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O Piloto desgovernado do Parceiro da Escola

Com avaliações fora das balizas previstas pelo próprio edital, projeto piloto do Parceiro da Escola avalizou o novo edital da SEED com “ofensas legais e erros grosseiros de agentes públicos”, segundo parecer do TCE-PR  

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Reportagem de Diogo da Silva

A consulta pública que decidiu pela terceirização ou não de 177 escolas paranaenses foi finalizada no início da noite desta segunda-feira, 09 de dezembro de 2024. Ao total, 94 colégios alcançaram o quórum mínimo. Destes, 83 disseram não à terceirização, enquanto 11 optaram pelo sim. Apesar da derrota retumbante, segundo notícia publicada pela Agência Estadual de Notícias, cabe à SEED decidir o destino das 83 escolas que não obtiveram o quórum mínimo, resultando em possíveis 94 escolas a serem terceirizadas pelo Programa Parceiro da Escola a partir de 2025. 

O processo de votação aconteceu em meio a disputas judiciais, visto as liminares que impediram o voto dos jovens estudantes com 16 anos ou mais, que também garantiram o direito da SEED em decidir o destino das escolas que não obtiveram o quórum mínimo. Ainda segundo a notícia publicada pela agência de notícias do governo do Paraná, os dois colégios já terceirizados, Anita Canet e Aníbal Khury Neto, seguem no modelo terceirizado em 2025.   

Porém, para 2025, o valor proposto nos casos desses dois colégios é praticamente a metade do valor por aluno/mês pago para as empresas participantes do projeto piloto. No caso do Anita, por exemplo, de 15/01/2024 a 15/01/2025, o valor a ser pago para a empresa responsável pela administração totaliza R$ 8.496.000,00. No novo modelo, o valor anual de contratação do serviço será de R$ 4.872.815,21. Fica a dúvida para a comunidade escolar se o corte drástico no valor pago pelo governo refletirá no lucro dos empresários ou no serviço prestado às escolas.   

Desde junho, quando o projeto foi votado na Assembleia Legislativa do Paraná em meio a protestos de professores e alunos, peças informativas – que muito bem poderiam ser interpretadas como propaganda – do governo sobre o Programa Parceiro da Escola começaram a ser veiculadas na TV aberta e nas redes sociais. O cenário das propagandas eram os próprios colégios participantes do projeto piloto, enquanto os atores da propaganda eram os diretores, professores, alunos e seus responsáveis, que contribuíram com suas imagens e depoimentos para colocar na vitrine o plano de privatização de Ratinho Júnior e seu secretário da educação, Roni Miranda. 

Deixando de lado a produção da campanha publicitária para a ampliação da terceirização proposta pelo governo, quais foram os resultados alcançados pelo projeto piloto Parceiro da Escola que justificam sua implementação em  larga escala? Foi mais ou menos essa a pergunta feita pelo conselheiro Maurício Requião, na 39ª sessão ordinária do Tribunal de Contas do Estado do Paraná – TCE/PR, que aconteceu no dia 27 de novembro de 2024:   

“Para que serve um projeto piloto, conselheiro Ivens? Neste caso, para se avaliar a oportunidade, a adequação, a eficácia, a eficiência, a economicidade. Senhor procurador, não temos acesso a um relatório do projeto piloto! Não há uma informação que tenha sido extraída do projeto piloto para fundamentar o projeto definitivo. Então pra que foi feito o projeto piloto? Não posso deixar, ainda, de dizer isso: A nossa inspetoria, buscando informações sobre esse primeiro projeto de credenciamento, buscou documentos, buscou informações e elas não nos foram entregues. E mesmo não sendo entregues, agora seremos coniventes com a consequência?”

Apesar dos mais de R$ 37 milhões empenhados nos dois anos de funcionamento do projeto piloto em duas unidades das 2.100 da rede estadual de ensino, o governo do Paraná não apresentou de maneira oficial nenhum relatório sobre as atividades e seus resultados, quanto menos o que funcionou e o que não deu certo no projeto piloto Parceiro da Escola. Assim como os deputados estaduais aprovaram a lei estadual que criou oficialmente o programa, pais, alunos, professores e diretores dos 177 colégios selecionados disseram sim ou não sem embasar essa escolha em dados transparentes, de acordo com as melhores práticas de gestão pública exigidas em tempos onde tudo é mensurado em dados.  

