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O que uma simples atribuição de aulas nos diz sobre a situação da educação brasileira?

Coluna Pão e Pedras: Amenidades e Poesia

Quando se fala em educação no Brasil há um consenso, que atravessa todas as classes sociais. O discurso hegemônico, criado pela ideologia neoliberal e materializado em grande parte da população desde as ditaduras militares da América Latina, diz que a escola pública não possui qualidade acadêmica, o que nos faz ter índices baixos nos rankings internacionais no que se refere à educação. Os alunos não aprendem e entram em contato com todo tipo de coisa na escola. Os grandes responsável por esta situação são, tanto para as elites quanto para grande parte da população das classes mais baixas são, os professores. Mal formados, preguiçosas, cansados, são eles que não conseguem lidar com suas turmas e ensinar o básico às classes mais baixas, e isso explicaria a miséria em que vive boa parte da população. Pretendo, aqui, debater alguns destes mitos para que se reflita sobre o que se encobre no discurso oficial quando se fala em ensino público em um país onde ninguém quer ser professor.

Para expor tal situação, reconto o fenômeno humilhante que foi a distribuição de aulas ocorrida no Estado do Paraná no dia 03 de Fevereiro deste ano. Marcada inicialmente para o dia 02 de Fevereiro, a distribuição de aulas para os professores foi transferida para o dia seguinte sem qualquer aviso oficial. O clima na categoria é de apreensão e insegurança desde o começo do ano, uma vez que o governo realizou um corte da hora atividade, parcela da remuneração destinada ao trabalho realizado fora da sala de aula, como a preparação de materiais, aulas, conversas e reuniões com pais, alunos e direção. Tal fato gerou, por si só, o desemprego de 7 mil professores temporários, além do aumento da carga de trabalho – sem aumento de remuneração – aos professores que permanecem em sala de aula. Restringe-se o número de aulas para aqueles professores que apresentaram qualquer tipo de afastamento (inclusive médico) nos últimos 5 anos, levando ao comprometimento da vida de um profissional que, por exemplo, esteve doente e precisou se afastar do trabalho por licença médica. Fala-se sobre uma greve, na qual a categoria não deposita crédito devido a insegurança em relação a uma direção sindical sem inserção entre os profissionais desde a forte repressão policial de 29 de Abril de 2015. Todos encontram-se tensos devido às mudanças ocorridas, a ponto de uma professora falecer vitima de um Acidente Vascular Cerebral durante o processo de distribuição de aulas no Colégio Estadual Brasílo Vicente de Castro, no bairro do CIC, em Curitiba.

Fomos convocados a estar às 8 horas da manhã no Centro Estadual de Educação Profissional de Curitiba, no bairro do Boqueirão, para a distribuição de aulas nas disciplinas de Geografia, História, Filosofia e Ensino religioso. O processo, lento e cansativo, se estendeu tarde e noite adentro, com pessoas cansadas, mães e pais com filhos pequenos e idosos participando dele. Muitos professores saem frustrados por terem que, muitas vezes, trabalhar em 3, 4, até 5 escolas diferentes, algumas distantes entre si. Consegui saber onde daria aulas este ano às 3:48 do dia 4 de Fevereiro. Por todo este tempo esperei junto aos outros professores e funcionários da secretaria, que por mais de 20 horas não puderam fazer uma pausa sequer.

Voltando ao início do texto, é muito comum culpar os professores, e não o Estado, pelos problemas de educação no Brasil. Temos salas de aula apertadas, sem infraestrutura, em escolas permeadas de problemas sociais e professores que lidam com uma burocracia infinita dia-a-dia, justificando-se o tempo todo para os pais, para a comunidade e para os governantes pelo trabalho que realiza. No entanto, o que a sociedade enxerga do processo educativo é o momento da sala de aula, e nada além dele. Nas notícias de jornal, enquanto degrada-se o ensino público gratuito, não há qualquer menção à rotina de educadores que, para além do tempo que passam com crianças, jovens e adolescentes, ainda levam um bocado de trabalho para casa, corrigindo provas, trabalhos e preparando aulas e atividades. Costumo dizer que para cada aula que aplicamos, é necessário o tempo de uma outra aula para preparar tudo de maneira adequada. Mas nada se mostra por detrás das cortinas escuras da escola.

Por volta da 1h da manhã, crianças, jovens e idosos são postos em situação humilhante durante a atribuição de aulas. O processo terminou mais de 4 horas da manhã.

Enquanto isso, nas camadas mais pobres da população, acaba-se não conseguindo terminar o ensino básico por ter que trabalhar desde muito cedo para ajudar nas contas de casa. Entre trabalhar como caixa de supermercado para comprar comida ou ir pra escola onde, em muitos casos, sequer há uma merenda adequada, a escolha mais fácil para quem passa por necessidades – do corpo ou da fantasia – é óbvia. Enquanto isso, professores são mal tratados pelo Estado e lidam com uma pressão muito forte no trabalho cotidiano, sofrendo de adoecimento psicológico com frequência e que, quando se manifestam por uma mudança nesta situação, são violentamente reprimidos pela polícia.

Se este caso da atribuição de aulas em Curitiba deixa alguma coisa clara, é que um Estado com uma arrecadação enorme, como o Paraná, consegue colocar-se como vanguarda de um projeto conservador que gasta muito dinheiro lavando calçadas, paredes a pobreza e a contradição visível. No dia 29 de Abril de 2015, em repressão à greve dos professores, o governo paranaense utilizou uma bomba para cada 15 professores, dando 15 tiros de bala de borracha  por minuto em direção aos profissionais, utilizou-se de cães e bombas soltadas de helicópteros em uma operação de guerra que custou 234 feridos e cerca de R$ 1 milhão aos cofres públicos. O dinheiro gasto com a repressão foi muitas vezes maior do que o gasto com estrutura e funcionários para a atribuição de aulas, o que nos mostra que a prioridade do governo é a repressão policial ao invés da educação de qualidade. Neste ano de 2017, fiquemos atentos à luta e às pautas da educação. Ano passado as ocupações de escolas por secundaristas sacudiram o cenário nacional em uma movimentação iniciada no Paraná. Este ano nos promete muito mais. Estamos sentados sobre um barril de pólvora, e ele há de explodir. Até lá, temos que estar prontos!

 

About Kauê Avanzi

Kauê Avanzi é doutorando em Geografia pela FFLCH-USP, educador no Ensino Básico, poeta e músico. Gosta de escrever, se divertir e confraternizar.