Últimas Notícias
Home » Educação » “O que estamos cobrando do governo é muito pouco diante do que ele nos deve”

“O que estamos cobrando do governo é muito pouco diante do que ele nos deve”

No último dia 15 de junho professores e funcionários da Secretaria Estadual de Educação (Seed) decidiram entrar em greve por tempo indeterminado, a partir do dia 25 de junho. A decisão foi tomada após assembleia estadual extraordinária da APP-Sindicato. Com a decisão, os professores vão se juntar a outras categorias do serviço público estadual na greve unificada convocada pelo Fórum das Entidades Sindicais (FES). Segundo o FES, a data-base venceu no dia 1º de maio e os servidores da educação, saúde, segurança e outras categorias do serviço público estadual estão sem correção desde 2016. A defasagem passa de 17%.

Para entender um pouco mais as demandas dos professores e servidores do Paraná e todo o cenário que leva Ratinho Junior a encarar uma greve já no seu primeiro semestre de mandato, o Parágrafo 2 entrevista o professor Luiz Carlos Paixão da Rocha. Professor de língua portuguesa da rede estadual de educação do Paraná, Paixão é natural de Londrina, é licenciado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, tem Pós-graduação em nível de especialização, em Organização do Trabalho Pedagógico, e Mestrado em Educação, em Políticas e Gestão em Educação pela UFPR. Foi dirigente estadual da APP-Sindicato. Atualmente é diretor executivo da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Além da área da educação, prof. Paixão tem atuação no movimento sociais negros do Paraná.

Confira:

Parágrafo 2: A Greve unificada, convocada pelo Fórum das Entidades Sindicais e decidida em Assembleia neste final de semana, representa a insatisfação e luta pelos direitos de outras categorias além da educação. Servidores de quais outras categorias devem aderir à greve?

Prof. Paixão: A greve unificada dos servidores públicos do Paraná é a maior demonstração do descaso e da falta de valorização profissional efetuada pelo governo do Paraná nos últimos anos. Beto Richa, Cida Borghethi e agora Ratinho Junior viraram as costas ao funcionalismo do Paraná. Sem o direito da reposição anual das perdas salarias, estamos forçadamente mais empobrecidos a cada mês que passa. Enquanto tudo sobe, há quatro anos, angustiados observamos nosso salário ter um poder de compra cada vez menor. A situação está insustentável, por isto a greve.  Se já não bastasse os parcos salários enfrentamos a sobrecarga de trabalho e o desrespeito e ameaça de corte de vários direitos que os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público conquistaram com muita luta ao longo do tempo.  
O que estamos cobrando do governo é muito pouco diante do que nos deve. No caso dos professores, além da data-base (17%), o governo descumpre a Lei Nacional do Piso Salarial Nacional – PSPN.  Hoje o Piso Inicial da Carreira do Paraná é 33% menor do que o Piso Nacional.

Parágrafo 2: A questão salarial é a única pauta da greve, ou nela existem também outras demandas como questões ligadas aos professores que trabalham no Regime PSS, o fechamento de turmas em colégios, o corte de verbas nas universidades estaduais e a falta de concursos públicos, ou mesmo temas ligados ao currículo escolar como a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?

Prof. Paixão: Na educação temos outros itens fundamentais motivadores da greve relacionados às condições de trabalho dos educadores e educadoras, e a qualidade de ensino ofertada à população paranaense. O modelo de educação empresarial, voltado a busca de dados quantitativos implementado pela nova gestão da Secretaria Estadual de Educação já se mostrou no passado ineficaz e desnecessário. A lógica empresarial, da competição e de policiamento implementada pela Seed nas escolas só tem agravado o desgaste profissional, o quadro de desesperança e de adoecimento da categoria.

As medidas que o Secretário de Educação do Paraná tenta implementar no Paraná levaram a educação do nosso estado, durante o governo Lerner, a amargar péssimos índices de qualidade de ensino. A partir de financiamento do Banco Mundial, o governo Lerner implantou um sistema de provas e avaliações para “medir” o grau de aprendizagem dos estudantes, instituiu prova para diretores de escolas, ampliou os contratos temporários, institui um ranking entre as escolas, entre outras medidas, que pretendiam reduzir os recursos já parcos investidos na educação. Para ampliar a taxa de aprovação dos estudantes e reduzir o tempo deste na escola, chegou a implantar um Programa denominado “Correção de Fluxo”, que com alguns meses de aula, o estudante poderia avançar da sexta série para o ensino médio.

