que sucumbiram em razão da falta de oxigênio na água e da obstrução de suas brânquias. Além da morte de peixes, micro-organismos e outros seres vivos também foram afetados, o que destruiu completamente a cadeia alimentar em alguns ambientes atingidos. Entretanto, não é somente a morte dos organismos vivos que afetou os rios da região, a quantidade de lama liberada provocou assoreamento, desvio de cursos de água e levou até mesmo ao soterramento de nascentes.
2019 – Brumadinho
O rompimento de barragem em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, resultou em um dos maiores desastres com rejeitos de mineração no Brasil. A barragem de rejeitos, cuja designação oficial era barragem da Mina do Feijão, classificada como de “baixo risco” e “alto potencial de danos”, era controlada pela Vale S.A. e estava localizada no ribeirão Ferro-Carvão, na região de Córrego do Feijão, no município brasileiro de Brumadinho, a 65 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
O rompimento resultou em um desastre de grandes proporções, considerado como um desastre industrial, humanitário e ambiental, com 231 mortos e 46 desaparecidos, contabilizados três meses depois do desastre. Esses números, no entanto, foram sendo alterados ao longo das buscas, com a localização de mais corpos ou partes de corpos, bem como novas informações sobre desaparecidos, chegando a 259 mortos e 11 desaparecidos, contabilizados onze meses depois do rompimento da barragem. O desastre pode ainda ser considerado o segundo maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho do Brasil.