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O sonho de Darci

 

Quando Darci entrou em quadra sabia que aquele não seria um jogo qualquer. Era a primeira vez que atuava como capitão da equipe e, diante de tal responsabilidade, não era apenas o calor da capital carioca que o fazia transpirar. Na torcida gritos, batuques, bandeiras e cornetas. O jogo seria “quente”. O que aconteceria em quadra não se resumia apenas a partida de abertura do Mundialito 2014, mas também um embate contra um dos maiores rivais do Brasil nos esportes: a Argentina. Entre os torcedores na arquibancada estavam, além da mãe de Darci e alguns amigos, o governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão e um dos sujeitos que mais intimidade teve no trato da bola: Zico, o “Galinho de Quintino”. A responsabilidade não podia ser maior e o capitão, vestindo a camisa número 9 e com os cabelos pintados de verde, mostraria a que veio.

Depois do apito inicial, aos dois segundos de jogo, Darci lança a bola, o goleiro rebate e Bernardo Borges abre o placar para o Brasil. O alarido da torcida é ensurdecedor. Dois minutos depois, nossa seleção pressiona a saída de bola forçando o erro dos Hermanos e faz 2 a 0. Mas o jogo não foi fácil. A Argentina pressionou e empatou. A partida ficou tensa, houve invasão de campo e aos cinco minutos do segundo tempo com um petardo da entrada da pequena área o Brasil ficou na frente de novo. O entrosamento da nossa seleção é marcante e não se dá apenas dentro de quadra. A importância da comissão técnica é evidente quando acontece uma falta e um membro da delegação corre para recolocar os óculos no rosto de um dos atletas. Assim o jogo continua quente e o Brasil faz 4 a 2. Minutos depois na cobrança de uma falta o goleiro da seleção Argentina vai para a área e faz o gol deixando o placar apertado de novo. Até que, faltando cinco minutos para o fim da partida, depois da cobrança de uma falta o goleiro da albiceleste rebate e enfim brilha a estrela de Darci que crava o quinto tento no placar dando a vitória para nossa seleção por 5 a 3.

Darci, o governado Pezão e Zico

Darci, o governado Pezão e Zico

O jogo, válido pela primeira rodada do I Mundialito de Power Soccer, é um marco na vida de Darci que brilhou na competição em que participaram, além de Brasil e Argentina as seleções do Uruguai, Canadá, Austrália e EUA. No fim os estadunidenses levaram a taça, confirmando o favoritismo de um dos pioneiros do futebol sobre cadeira de rodas. Modalidade onde atletas com sérias limitações de movimento, como tetraplégicos e portadores de paralisia cerebral protagonizam embates impressionantes.

A Talidomida

Há 27 anos, quando Dona Olivia fez uma das poucas ecografias durante sua gravidez o bebê parecia estar de costas e o que surgia na parte superior do tronco assemelhava-se às mãos da criança em uma espécie de abraço no próprio corpo. Já o que se mostrava na parte inferior dava impressão de ser a ponta de dois pezinhos que se apresentava naquela posição porque as pernas estariam dobradas “O médico chegou a nos dizer que talvez o Darci precisa-se fazer uma cirurgia nas pernas por causa da posição em que elas estavam”, lembra a mãe de Darci. No entanto, no parto veio o choque. Darci Meneguelo Junior nasceu com má formação, sem braços e pernas. Logo a família descobriu que o responsável foi o medicamento Talidomida, composto que integrava uma formula para emagrecer tomado por Dona Olivia durante a gravidez. “Quem fez esse medicamento foi um laboratório aqui de Curitiba. Depois do nascimento do Darci a minha receita misteriosamente sumiu dos registros dessa empresa”, conta.

Desde 1954, o remédio Talidomida está no mercado mundial. Ele foi desenvolvido por alemães, e tinha o objetivo de controlar a ansiedade e os enjoos das mulheres grávidas. Mas, a partir de 1960, foi descoberto que o remédio provocava a má formação dos fetos dessas gestantes. Isso acontece porque os efeitos ultrapassam a barreira placentária e interferem na formação do feto que fica com os membros junto ao tronco encurtados, além de poder ficar com defeitos visuais, auditivos, na coluna vertebral, no tubo digestivo e problemas cardíacos.

Por conta dessa descoberta a Talidomida foi proibida no mundo todo a partir de 1961, mas no Brasil isso só aconteceu em 1964. Em 1965, o Dr. Jacobo Sheskin, médico israelense, descobriu que o remédio era eficaz no tratamento da Hanseníase e ele voltou a ser comercializado no país. Com a volta da comercialização vieram mais problemas  e em 1997, o uso da droga, por mulheres que estavam em idade fértil, foi proibido.