Feder e o governador Ratinho caminham na mesma direção. Como se a escola fosse uma empresa, a Seed colocou tutores para fiscalizar as escolas, criou a Prova Paraná e criou uma série de mecanismos burocráticos para diminuir a taxa de repetência nas escolas.

PSS – Uma das principais preocupações hoje presentes na pauta da greve são os contratos temporários na educação. Milhares de professores e funcionários são contratados no Paraná pelo Processo de Seleção Simplificado. Estes, que constitucionalmente deveriam ser de fato contratos temporários, para suprir situações de atendimento emergenciais, como uma licença medida de um educador efetivo, se transformaram, na prática, em contratos de longa duração.  Virou no Paraná uma forma de burlar a Constituição, que determina, na educação pública, o ingresso via concursos públicos.  Temos uma multidão de professoras trabalhando há mais de 14 anos de forma “temporária” nestes contratos precários. O que acontece com os educadores e educadoras PSS no Paraná é uma coisa desumana. Vivem em uma corda bamba. Estão a cada final de ano à mercê do fantasma do desemprego.                                                          Apesar de realizarem o mesmo trabalho dos professores e funcionários efetivos recebem salários menores, atuam em várias escolas, e o pior, não têm um horizonte de carreira. Isto tudo é muito nocivo para a condição de trabalho destes profissionais, e consequentemente para a educação. A experiência que obtive em aproximadamente 25 anos de trabalho na educação me deu a convicção de que nenhum governo irá melhorar os índices de qualidade de educação sem enfrentar esta questão. A realização de CONCURSOS PÚBLICOS periódicos é um imperativo para qualquer governo que tenha de fato em sua plataforma de gestão a melhoria da qualidade de educação.

Agora, a Secretaria de Educação anuncia que irá instituir um Teste para contratação de professores e professoras PSSs. Os critérios já anunciados só ampliaram o quadro de instabilidade dentro da escola. Além de uma prova escrita, o professor deverá passar por uma banca, que com certeza abrirá espaços para avaliações muito subjetivas. Os educadores e educadoras vêm na medida uma porta aberta para o desemprego. O que a Seed quer avaliar? A competência dos professores e funcionários de educarem? Estes já educam e há anos dedicam suas vidas ao ofício de ensinar nossas crianças. Ora, se o Estado quer instituir provas, o faça de forma consistente e adequada. Anuncie os concursos públicos, com vagas reais, valorizando inclusive o tempo de serviço destes profissionais nas provas de títulos

Parágrafo 2 – O Governo Beto Richa se imortalizou como inimigo dos servidores estaduais, principalmente os da educação. Foram muitas as turmas e escolas fechadas, os processos administrativos contra os professores e principalmente o “roubo” da Paraná Previdência e o massacre de 29 de abril. E quanto ao governo Ratinho Júnior, o trabalho do novo governador e de seu secretário de educação, Renato Feder, parece seguir os mesmos passos de Richa, já que no primeiro semestre de governo Ratinho anunciou corte de verba das Universidades Estaduais, além de negar reajuste aos servidores?

Prof. Paixão: Do ponto de vista da política educacional, o governo Richa aparentemente sem um projeto mais articulado, adotou ações, especialmente em seu segundo mandato, de redução dos investimentos na área, e de um total esvaziamento das políticas de melhoria da qualidade de ensino. Além de cortar parte da hora-atividade das professoras e professores, houve um esvaziamento de políticas essenciais, como por exemplo, o de formação continuada dos educadores (as). Nos últimos anos, não se percebeu nenhuma iniciativa, ou programa sólido implantado pela Seed. A Seed perdeu seu protagonismo, e a política educacional passou a ser gerida pelas Secretárias da Fazenda e Administração. Foi um desastre. Os educadores do Paraná deixaram de serem tratados como profissionais importantes para a educação. Começaram a ser tratados como números, como despesas, e em várias situações como inimigos do Estado. Percebo, que embora comungue de princípios comuns, a gestão do governo Ratinho tem um projeto mais elaborado e preciso do que o governo Richa. Em seus primeiros meses de trabalho, o Secretário de educação já deu fortes sinais deste projeto. Há em curso a adoção de uma lógica empresarial e mercantil no espaço público, e consequentemente, a redução do caráter público da escola. As parcerias com instituições como a Fundação Leman é um evidente sinal do caminho trilhado pelo governo.

