É sexta feira e os minaretes que ladeiam a mesquita Imam Ali ibn Abi Talib estão tão limpos que podemos ver o brilho do sol refletido neles. São como dois faróis apontados para o céu. A cor predominante na fachada do complexo é o azul escuro dos azulejos ornamentais. O formato dos arcos na parte frontal lembra o das janelas, que estão por todas as extremidades da arquitetura Islâmica. Os vidros foscos têm tons de verde e amarelo.
A porta de entrada é de madeira, nas paredes placas trazem dois avisos aos visitantes, do lado esquerdo ‘’ às mulheres por se tratar de um lugar sagrado, é obrigatório o uso do véu, para visitação’’ do direito ‘’senhores visitantes, não é permitida a entrada de pessoas calçadas no recinto, pois trata-se de um lugar sagrado’’.
Por dentro, as paredes são verdes e, por todos os cantos, vemos inscrições em caligrafia árabe. No Islamismo é proibida qualquer representação física de Deus e dos profetas. O chão da sala de orações é coberto por legítimos tapetes persas. Não se vê bancos de madeira como nas Igrejas. Quatro grandes arcos se cruzam atravessando todo o interior da mesquita. Oito lustres enfeitam o teto, sendo o mais bonito um grande lustre central rodeado por um belo trecho do Alcorão, é a parte interior da cúpula, elemento que também salta aos olhos na construção vista de fora, uma grande semi-esfera que simboliza o universo aos olhos de Allah .
” Deus não impõe a nenhuma alma uma carga superior às suas forças. Beneficia-se com o bem quem o tiver feito e sofrerá mal quem o tiver cometido. Ó Senhor nosso, não nos condenes, se nos esquecermos ou nos equivocarmos! Ó Senhor nosso, não nos imponhas carga, como a que impuseste a nossos antepassados! Ó Senhor nosso, não nos sobrecarregues com o que não podemos suportar! Tolera-nos! Perdoa-nos! Tem misericórdia de nós! Tu és nosso Protetor! Concede-nos a vitória sobre os incrédulos!”
As luzes estão apagadas, mas ao olharmos para cima vemos, entrando pelas janelas, uma iluminação extraordinária que toma conta do ambiente. Ouve-se um áudio com uma voz masculina recitando versos do Alcorão com uma suave canção em dialeto árabe como pano de fundo. Um senhor de bigode e cabelos brancos, sentado em uma espécie de carteira, observa quem chega, enquanto folheia um livro. Além dele, apenas três outros homens estão no recinto. Um quase calvo que veste um blazer cinzento sentado em um dos tapetes se recosta em uma das paredes, abre o Alcorão e o lê em voz baixa. Outro homem, que traja um terno marrom, em pé ergue as mãos próximas as orelhas e parece dar graças. Quase sussurrando ele diz ‘’Allah – Akbar’’ repetidas vezes com os olhos fechados. O terceiro é um jovem negro e magro, sentado em posição de meditação e que também com os olhos fechados direciona a cabeça para o céu e depois para o chão. Todos parecem estar em oração, cada um à sua maneira.
Negros, brancos, pardos, árabes e não-árabes. Em dez minutos quase todas as etnias estão representadas sobre os belos tapetes feitos à mão. ‘’O Islam é a paz. Não precisa ser árabe para ser muçulmano. Não temos problemas com isso. Sunita e Xiita para nós aqui também não tem diferença, é tudo misturado’’, afirma o senhor Celso Farid, um dos frequentadores da mesquita. A palavra Islam, em sentido literal, significa ‘’fazer a paz’’.
Em dado momento uma família, constituída de uma mulher, um homem e um menino com idade próxima de 7 anos, chega. A mãe, com o tradicional véu Islâmico (Hijab) sobre a cabeça, é também a primeira mulher a por os pés para dentro da mesquita. Silenciosamente ela vai para um espaço cercado por treliças de madeira, localizado atrás de onde os homens oram. O pai conversa com o senhor de bigode e cabelos brancos ao lado da entrada e entrega ao garotinho uma pequena bola amarela cujo formato lembra muito o de um limão siciliano. A criança, que usa um Taqiyah (típico chapéu muçulmano) e uma túnica branca, corre entre os homens que estão ajoelhados e também entre os que estão em pé, com toda a liberdade da infância. Nenhum dos presentes faz cara feia para o pai e nem para o menino, que espontaneamente se senta em um tapete com as pernas cruzadas e olha para cima, como uma boa parte dos adultos que já estão no ambiente.
Mais duas mulheres chegam e fazem companhia para a primeira no local cercado por treliças. Apenas três vieram para o culto, ‘’as mulheres ficam em separado por questão de respeito, mas as mulheres para nós são como talismãs’’ afirma Farid.
