Parte I
Tirando uns dias de férias na cidade de Maringá – PR alguns membros do Parágrafo 2 tiveram acesso a uma fascinante história. Conhecido por muitos membros da cidade, o ocorrido é um compilado de crendice popular e histeria coletiva.
O relator
Sr. Donaldo é um velho conhecido da feira do Ney Braga, (bairro de Maringá). Além de frutas e verduras frescas é um homem que traz na velha Kombi muitas histórias. Ao lado da barraca do Victor, onde parávamos para tomar caldo de cana com gengibre, ouvíamos as anedotas e causos deste senhor, sempre confirmadas pela esposa Jô. Uma delas em especial chamou a atenção de todos, a história do Lobisomem de Miraselva. Sr. Donaldo nos disse, inclusive, que se quiséssemos ouvir as testemunhas do fato ele nos levaria pessoalmente aos envolvidos. Topamos. Tudo ficou combinado para, na tarde seguinte, irmos à sua cidade natal, Miraselva, no norte paranaense.
O cenário
Embarcamos na velha Kombi por volta das 14 h. O trajeto de Maringá a Miraselva é de aproximadamente 100 km. O cheiro no interior do veículo, uma mistura de óleo diesel com manga madura, dava uma noção de quanto o automóvel já havia trabalhado. Sr. Donaldo se mostrava orgulhoso da Kombi 1970, herança que recebera de seu velho pai, também feirante. No caminho algumas paradas para olhar as cenas de várias histórias. A árvore onde aparecia a noiva, o pasto onde as vacas foram atacadas por misteriosas criaturas de dentes afiados e outros tantos causos que fascinavam, não pelo conteúdo, mas pela empolgação e mistério com que nos contava o interlocutor. Miraselva é a primeira cidade depois do Ribeirão do Capim na PR 534. Há muito sua população não ultrapassa 2000 habitantes. O clima quente, a igreja matriz, o campo de futebol, a Praça Municipal e os quilômetros de plantação que cercam a região fazem o visitante achar que está em outra época, quando as coisas eram mais simple, e o mundo um lugar mais encantado.
Luisinho
Sr. Donaldo nos leva até a casa do ex-soldado da PM, que atende por Luisinho, apelido de infância. Ele não está, o achamos no bar do Nêne. Nos apresentamos e puxamos o assunto do lobisomem. A princípio ele desconversou. Alguns frequentadores do bar confirmaram a história com riqueza de detalhes, mas Luisinho disse que não lembrava direito. Depois de algumas cervejas a conversa fica empolgada. As histórias sobre futebol, em que Sr. Donaldo e Luisinho lembravam os tempos quando eram zagueiros e das brigas que sempre aconteciam quando o time da cidade enfrentava o Água da Rã, time “encardido”, como disseram. Mais uma cerveja e Luisinho nos convida para sentar nas escadas do bar. O clima mais íntimo o leva a contar histórias de ocorrências policiais. Eis que surge a história do lobisomem.
Os primeiros ataques
Luisinho dividia a ronda da cidade com o cabo Andrade, na jornada de 24X48. Há cerca de dez anos, quando já tinha terminado a ronda voltava ao destacamento para fazer o relatório do dia e descansar, terminado o relatório se deitou para dormir quando, de repente, bate em sua porta, com muita força e desespero, uma moça. Ainda de cuecas pega o revolver veste a calça e corre para atender. Era uma estudante, moradora das redondezas. Em cidades pequenas os estudantes universitários que não podem morar fora contam com o apoio do ônibus escolar que os leva para as universidades e faculdades das cidades mais próximas. A moça segura os livros em um dos braços, tinha a boca branca, prestes a desmaiar, enquanto com o outro esmurra a porta.
Ela conta que foi perseguida por uma criatura grande, peluda. Tinha certeza que era um lobisomem. Luisinho a acalma, dizendo que isso não existe e que provavelmente ela tinha visto alguma raposa e tinha se assustado demais. Faz uma outra ronda com ela dentro da viatura e a leva para casa.
Cerca de uma semana depois disso ele passa no destacamento durante sua folga, de dia portanto, e escuta o cabo Andrade contando a mesma história ao Sargento Neves. Luisinho se aproxima e relata que com ele aconteceu o mesmo, dão risadas sobre a coincidência e chegam a cogitar que as moças estavam carentes, e a intenção ao baterem na porta era outra.
Depois da terceira moça perseguida pelo lobisomem a situação já ficava mais séria. A ronda da PM já tinha que ser mais minuciosa. Os dois ônibus chegavam à cidade e a polícia tinha que acompanhar o movimento até todos os moradores irem dormir. O boca a boca já se fazia sentir. Pessoas comentavam que tinham visto o lobisomem em situações diferentes, o pânico começava a pairar na tranquila cidade. Os bares, as mercearias já fechavam mais cedo do que no normal. O padre reclamou que os fiéis entupiam as missas matinais e deixavam às moscas a noturna. O prefeito tomou providências, chamou o Sargento Neves para uma reunião, ele teria que caçar o bicho, independente de quem fosse.
Continua …