O que acontece com os educadores e educadoras PSS no Paraná é uma coisa desumana. Vivem em uma corda bamba. Estão a cada final de ano à mercê do fantasma do desemprego.

Do ponto de vista da valorização profissional, temo que o governo Ratinho, embora com uma configuração diferente, e em início do governo trilhe os caminhos iniciados por Richa. Está evidente que o novo governo é adepto do discurso da redução do caráter público do Estado, ideário também conhecido como o Estado Mínimo. E neste modelo de gestão, um dos alvos principais são os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público. A greve unificada do funcionalismo público, já no primeiro semestre de governo é um bom indicativo.  Além de negar nossa data-base, o governo dá sinais que pretende acabar com o direito da licença especial, alterar os critérios de promoção na carreira e reduzir de forma gradativa diminuir o valor da folha de pagamento do estado. Esta visão de estado em voga no Paraná em consonância com o governo federal, sem a necessária resistência dos sindicatos, poderá trazer prejuízos enormes para os servidores e para o Estado do Paraná.

Parágrafo 2: Renato Feder afirmou em entrevista que sua principal meta é tornar a educação paranaense referência no país, levando o Paraná ao topo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Muitos especialistas em educação, entretanto, afirmar que o Ideb é um indicador insuficiente para avaliar a qualidade da educação e entre seus principais problemas está o estabelecimento de metas descontextualizadas, insensíveis aos contextos das redes públicas. Nesse cenário, quais as consequências para a educação paranaense com da ânsia do secretário em colocar nosso estado no “topo do Ideb”?

Prof. Paixão: A melhoria da qualidade de educação sempre será resultado de um processo de ações permanentes de curto, médio e longo prazo. Não existem soluções mágicas. Tudo é, e está em um processo contínuo, das políticas gerais até a sala de aula. E neste sentido, nem sempre os números materializam o processo educativo. Há vários fatores que o IDEB não consegue averiguar. Como posso comparar o esforço ou o êxito educativo entre escolas com condições de infraestrutura, de vulnerabilidade social diferenciadas? A adoção de mecanismos burocráticos e mecânicos para melhorar os índices do IDEB poderá em algum momento mascarar alguma realidade, mas dificilmente irá incidir sobre a qualidade ofertada para os estudantes em nossas escolas.

O processo educativo é complexo. Mais do que números precisamos discutir a escola em si, que basicamente é a mesma de 30 a 40 anos atrás. Precisamos discutir desde a estrutura dos prédios escolares, como o resgate da escola como espaço sólido e privilegiado do conhecimento, e o fortalecimento do papel dos educadores no processo de ensino e aprendizagem. Não acredito em nenhuma política de melhoria da qualidade de ensino que não venha e seja construída por aqueles que vivenciam cotidianamente as boas experiências e as dificuldades que enfrentamos.

Não acredito em nenhuma política de melhoria da qualidade de educação que não dialogue com o quadro assustador de adoecimento que vive nossa categoria. Não acredito em nenhuma política de melhoria da qualidade de ensino que não tenha como perspectiva investimentos em uma formação continuada consistente e valorização dos professores(as) e funcionários (as) de escola.  É preciso resgatar a esperança, o entusiasmo e o encantamento dos educadores com a profissão. Hoje estamos com a alma ferida por uma série de desmandos que temos sofridos nos últimos anos. Sem alterar isto, não vejo caminho para a educação do paranaense.

Parágrafo 2: A Prova Paraná, que mede o índice de conhecimento dos alunos da rede pública estadual e que foi aplicada no último dia 11, apresentou diversos erros de enunciado, grafia e impressão. Tal prova também se assenta sobre uma lógica de avaliação que não reflete a realidade dos estudantes do nosso estado?

