Parte 2
O dia de amanhã. Todas as vidas Importam
Apesar dos religiosos citarem a mudança de caminhos como algo positivo, há receio em afirmar que isto possa acontecer de imediato. A vida pede por recolhimento aos ensinamentos e os princípios da fé, solidariedade e amor. Entretanto, o projeto político assume o protagonismo aproveitando-se da vulnerabilidade social e contaminando o processo. Dissemina a incomunicação pregando o contrário ao evangelho, bem como de outras doutrinas, discriminando e segregando a população entre nós e eles, num estado cada vez mais austero e distante do povo.
Para Cláudio Henrique de Castro, Doutor em Direito pela UFSC e Espírita, haverá uma transformação econômica. Mas, a transformação da solidariedade ainda é uma aposta deveras esperançosa. “As pessoas têm voltado os olhos para o quê nem estavam se importando. A família, as diferenças sociais, pessoas sem emprego, muita gente passando fome… Este é um momento de imposição de uma nova solidariedade mundial. De modo geral, as pessoas estão mais solidárias diante da pandemia em virtude dos laços afetivos e num recolhimento maior a Deus – não só os espíritas – temos orados mais. Todos os líderes religiosos têm vibrado juntos numa religião quase ecumênica, pois desconhecemos o vírus e, talvez, sairemos melhores do que entramos. Mais solidários, afetivos, fraternos, numa consciência planetária, pois estamos todos interligados”, diz.
Mike Vieira, Pastor da Congrega Church, mostra preocupação por se aproveitarem do momento para impor projetos políticos e, consequentemente, perderem o foco do processo. “No começo tinha uma visão um pouco mais otimista que a humanidade iria conseguir se preocupar com o próximo através das mortes e do sofrimento do outro. No entanto, a pandemia se tornou um projeto político que começou a contaminar e a perder o foco, por causa de líderes ambiciosos interessados com a reeleição, deixaram as vidas em segundo, terceiro plano e passei a ter uma visão pessimista. Vamos crescer em algumas áreas. Mas, talvez, venhamos a passar por momentos piores e isto me preocupa”.
A ascensão de governos autoritários de extrema direita, segundo Cláudio Henrique de Castro, são setores políticos que pregam o estado mínimo, o darwinismo social e a privatização dos serviços públicos. Acredita que estes governos autoritários que não pregam a solidariedade e carregam bandeiras individualistas, egóicas, não se sustentam e estão fadadas ao fracasso, pois o estado após a pandemia deve ser um estado social. “Caminhamos para um estado que se aproveita da crise econômica que acentua a crise, diferente do que ampara num mundo de regeneração e fraternidade, deixando pessoas morrendo como moscas. Como as declarações do presidente insensíveis e insensatas ‘vai morrer gente mesmo’, causando a quebra de isolamento social que irá gerar contaminação e exaustão dos hospitais. O estado social é uma realidade, um estado que ampare a todos não apenas os riscos”, explica.
O presidente Jair Bolsonaro com slogans “terrivelmente evangélico” e “Brasil Acima de Tudo e Deus Acima de Todos” apresenta muito mais preocupação no projeto político de reeleição e em atacar adversários do que prega o evangelho. Na busca incessante pelo poder, infelizmente, se distância do pensamento cristão ajudando mais a destruir do que a construir bases sólidas ao país. De acordo o Pastor Mike Viera “a pessoa que tem o compromisso com o evangelho [como o presidente diz ter] precisa estar comprometido com as questões sociais, a denúncia do opressor, a saúde, o meio ambiente, em proteger as vidas, a criação e cuidar do próximo”.
Para a irmã Zulmira nas lideranças religiosas existem “o mercenário e o pastor, que não vivem o evangelho que prega o respeito, a abundância e a vida em primeiro lugar. Que usam da religião para fazer os seus templos da fé que rouba o mais sagrado: A dignidade das pessoas. Sendo impossível falar do evangelho enquanto prega algo contrário”.