No esforço de tornar público ao menos algum resultado do Parceiro da Escola, o Parágrafo 2 fez uma solicitação com base na Lei de Acesso à Informação e obteve um documento inédito e revelador sobre os resultados obtidos pelo projeto piloto. O documento requisitado foi a avaliação mencionada pela Comissão Técnica de Acompanhamento do Projeto “Parceiro da Escola” na resolução Nº 600/2024 GS/SEED, conforme exposto no processo que tramitou no Poder Judiciário do Estado do Paraná, em face da greve dos profissionais da educação pública do estado do Paraná em junho deste ano, durante a votação na Alep da lei que criou o Programa Parceiro da Escola.     

Segundo a já citada resolução da SEED: “Informe-se que foi realizada a avaliação de entrada específica para as Instituições de Ensino participantes do Projeto Parceiro da Escola no dia 12/03/2024, sob a responsabilidade de aplicação do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação – CAEd, vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Até a presente data, os resultados não foram divulgados” – Juiz de Fora também é a cidade de origem de um dos CNPJ que atua no Programa Piloto Parceiro da Escola: Consórcio Espaço Mágico/Sudeste, que administra o Colégio Anita Canet. 

O documento obtido com o pedido é timbrado pelo referido Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação – CAEd, porém, não apresenta nenhuma assinatura do corpo técnico responsável pelas avaliações. Com trabalhos realizados em diversos estados e inclusive para o Ministério da Educação, o CAEd desenvolve e coordena processos de avaliação há mais de 10 anos no Paraná, contando com uma página exclusiva onde organiza publicações decorrentes dessas avaliações. Atualmente é responsável pela Prova Paraná Mais que, segundo explicado no próprio site do governo, “é uma avaliação em larga escala, que avalia, de forma censitária, o desempenho dos estudantes” dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, além dos 3º e 4º anos do ensino médio, cujos resultados “servem de base para implementação de políticas públicas educacionais e de práticas pedagógicas inovadoras nas escolas estaduais”. 

Diferente dos trabalhos apresentados na página específica sobre a educação paranaense, o documento timbrado pelo CAEd enviado ao Parágrafo 2 pela SEED não traz informações detalhadas sobre a metodologia, quantos alunos participaram e sequer as legendas necessárias para entender as tabelas com as notas alcançadas por cada série. Outro fator interessante é que as notas não foram individualizadas por instituição, como previsto no edital que regula o projeto piloto Parceiro da Escola – embora o projeto seja o mesmo, cada uma das duas escolas está sendo administrada por empresas diferentes.       

Segundo o edital produzido pela Paraná Educação que regulamentou o projeto piloto Parceiro da Escola, especificamente no “Anexo II – Metas”, “nos primeiros 30 dias, contados no início do período letivo, será aplicada uma prova objetivando aferir a nota de cada Instituição de Ensino (Nota Diagnóstica)”, cabendo a SEED a responsabilidade de aplicar a prova a no mínimo 80% dos alunos matriculados em cada unidade escolar terceirizada. Ainda segundo o documento, “ao final de cada ano letivo será aplicada uma prova para atestar o cumprimento da meta indicada, tendo por base a nota diagnóstica”. 

A mudança de metodologia citada e a falta de transparência, ou mesmo a inexistência de uma “avaliação de saída” com as turmas de ambos os colégios participantes do projeto piloto do Parceiro da Escola em 2023 lançam dúvidas sobre quem se beneficia com esse desencontro. Sobretudo, beneficiam-se as empresas contratadas, visto que os números apresentados na avaliação não falam a mesma língua do que é previsto no edital, tratando-se de outro código. Beneficia, certamente, as pretensões do governo, que pode continuar sua campanha publicitária sem confrontar-se com qualquer tipo de informação técnica. 