Os feitos

Falar em superação ao se referir a Darci é “chover no molhado”. O jovem atleta é muito mais do que os clichês jornalísticos tentam definir. Formado em Tecnologia da Informação ele produz logos, edita fotos e faz artes para diversos amigos. No caminho de sua casa no Boqueirão, confesso que uma de minhas maiores curiosidades era com relação a como ele trabalha com o Photo Shop e o Corel Draw, além da velocidade com que me respondia as mensagens por meio do in box no Face Book. Mirabolei diversas teorias, como aplicativos de voz, entre outras. Mas na casa de Darci veio a surpresa: O método é o mais “simples” possível. Com o auxílio de uma caneta, que Meneguelo apoia com a boca, e com o dedo que acompanha seu ombro direito ele domina os programas de edição. Talento puro, simples assim.

Formado em TI Darci faz artes e edita fotos para os amigos

Formado em TI Darci faz artes e edita fotos para os amigos

Power Soccer

O futebol em cadeira de rodas motorizada é uma modalidade paradesportiva, conhecida no mundo como Power Soccer ou Powerchair Football. É um esporte de equipe, para pessoas de qualquer sexo ou idade que usam cadeira de rodas motorizada para sua locomoção diária. Esses participantes incluem pessoas com tetraplegia, esclerose múltipla, distrofia muscular, paralisia cerebral, traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, lesão medular e outras deficiências que causam comprometimento nos membros inferiores e superiores, impedindo, os que as possuem, de praticarem a maioria das modalidades paradesportivas que existem.

Darci é um dos pioneiros nessa modalidade que no Brasil existe há pouco mais de três anos. Já foi convocado duas vezes para a seleção brasileira e em uma das oportunidades defendeu as cores verde e amarela no I Mundialito de Power Soccer quando terminamos em quarto lugar. Hoje joga no Curitiba Power Soccer e treina geralmente uma vez por semana. “Treinamos muitas táticas, porque esse esporte envolve várias estratégias de ataque e de marcação sob pressão”, revela.

Surpreso ao ser escalado como capitão pela técnica da seleção partiu com a mãe e outros colegas para o Rio de Janeiro em maio do ano passado. Na delegação, Dona Olivia faz mais do que o papel de mãe. É roupeira, cozinheira, massagista e auxiliar técnica. Ajuda a vestir os atletas, muitos deles mexem apenas os olhos e um ou dois dedos de uma das mãos. No entanto, as severas limitações de movimento não os impede de fazer uma algazarra como a que fizeram em um apartamento no Rio enquanto jogavam truco e devoravam seis pizzas grandes. “Eles fazem bastante fervo. Estou muito envolvida com o time e acompanho o Junior em todas as viagens”, conta Dona Olivia.

Parece improvável que pessoas que tinham, aos olhos da maioria, limitações para passar os dias em cima de uma cama, protagonizem jogos tão disputados como os que acontecem no Power Soccer. As partidas são vibrantes. A velocidade das cadeiras é limitada a 10 km/hora, já que os jogadores se empolgam na velocidade em quadra. Muitos praticam o esporte com o pescoço fixado pois não sustentam a própria cabeça. Porém, na disputa, a bola que tem duas vezes o diâmetro de uma de basquete, leva violentas pancadas vindas do “foot guard” (parte inferior da cadeira que tem uma estrutura metálica). É aí que mora o segredo: Com um giro de 360 ° o jogador bate na bola que geralmente tem como endereço certo o gol. “Os chutes realmente são fortes”, diz Darci.

Em meio aos jogos a equipe conseguiu tempo para jogar truco, comer muitas pizzas e, é claro, contemplar o belo mar de Copacaban

Em meio aos jogos a equipe conseguiu tempo para jogar truco, comer muitas pizzas e, é claro, contemplar o belo mar de Copacabana

Hoje no Brasil há pouco mais de 30 atletas praticando o Power Soccer. Os motivos para o pequeno número de adeptos são a pouca divulgação do esporte, a falta de patrocínio e de condições financeiras por parte dos atletas (uma cadeira de rodas elétrica custa em torno de R$ 8 mil e uma própria para a competição chega a custar 8 mil dólares). O pai de Darci precisou adaptar a sua para que ele pudesse jogar.

Hoje o Curitiba Power Soccer, comandado pelo técnico Ramiro de Freitas, busca patrocínio para jogos e viagens e pretende voltar ao Rio de Janeiro nos próximos meses. Darci é otimista  e tem como sonho que o esporte atinja o patamar de paraolímpico. “Quero muito que o Power Soccer se torne um esporte paraolímpico. Estamos trabalhando muito para isso, fazemos apresentações em escolas para divulgar o esporte e continuamos buscando patrocínios, pois temos a consciência da importância que essa prática pode ter a seus atletas”.

Primeiro jogo do Mundialito de Power Soccer: Brasil 5 x 3 Argentina

Fan page do Curitiba Power Soccer: https://www.facebook.com/curitiba.powersoccer?fref=ts

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.