Nas colunas dentro da mesquita, vemos cartazes com o que o livro sagrado dos muçulmanos diz sobre Maria, mãe de Jesus. O mesmo Jesus palestino idolatrado pelos Cristãos, o que padeceu sobre Pilatos e morreu na cruz.
A oração de sexta feira
O relógio redondo de madeira sobre a entrada marca meio dia e meia. Horário da segunda oração de um total de cinco orações que todos os muçulmanos têm, por obrigação, realizar diariamente.
De repente, entra no local um homem com uma expressão séria, usando um turbante e longas vestes pretas. É o líder religioso Sayed Amir Hachem. Com sua chegada, todos os outros homens parecem entrar em uma mesma sintonia. Um deles recita palavras em árabe em voz alta, em uma espécie de anunciação. Rosários que podem ser denominados como misbaha ou tasbih aparecem nas mãos de alguns seguidores espalhados pela sala. O religioso cumprimenta os crentes e todos – inclusive o próprio Amir Hachem – se ajoelham e oram em frente a uma edição do sagrado Alcorão que é colocada sobre uma espécie de suporte de madeira, orientado em frente ao mihrab, que indica a localização da cidade sagrada de Meca na parede lateral esquerda da sala. Como em uma coreografia encostam cabeça, joelhos e mãos no chão por várias vezes durante o ritual. Os que estão velhos demais para o exercício ficam sentados em cadeiras de plástico pretas e se inclinam também em adoração.
Amir Hachem entrega seu relógio de pulso a um dos homens presentes e se dirige lentamente até um púlpito com um microfone que está em frente a uma espécie de altar ricamente ornamentado onde novamente vemos o azul como cor reinante. É nesse local que ele profere seus discursos em árabe de forma recitada. Em momento algum durante a fala do líder se fala o português no recinto. Todos os presentes se alternam em momentos de extrema atenção e momentos de interação onde respondem, em coro, o que o responsável por celebrar o culto diz. Durante as palavras proferidas pelo religioso os muçulmanos também se prostram por várias vezes, se levantam e erguem as mãos em direção ao céu.
Gamal Oumairi
Sayed Amir Hachem desce do púlpito e pega de volta seu relógio de pulso. Ele se senta em um dos tapetes e quem sobe ao púlpito é Gamal Fouad El-Oumairi, diretor da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná.
Gamal é o responsável por traduzir de forma resumida para o português o que Amir Hachem acabou de falar durante a hora que se passou. Ele explica que foram palavras sobre a importância do monoteísmo, sobre a intransigência ‘’que causa a discórdia entre as pessoas, a família e os povos’’ e sobre o casamento entre muçulmanos e mulheres de outras religiões.
Gamal fala que não é proibido nas escrituras o casamento entre um homem muçulmano e uma mulher não-muçulmana (Cristã ou mesmo judia) desde que essa acredite em Deus e que respeite os princípios Islâmicos. Mas diz também que é recomendável que o homem se case com uma muçulmana para preservar os costumes e tradições da religião que muitas vezes são perdidos, principalmente por imigrantes que acabam por se integrar totalmente em sociedades, como a brasileira e esquecem de ir a mesquita orar. Esse abandono dos costumes passa aos filhos, o que não poderia ocorrer. Durante a fala percebem-se algumas manifestações, como algumas palmas. Em suas considerações finais o diretor aproveita e cita o Estado Islâmico e o resultado que seus atentados causaram entre os membros da comunidade muçulmana ‘’O Estado Islâmico é justo o contrário do que todo muçulmano deve ser. E vocês estão vendo o que isso está causando, duas irmãs nossas aqui de Curitiba sofreram agressões’’. Gamal fala de Luciana Velloso que levou uma pedrada enquanto caminhava pelo Jardim Botânico e de Paula Zahra, que foi xingada e cuspida em plena Sete de Setembro. O diretor convoca todos os fiéis a estarem presentes em uma audiência publica na Assembléia Legislativa do Paraná sobre Islamofobia. Ele desce do púlpito e algumas pessoas já começam a sair. Mas Sayed Amir Hachem fica orando por mais um tempo e alguns seguidores o acompanham por mais alguns minutos até que ele termine. Os homens ficam dentro da mesquita e batem papo descontraidamente, a maioria rindo e conversando em árabe. Até que Gamal anuncia que vai fechar as portas da Mesquita. Os homens se cumprimentam com ‘’Assalamu Alaikum’’ (que a paz esteja sobre vós) e saem caminhando pelas ruas desse bairro Curitibano com nome de São Francisco.
OUÇA A ENTREVISTA QUE RHANGEL RIBEIRO FEZ COM GAMAL OUMAIRI TRATANDO DE PONTOS POLÊMICOS COMO AS BANCADAS EVANGÉLICAS E OS CHAMADOS ‘’VERSOS VIOLENTOS DO ALCORÃO’’ :