Segundo informado pelo CAEd no documento “para o projeto Paraná – Parceiros da Escola, em 2024, realizaremos duas avaliações: uma primeira avaliação de entrada, realizada em 12/03/2024 e uma segunda avaliação de saída, a ser programada e realizada, por sugestão nossa, em novembro de 2024”. Como dito acima, apesar do CAEd dizer que a avaliação de saída seria uma “sugestão nossa”, o Edital já previa uma prova ao final de cada ano letivo, para “atestar o cumprimento da meta”. Causou estranheza que o documento enviado não apresente as notas da “avaliação de saída” de 2023, conforme informado: “Apresentamos, nesta Nota Técnica, uma comparação dos resultados da avaliação de entrada de 2024 com a avaliação de entrada de 2023”. Previsto pelo edital e sugerido pelo próprio CAEd, a “avaliação de saída” caracteriza-se como instrumento fundamental para a comparação dos resultados de cada ano letivo. A omissão deste dado parece comprometer todo o processo de avaliação, além de evidenciar o descumprimento do edital, prejudicando a avaliação da sociedade.

Questionado sobre as avaliações de entrada e saída de 2023, a Paraná Educação respondeu que “sim, a avaliação de entrada foi realizada no início do ano letivo de 2023 e a de saída no início do ano letivo de 2024”, especificando as datas de cada uma, “a avaliação de entrada de 2023 foi realizada no dia 12/04/2023 e a de saída em 12/03/2024”. A informações, porém, entram em contradição com o documento apresentado pelo CAEd, como já citado entre aspas acima, que classifica a avaliação de saída realizada em 12/03/2024 como avaliação de entrada, e não de saída, como alega a Paraná Educação.   

Além de avaliar o desempenho de cada instituição, os resultados da avaliação tinham por objetivo gerar um índice a ser comparado com as metas de desempenho estabelecidas pelo edital, que inclusive determinariam se a empresa sofreria um abono ou um desabono na continuação do contrato, e que mesmo a renovação do contrato só aconteceria mediante tais resultados – conforme o edital. Porém, à primeira vista é possível notar que, além de não informar os resultados da “avaliação de saída”, a metodologia proposta pelo edital da Paraná Educação – com notas de 0 a 10 – não condiz com a escala de proficiência utilizada pelo CAEd na avaliação do Parceiro da Escola, que optou pela escala de 0 a 500, a mesma utilizada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB e pela Prova Paraná Mais.

Entender quem é o CAEd e conhecer seu histórico de atuação no Paraná foi fundamental para conseguir decifrar o documento apresentado. Foi pesquisando o vasto conteúdo sobre o Paraná no site da Instituição que encontramos o Sumário Executivo do SAEP – Prova Paraná Mais 2022 – SAEP pode ser considerado o SAEB do Paraná -, caderno em que, muito diferente da Nota Técnica do Parceiro da Escola, o CAEd explica nos mínimos detalhes sobre a metodologia, sobre os resultados, com comentários e conclusões sobre cada informação. Observando os resultados em Língua Portuguesa e Matemática do SAEP 22, notamos que, assim como é possível comparar as notas do SAEB com as dos SAEP – conforme informado pelo CAEd -, também é possivel comparar as notas do SAEP – Pova Paraná Mais 2022 com a avaliação do Programa Piloto Parceiro da Escola – conforme tabela abaixo:

A tabela mostra que a nota dos 9º anos do ensino fundamental da rede estadual de educação do Paraná foi superior à nota de entrada dos 9º anos do Projeto Piloto Parceiro da Escola, variando em mais de 7 pontos em língua portuguesa e em mais de 15 pontos em matemática. Vale lembrar que as turmas do Parceiro da Escola que realizaram a “prova de entrada” em 2024, estavam no 8º ano do ensino fundamental em ambos os colégios terceirizados. A comparação é sim imprecisa, muito por conta das omissões da SEED quanto às informações sobre as avaliações realizadas no contexto do projeto piloto, que além de não oferecer transparência sobre os dados da iniciativa, também preferem responder as dúvidas apenas após a realização da consulta pública que definirá o destino dos 177 colégios já mencionados. Foi essa a resposta que a SEED ofereceu aos questionamentos enviados pelo Parágrafo 2: “Todos os questionamentos a respeito, nestes próximos dias, estão sendo respondidos somente via agendamento de entrevista”. Enviamos também perguntas para o CAEd, que não atendeu esta reportagem.  