Prof. Paixão: Como já disse, este processo de avaliação em larga escala já foi adotado no Paraná durante o governo Lerner. Qual foi o resultado? Aquelas avaliações melhoraram a qualidade da educação do Paraná? Não melhoraram. A avaliação não pode ser um fim em si mesmo. É só um instrumento que pode diagnosticar uma determinada situação em um determinado momento; e a partir dela traçar políticas substantivas para potencializar os acertos e minimizar os erros organizativos de todo o sistema. Estas avaliações, e olhe que já existem várias (Prova Brasil, SAEB, SAEP, entre outras) vem se caracterizando como uma tentativa de criar um clima de competição e ranking entre as escolas e sistemas de ensino. O Paraná parece caminhar na mesma direção. O esforço para, a fórceps e às pressas, (por isto os erros) colocar uma nova plataforma de avaliação de aprendizagem, desconsiderando as que já existem é uma demonstração de que o instrumento suplanta o seu resultado. Os resultados destas avaliações geralmente são analisados de forma muito superficial e aligeirada, ou se culpabiliza os educadores de sala de aula, ou a família dos próprios estudantes. Não é por aí. As avaliações deveriam indicar os caminhos para o fortalecimento e valorização da educação pública. Não basta só avaliar, esta é a parte mais fácil do todo. Mesmo sem provas, os educadores já sabem os gargalos da educação.

O processo educativo é complexo. Mais do que números precisamos discutir a escola em si, que basicamente é a mesma de 30 a 40 anos atrás.

Parágrafo 2: Que futuro se desenha para a educação pública no Paraná hoje, já que a educação básica, por exemplo, perdeu no país com o contingenciamento de Bolsonaro o equivalente a R$ 2,2 bilhões que afetarão o transporte escolar, a alimentação dos alunos, o fornecimento de materiais e a formação de professores.

Prof. Paixão: O futuro da educação brasileira não é promissor. Infelizmente estamos muito próximos da máxima de Adam Smith, em seu livro A Riqueza das Nações: “Educação para os filhos dos trabalhadores sim, mas em doses homeopáticas.” É isto que vejo. A elite brasileira, representada nas políticas educacionais contemporâneas querem reduzir de forma drástica os investimentos na educação pública. Quem puder e quiser uma educação de melhor qualidade precisa comprá-la no mercado educacional. Assim, temos uma escola pública precária para as classes dominadas, e um grupo de escolas privadas de primeira linha para os filhos das classes dominantes. Esta é a nossa tragédia, e ao mesmo tempo nosso desafio. Queremos uma escola pública de qualidade para todos e todas. É dentro desta limitação e contradição que milhares de educadores e educadoras fazem do ofício do bem ensinar um projeto de vida. Por isto, afirmo é, neste meio, que pulsa e brota todas as esperanças para a melhoria da educação brasileira.

 

Por meio de nota o Governo do Estado do Paraná se manifestou em relação à greve a ser deflagrada a partir do dia 25 de junho. Confira:

O diálogo é único caminho para o entendimento. Por isso, o Governo do Paraná reafirma a intenção de manter o debate pleno com os servidores estaduais para que sejam encontradas, de maneira conjunta, soluções para as questões que envolvem aumento da despesa com a folha de pagamento do funcionalismo. 
 
Na última sexta-feira (14), um grupo de dirigentes do Fórum das Entidades Sindicais do Paraná (FES) foi recebido no Palácio Iguaçu e apresentou relatório da entidade a respeito das contas públicas. Ficou ajustado que os dados serão avaliados e as negociações permaneciam abertas, de forma que possam ser encontrados pontos de consenso e interesse comum. 
 
Isso está mantido. A equipe do governo está trabalhando com o objetivo de encontrar um caminho de equilíbrio, que não coloque em risco as contas públicas, e não acredita que qualquer medida extrema seja o caminho a ser seguido por parte das lideranças sindicais.

Gostou desse conteúdo? Você pode ajudar o Parágrafo 2 a produzir mais matérias, reportagens, vídeos e artigos sobre educação, realidade indígena, imigrantes, cultura, entre outros. Acesse nossa campanha de Financiamento Coletivo no Catarse e veja as vantagens de ser um assinante!

https://www.catarse.me/paragrafo2 

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.