Os governantes usaram e usam a grande crença religiosa e a fé do povo em estado frágil para alçar seus projetos políticos e promover a discórdia. Como falsos profetas escondem-se no rebanho de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores que empregam uma forte carga de ódio e intolerância em seus discursos.
Conforme explica Cláudio Henrique de Castro, Espírita, “sem querer provocar a discórdia e a cizânia e instaurar o debate de fundo intolerante com nossos irmãos, mas o que houve foi a instrumentalização dos neopentecostais para apoiar esse grupo político, nas chamadas bancadas da Bíblia. Se aproveitaram politicamente dessas religiões para promover as eleições destes grupos em todos os sentidos nas esferas municipais, estaduais e nas majoritárias do congresso nacional e do executivo. De forma a promover a intolerância contra a diversidade sexual, as religiões de matrizes africanas e a própria igreja católica que cultua imagens, totalmente contrário as nossas leis e a constituição”.
O presidente do Brasil discrimina, persegue LGBTs, faz brincadeiras com quilombolas e indígenas, além dos projetos trabalhistas que exploram o povo. Uma pessoa que fala em nome de Deus deve defender, ao mínimo, os vulneráveis e os pobres. Segundo completa Mike Vieira, líderes autoritários se esconderam atrás da igreja no contrário do que prega o mestre, e nunca as nações sofreram tanto sobre aba das lideranças autoritárias. “Jesus, veio como carpinteiro, numa periferia morreu pelo projeto de poder moralista da época, pessoas se escondem atrás do evangelho para oprimir o povo. Jesus caminhava para trazer dignidade aos pecadores, para proteger os vulneráveis, andava com prostitutas e tinha mais prazer com os pecadores do que os fariseus, temos uma liderança que odeia as pessoas que Jesus amou, o moralismo que prega o ódio”, fala com vigor.
O budismo pautado na filosofia da valorização da vida propõe o diálogo com respeito a diversidade e as diferenças, para que neste contexto toda a vida tenha importância. Sendo a promoção da paz princípio da religião, ela também é a manifestação concreta dessa nova civilização e o enaltecimento do humano em primeiro lugar. Isto não deve ser entendido apenas na teoria, mas também no dia a dia da religião trazendo alegria e esperança contagiando positivamente as pessoas. Como cita Andrey Luna Giron, praticante do Budismo Nicheren Daishonin da BSGI, “o nosso líder Daisaku Ikeda diz que a grandiosa revolução humana de uma única pessoa, irá um dia impulsionar a mudança total do destino de um país, e além disso, será capaz de transformar o destino de toda a humanidade”.
No momento em que a sociedade mais precisa dos seus governantes, encontra-se completamente desamparada meio aos mandos e desmandos presidenciais, presidente este que parece preocupado apenas com o projeto de reeleição e em demonstrar sua posição de combate contra os frágeis, fazendo pouco do maior capital de uma nação: a vida. As pessoas precisam do amparo de um Estado Social, que englobe todas as esferas – pentecostais, católicos, umbandistas, não religiosos, brancos, pretos, índios e mestiços, pobres e ricos, dentre outros – e não que apenas intensifique as diferenças e imponha barreiras ideológicas. Sendo o governo responsável em promover estabilidade no país, não pode este disseminar o medo e a discórdia. A iluminação da consciência humana é a cura para a pandemia que está dentro de cada um de nós.
Fontes:
- Cláudio Henrique de Castro, Doutor em Direito e estudioso das religiões e do direito canônico, espírita. Frequenta a Umbanda e o Kardecismo.
- Mike Vieira, Pastor da Igreja Congrega Church, Ativista Social, há 10 anos.
- Irmã Zulmira Alves de Araújo, Igreja Católica, Irmãs Franciscanas de São José.
- Andrey Luna Giron, praticante do Budismo Nicheren Daishonin da BSGI-Brasil Soka Gakkai Internacional