Sobre a mudança da metodologia, a Paraná Educação respondeu que “segundo informado pela Secretaria de Estado da Educação, para que haja uma mensuração de avanço na aprendizagem dos estudantes e a possibilidade de comparabilidade com outras medidas utilizadas pelas avaliações nacionais e estaduais, optou-se por apresentar os resultados de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes de cada uma das escolas participantes do Projeto”. A resposta da Paraná Educação, porém, não informa sobre a inadequação metodológica com o edital formulada por ela mesma. 

A conclusão do CAEd na Nota Técnica do Parceiro da Escola também é imperfeita, visto que não compara os resultados da “avaliação de entrada 2023” com os resultados da “avaliação de saída 2023”, optando por comparar os resultados da “avaliação de entrada 2023” com os resultados da “avaliação de entrada 2024”. Segundo a conclusão proposta pelo CAEd, “observamos um ganho de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, ao compararmos determinada etapa de escolaridade com a etapa seguinte, ou seja, ao verificarmos a proficiência dos alunos em um corte longitudinal. Essa constatação é um indicativo de validade de média, pois o que se espera é que o conhecimento dos estudantes aumente ao longo da evolução da escolaridade”.   

Para um projeto piloto de dois anos, os resultados das mencionadas avaliações deveriam ser de suma importância para a continuidade do projeto, sobretudo para a sua ampliação. Porém, constata-se no documento uma avaliação incompleta em sua própria proposta, incompatível com os critérios de avaliação previstos pelo edital. Vale ainda mencionar o que o CAEd projetou ainda para 2024: “Para a avaliação de saída deste ano, o CAEd realizará pré-teste com itens de avaliação de entrada de 2023 e saída de 2024. Dessa forma, teremos uma comparação robusta, no sentido de verificarmos as variações de proficiência (média) entre a entrada de 2024 e a da saída de 2024”. 

Resultados estes que serão apresentados, certamente, após a consulta pública encerrada e o destino de milhares de alunos já selado e carimbado rumo à administração da educação privada.  

Edital da SEED e o corte pela metade no “custo aluno mês”

Analisando o atual edital de autoria e execução da SEED – um documento labiríntico de 249 páginas -, algumas novidades saltam aos olhos. Primeiro que as empresas participantes agora arrematam lotes de escolas, não mais unidades – são 177 escolas divididas em 15 lotes, cada empresa cadastrada pode ficar responsável por até 5 lotes. Os contratos não serão mais anuais, mas com 4 anos de vigência. Porém, a maior novidade está na formulação do valor a ser pago em cada contrato, agora estabelecido pela Resolução nº 5.784/2024, assinada pelo próprio secretário da Educação do Paraná, Roni Miranda. 

Segundo a “metodologia do custo de valor referencial” assinada por Roni, agora o valor por aluno cobrado nos contratos é variável, divida em dois parâmetros: (1) Grupo e (2) Categoria, considerando os seguintes aspectos: (a) porte da instituição de ensino; (b) número de etapas/modalidades ofertadas; (c) etapas ofertadas; (d) número de turnos de funcionamento; (e) dimensionamento físico. Entra no cálculo também a “carga horária assumida pela empresa contratada para o atendimento das demandas previstas em contrato, nas instituições de ensino participantes” – a semelhança entre os aspectos “b” e “c” constam no referido documento assinado pelo secretário Roni Miranda.

Para simplificar o entendimento, o Parágrafo 2 considerou dois colégios para exemplificar o cálculo do valor a ser pago pelo estado às empresas credenciadas: o Anita Canet e o Aníbal Khury Neto. Ambas as unidades de ensino da rede estadual integram o Projeto Piloto Parceiro da Escola e estão entre as 177 escolas a serem terceirizadas pelo atual edital da SEED. 

