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O Samba de Criolo – Reflexões sobre o cotidiano, família e amor invadem o Guaíra

“Alegria tem gosto de povo, tem cheiro de vida, não é aquele samba de camerata as pessoas levantam, dançam, batucam, falam um monte de merda e ainda fazem coro” (Não se esqueça de Mim – Parágrafo 2)

Na noite do último dia 17, o cantor Criolo subiu ao palco do Teatro Guaíra, em Curitiba, com o repertório do mais recente trabalho intitulado Espiral de Ilusão, dedicado ao samba. O saudosismo presente nas interpretações acaloradas e dançantes fez o rapper de 42 anos entre uma música e outra perder o fôlego.

O público que lotou o teatro dispensou o uso das poltronas desde o início do show entoando em coro as canções, ouvindo atentamente e com reverência às reflexões dadas com afeto sobre diversidade cultural, desigualdade social, de gêneros e, principalmente, família e amor ao próximo.

A abertura do show com a música Nas águas pedindo licença em oração para adentrar o terreno sagrado do samba, “Nas águas do mar eu vou me benzer, vou me banhar, Nas águas do mar eu vou pedir perdão, pra abençoar”. Emanava do palco boas energias e esperança para os que acompanhavam num mar de braços hasteados e balançantes lições de amor “vamos gente, vagabundo,favelado também ama, manda coração, manda coração” se dirigindo a banda com gestos de lançar para o público.

Nascido na Favela dos Imbuais, zona sul de São Paulo e com berço no rap nacional, sente contente de quebrar esta barreira e ver a estrada que trilhou para estar presente num espaço destinado as elites. Há 15 anos Criolo relembra que se apresentou para cerca de 30 pessoas na cidade, quando para a maioria do público de quase 2.173 pessoas que ocupou o Guairão, ainda era um desconhecido. Mas, mesmo diante do sucesso conquistado e com os pés bem firmes no chão o cantor dispara efusivo como desabafo “palco não faz ninguém melhor, palco não põe você acima de ninguém, perdi pessoas que amo por causa dos meus vacilos, tenho coisas boas e meus erros também como qualquer ser humano, aqui todo mundo é igual”.

Interpretando com emoção e nervos de aço os sambas do disco Espiral de Ilusão, pediu luz para os professores do Estado do Paraná com o teatro iluminado apenas por celulares e isqueiros, refletiu sobre a vida pedindo espaço para compartilhar as dificuldades da família do pai, metalúrgico, seu Cleon, e da mãe, professora, Dona Vilani, “lembro de acordar cedo e ir para a fila do SUS com minha mãe”, deu uma pausa na respiração ofegante e lançou os versos “as 4 da manhã ele acordou, tomou café sem pão e foi pra rua, por o bloco pra desfilar […] atravessou o morro e do outro lado da nação levou um susto ao ver um povo que não tem com o que se preocupar”.

O rapper paulista emocionado não se conteve ao protocolo de seguir a risca o repertório quando da plateia surgiu o pedido de Casa de Mãe, “vamos atender aos pedidos hoje, vamos fazer o correio elegante”. O grupo regido pelo companheiro de outros trabalhos como Nó da Orelha, Convoque Seu Buda e Ainda tempo, chamado carinhosamente de maestro, Daniel Ganjaman com o Ricardo Rabelo (cavaco) Gian Correa (violão sete cordas) de Alemão, Guto Bocão e Maurício Badé (percussão) e Ed Trombone (sopros) completam entre ritmo e harmonia a equipe de técnicos e ajudantes que fizeram o espetáculo acontecer.

O músico Criolo numa noite inspirada se mostrou a vontade no palco do Teatro Guaíra, quebrando tudo e levando um público hibrido e diversificado a felicidade e, mesmo que efêmera, a restituição de uma pequena esperança ofuscada por este tempo cinza, mas “Ainda há tempo”. Mostrando a necessidade de se quebrar barreiras, empoderar e respeitar os direitos e a constituição dessa sociedade que vive um apartheid social entre ricos e pobres, negros e brancos, de esquerda e direta, machismo e feminismo, numa luta às vezes estúpida que apenas tem como solução o mais simples dos predicados, o amor.

Criolo, ainda voltou para o repeteco da canção “Nas águas” fez a oração para entrar e humildemente agradeceu a despedida. E, antes de encerrar desferiu como um tiro, simples e a capela, sem samplers, pandeiros, na voz crua e gélida das ruas de Sampa os versos em coro de Ainda há tempo. Não é um rapper que faz samba, irmãos e descendentes que moram na mesma casa, mas um artista que deseja alcançar com as mãos e o coração cada ínfimo pedaço de cada ser humano presente naquele teatro.

 

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Fotos e Vídeos: Fernando Fernandes

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About Mario Luiz Costa Junior

Jornalista e Músico, integrante colaborador do Parágrafo 2. Cronista urbano e repórter de cultura e sociedade, tem como referência os textos literários e jornalísticos de Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, da lírica de Cartola e da confluência de outras artes, como o cinema, no retrato do cotidiano no enfoque da notícia. Acredita que viver é um ato resiliente no caminho de pedra para a luz.