O colégio Anita Canet está entre as unidades do lote CTA03, cujo valor total anual do futuro contrato está estipulado em R$ 39.977.240,57, totalizando mais de R$ 159 milhões na vigência total do contrato, que é de 4 anos. Conforme informado na tabela do “Anexo X” do referido edital, o custo unitário no Anita Canet é formado pelo valor do (1) Grupo 3, R$121,16, multiplicado pelo número de matrículas, 957, totalizando R$ 1.391.401,44; somando-se o valor de (2) Categoria 4, multiplicado pela carga horária anual de 42.890,4, totalizando R$ 3.481.413,77. Adicionando os valores totais dos dois fatores, chega-se ao custo anual do Colégio Anita Canet estipulado pelo atual edital de convocação da SEED: R$ 4.872.815,21 (anual). Como comparativo, segundo informação contratual divulgada no site da Paraná Educação sobre o Projeto Piloto do Parceiro da Escola, de 15/01/2024 a 15/01/2025, o valor pago para a empresa responsável pela administração do Anita Canet foi de R$ 8.496.000,00 – quase o dobro do previsto em um ano do novo modelo de contrato proposto pela SEED. 

No caso do Colégio Aníbal Khhury Neto, a diferença entre os valores de cada contrato extrapola o dobro. Integrante do Lote CTA02, cujo valor total anual foi estipulado em pouco mais de R$ 29 milhões. Unitariamente, o valor do Aníbal Khury Neto é formado por (1) Grupo 3, R$ 121,16 multiplicado pelo número de matrículas, 1.121, resultando em R$ 1.629.844,32; mais o valor de (2) Categoria 4, R$ 71,60, multiplicado pela carga horária anual de 41.227,20, totalizando R$ 2.951.867,52. Soma-se os valores para chegar ao valor contratual anual de R$ 4.581.711,84. Segundo o contrato da Paraná Educação vigente entre 15/01/2024 a 15/01/2025, a empresa que administra o Colégio Aníbal Khury Neto receberá do Governo do Paraná R$ 10.204.800,40

Vale lembrar que o projeto piloto vigora há dois anos – 2023 e 2024 -, período em que as duas empresas que administram os colégios públicos citados receberam, praticamente, o mesmo valor agora estipulado pelos 4 anos de vigência do modelo de contrato proposto pelo atual edital de credenciamento capitaneado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná. 

Os valores estipulados pelo documento assinado pelo secretário Roni Miranda desdizem a nota técnica formulada pela SEED para definir o “custo aluno mês” que balizou o edital do Projeto Piloto Parceiro da Escola conduzido pela Paraná Educação. Assinado pelo diretor Vinicius Mendonça Neiva em 10/11/2022, o documento estipulava o valor de R$ 823,31 como o “custo aluno mês” – que foi arredondado para R$ 800. Considerando os números acima e simplificando o cálculo do valor total dividido pelo números de alunos, o “custo aluno mês” do novo contrato para o Anita Canet é de R$ 424,32, e o do Colégio Aníbal Khury Neto é de R$ 340,60. 

Uma pista sobre a alteração na formulação do valor a ser pago pelos novos contratos está no parecer da Tomada de Contas Extraordinária da 2ª Inspetoria do TCE-PR, que explica que o preço fixo – R$ 800 por aluno ao mês – ignorou as características pertinentes à cada unidade de ensino. “Como a contrapartida se dá em razão do número de alunos atendidos, poderia haver um credenciado remunerado em até três vezes mais do que aquele que receber a menor escola do rol. Ainda, é possível que as condições de conservação das escolas exijam diferentes esforços e dispêndios em termos de manutenção e obras”. Desta forma, agora a formulação do valor a ser pago para os empresários é variável. 

Sobre a discrepância entre os valores do projeto piloto e os valores concebidos para o atual edital de credenciamento, enviamos questionamentos à SEED, que como já mencionado, respondeu que “todos os questionamentos a respeito, nestes próximos dias, estão sendo respondidos somente via agendamento de entrevista”, inviabilizando as respostas no tempo adequado para a presente publicação.

Conforme a nota sobre o projeto piloto do Parceiro da Escola da 2ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR, responsável pela fiscalização da área temática da Educação, Esporte e Cultura, “fica evidenciado que a falta de detalhamento dos custos e respectivas memórias de cálculo compromete a melhor formação de preço possível. Como consequência, resta prejudicada a análise da viabilidade econômica, o que, por sua vez, impossibilita a avaliação analítica de um projeto que se intitula piloto”. Segundo avaliação do Ministério Público do Paraná sobre a formulação do valor proposto (e já pago) pelo projeto piloto, “não há embasamento algum, tampouco individualização dos custos por instituição de ensino, que deem respaldo ao valor nebuloso de R$ 800,00”.

Para o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná – APP-Sindicato, que fez oposição ao projeto desde o início, “há um desejo implícito do governo em acabar/ desestabilizar a gestão democrática das escolas, deixando a comunidade escolar  de fora das principais tomadas de decisão sobre o futuro das escolas”. Segundo declaração sobre o tema enviada à pedido do Parágrafo 2, “o diálogo entre a SEED e a APP é inexistente quando o assunto é o Projeto, inclusive estando proibida a participação do sindicato nas reuniões feitas nas escolas para a apresentação do programa para que fizéssemos  contraponto nesses momentos. Mesmo assim, participamos à revelia, deixando o incômodo para o governo. Não há informações sobre nada do que ocorreu até agora nessas escolas do projeto piloto. Tudo o que conseguimos levantar de informações, foi vasculhando os poucos documentos publicados pela SEED.  

Sobre a disparidade dos valores a serem pagos para as empresas entre o projeto piloto e o Programa Parceiro da Escola, a APP-Sindicato diz que “o estado tem e sempre terá  dinheiro em caixa para certas rubricas quando o assunto envolve empresas, terceirizações. Faz as manobras que forem necessárias para resolver essas questões. Mas, para suas reais obrigações com a educação, fica sempre protelando ou negando o que é de direito como, reposição salarial (data-base).  Há uma lógica inversa de prioridades que é  pensada e executada para sufocar os servidores públicos de carreira”.  

Nova Lei de Isenção Fiscal pode beneficiar os “Parças” da Escola

O atual edital de credenciamento do Programa Parceiro da Escola conduzido pela SEED específica alguns parâmetros para a contratação de profissionais a ser realizada pelas empresas “parceiras da escola”. As demandas são variadas, como professores, merendeiras, pedagogas, psicólogos, dentre outros. Inclui-se também a contratação de engenheiro para atuar como “responsável técnico, quando necessário, assumindo a responsabilidade pela aprovação e fiscalização de todas as benfeitorias estruturais realizadas no prédio da instituição de ensino”. 

A contratação de engenheiro para “benfeitorias estruturais” vai de encontro com o Projeto de Lei enviado recentemente pelo Governo do Paraná para a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná – Alep. Trata-se do Projeto de Lei nº 684/24, de autoria do Poder Executivo, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Casa – CCJ, onde já recebeu um parecer favorável, mesmo parecer que recebeu de outra comissão legislativa da Alep, de Finanças e Tributação. O projeto, que corre em regime de urgência, altera a Lei nº 17.444, e “autoriza a concessão de crédito outorgado de ICMS destinado a estabelecimentos que invistam em infraestrutura no território paranaense”. como explicado no parágrafo 4º do documento, “considera-se obra de infraestrutura, para os fins  desta LEI, a construção, ampliação, manutenção ou melhoramento de equipamentos públicos, tais como escolas, postos de saúde, postos policiais, rodovias…”, entre outras áreas já privatizadas pelo atual governo, como a “eletricidade”. 

No parágrafo 5º, mais um detalhe importante: O crédito outorgado “poderá ser utilizado pelas empresas beneficiárias, inclusive para a compensação do ICMS diferido nas aquisições internas destinadas exclusivamente à obra”, com a ressalva de que a compensação será feita apenas no final do processo. 

A manobra do governo de Ratinho Júnior já foi denunciada pela deputada estadual Ana Júlia (PT), que postou em suas redes sociais e formalizou sua reprovação ao Projeto de Lei em plenário. Segundo a jovem deputada, “Além de entregar as escolas para grupos bilionários, o governo parece ainda querer beneficiar as empresas contratadas com mais recursos, por meio de isenção fiscal aprovada recentemente na Assembleia Legislativa. O projeto enviado pelo governo dá crédito de ICMS para empresas que promovam melhorias em equipamentos públicos. Neste sentido, há o risco de contemplar as empresas credenciadas que fizeram obras nas escolas.  Não é mera coincidência que o projeto tenha sido aprovado justamente no momento em que o governo tenta repassar para a iniciativa privada quase 200 escolas”.

Como já apontado pelo Parágrafo 2 em reportagem anterior sobre o Parceiro da Escola, os contratos de terceirização inauguram o pagamento de impostos com o dinheiro da educação paranaense antes inexistentes. Conforme apurado anteriormente, nos dois contratos vigentes em um período de 4 meses, foram retidos na fonte quase R$ 500 mil. 

Paraná Educação e um piloto muito louco 

Voltando para a sessão ordinária nº 39 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, vale retomar as palavras proferidas pelo conselheiro Maurício Requião:

“Vejam só: a primeira licitação foi pela Paraná Educação. Conselheiro Bonilha, nós temos em mãos uma discussão sobre as organizações sociais. A Paraná Educação é uma organização social  (conforme corrigido em consulta com a assessoria do conselheiro, leia-se Serviço Social Autônomo). É evidente que não cabe nas atribuições da Paraná Educação licitar privatização de serviços escolares! Não é competência dela. E por que foi feito?”

Criada pela Lei Ordinária n° 11.970/1997 do Estado do Paraná, a Paraná Educação “pessoa jurídica de direito privado, sob a modalidade de serviço social autônomo, sem fins lucrativos, de interesse coletivo, com a finalidade de auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de Educação”, conforme nos informe o artigo primeiro da Lei. Ou seja, é uma empresa paraestatal criada pelo governo do Paraná para auxiliar na gestão da rede estadual de educação, com funcionários contratados via regime CLT, cujo superintendente é nomeado pelo governo. Atualmente, o superintendente da Paraná Educação é Carlos Roberto Tamura, ex-prefeito de Uraí de 2017 a 2020 – gestão pela qual foi multado pelo TCE-PR por irregularidades no percentual permitido sobre cargos comissionados. 

Apesar de no papel ser uma empresa, é uma empresa do governo do estado do Paraná, de onde vem o seu orçamento anual, pago especificamente pelo orçamento da educação paranaense. Um levantamento dos últimos 10 anos revela uma evolução em sua receita bruta: em 2014, o valor era de pouco mais de R$ 31 milhões; em 2019 – primeiro ano do governo de Ratinho Júnior, a receita bruta foi de pouco menos de R$ 33 milhões. No primeiro ano do Parceiro da Escola, 2023, a receita bruta foi de mais de R$ 71 milhões, alcançando quase R$ 120 milhões segundo previsão para 2024.

O Plano de Ação Estratégica 2024 da Paraná Educação esclarece os muitos serviços prestados para a educação paranaense, dentre eles serviços de engenharia e arquitetura, para reforma, construções e licitações sobre infraestrutura dos colégios; serviços de reparos (Mão Amigas) e até mesmo apoio na parte de alimentação e nutrição dos alunos, serviços esses agora também oferecidos pelas empresas do Parceiro da Escola, que funcionou em 2023 e 2024 sobre a responsabilidade da Paraná Educação e da SEED. 

Para o conselheiro Maurício Requião, é “evidente que não cabe nas atribuições da Paraná Educação licitar privatização de serviços escolares”. Sobre essa afirmação, o Parágrafo 2 enviou para a assessoria do mencionado conselheiro um pedido de explicação sobre tal evidência, pedido esse que foi respondido no sentido da caracterização da entidade de “serviço social autônomo”, que por ser uma empresa paraestatal, não faz parte da administração pública, e, “conforme decisão do STF na ADI 1864, as decisões sobre alocação dos recursos orçamentários são de competência exclusiva do Estado, não podendo ser delegadas. Os recursos que podem ser geridos pelo Paraná Educação são exclusivamente aqueles alocados especificamente à entidade. Em hipótese alguma o Paraná Educação pode gerir a totalidade do orçamento público destinado à educação. A própria Lei n. 11.970/1997, que institui o Paraná Educação, estabelece no art. 1º que sua finalidade é auxiliar a gestão do Sistema Estadual de Educação”.

Analisando os votos e a decisão do STF sobre o tema na ADI 1864, é curioso notar nos diálogos entre os ministros a dúvida sobre a natureza da instituição, confundindo-se facilmente seu caráter público com seu caráter privado. Entre opiniões divergente, em 2007 o Tribunal chegou ao consenso da constitucionalidade da existência da Paraná Educação, porém, vetando, entre outros, o inciso I do artigo 3º da Lei que a constituiu: “gerir os recursos de qualquer natureza destinados ao desenvolvimento da educação, em consonância com as diretrizes programáticas do Governo do Estado”. 

Sob esse ponto de vista é possível entender o motivo pelo qual agora a própria SEED assume o edital de credenciamento que regula o Programa Parceiro da Escola, cujos quatro anos de contrato somam mais de R$ 2 bilhões, o que excede e muito o orçamento da Paraná Educação. No edital de 2022 de responsabilidade da Paraná Educação que instituiu o piloto do Parceiro da Escola, uma manobra assinada por Jean Pierre Neto, então superintendente da Paraná Educação, e por Vinicius Mendonça Neiva, então diretor da SEED, garantiam os R$ 220 milhões necessários para a realização do edital. O enjambre orçamentária foi considerado irregular pela Tomada de Contas Extraordinárias realizada pela 2ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR, que sugeriu aplicação de multa para os responsáveis – Jean Pierre Neto é ventilado como um dos possíveis nomes para assumir o posto secretário municipal da educação na gestão do prefeito eleito Eduardo Pimentel, do PSD de Ratinho Júnior. 

Tanto o mencionado parecer do TCE-PR quanto a Ação Civil Pública Anulatória de Ato Administrativos do Ministério Público Estadual do Paraná esmiúçam cada uma das irregularidades no edital da Paraná Educação sobre o Parceiro da Escola. As irregularidades não são poucas e nem passam despercebidas. Ainda tramitam e tramitarão nos tribunais estaduais e federais. Segundo informado pela assessoria do TCE-PR, “O Paranaeducação encaminhou as informações solicitadas pelo TCE e atualmente o processo está nas mãos do relator, o conselheiro Durval Amaral, que analisa os dados antes de dar prosseguimento ao processo. O processo 742333/24, que se trata de uma liminar suspendendo os processos de contratação no programa Parceiros da Escola seria submetido pelo conselheiro Fábio Camargo ao Pleno, para homologação, na sessão de 27/11/2024, mas um pedido de vistas do conselheiro Maurício Requião retirou o processo de pauta”.

Mas o piloto do Parceiro da Escola não é só feito de “ofensas legais e erros grosseiros de agentes públicos”, como definiu a 2ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR: há  também situações anedóticas. A mais notável foi nomear as diretoras dos dois colégios terceirizados como fiscais do contrato, mesmo que elas figurem na peça publicitária que vendeu a ideia do Parceiro da Escola para o povo paranaense. Conforme documento da Paraná Educação, Sandra Mara Bordignon Piccinelli dos Santos e Cleidecir Baminger foram nomeadas como fiscais dos respectivos contratos em janeiro deste ano, substituindo agentes do Núcleo de Educação. A medida é um tanto contraditória, visto que a propaganda é, justamente, “aliviar” das diretoras e diretores as responsabilidades administrativas dos colégios. Mas segundo aponta o documento, as diretoras voltaram a fiscalizar as lâmpadas queimadas, os banheiros entupidos e a gestão das contratadas, agora em nome da Paraná Educação.

Lendo o edital, pesquisando sobre sua execução e analisando os poucos documentos acessíveis sobre o Parceiro da Escola, fica difícil entender o que é responsabilidade da Paraná Educação e o que é responsabilidade da SEED-PR, assim como se misturam professores e alunos nas peças informativas do governo, que evidentemente parecem propagandas produzidas por agências publicitárias para vender o projeto para a população. Nos uniformes e fachadas das escolas já terceirizadas, confundem-se também o tradicional nome de cada colégio com a logomarca de empresas. Não é de se duvidar que se confunda também o que é público com o que é privado, embaralhando na sopa de letras dos editais e cifras milionárias o que antes era dever do estado e garantido pela constituição federal.    

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