Foto principal: Ronnie Chua / Green Biz
Com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos (FBDH), a Agência de Jornalismo Livre.jor deu vida ao Projeto Latentes. Ele é uma compilação de dados públicos georreferenciados à disposição de defensores ambientais, pesquisadores e jornalistas e que revela o quão perto está o extrativismo mineral das unidades de conservação, das terras indígenas, das comunidades remanescentes de quilombolas e dos assentamentos da reforma agrária. O objetivo é ressaltar onde se encontra a tensão socioambiental no Brasil.
O Latentes simplificou o acesso a informações da Agência Nacional de Mineração (ANM), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Basta utilizar o mapa para detalhar a situação da área de interesse. É possível acessar as bases de dados na documentação e tirar dúvidas pelo e-mail latentes@livre.jor.br
José Pires, jornalista e editor do Parágrafo 2, contribuiu com o projeto por meio de entrevistas com especialistas da área ambiental na tentativa de trazer mais informações sobre os conflitos socioambientais em áreas de extração ou com potencial para extração de minérios. Á partir de hoje o Parágrafo 2 publica estas entrevistas na íntegra, em um esforço conjunto com o Livre.jor na tentativa de retratar uma realidade tão grave.
Entrevista:
Juliano Bueno de Araújo, coordenador nacional da Coalizão Não Fracking Brasil (Coesus) e de campanhas climáticas da 350.org, relata o conflito vivido pelo povo indígena Anacé, da cidade de Pacém (CE). Ele alerta para o impacto da Usina Termoelétrica do Pecém, empreendimento movido por carvão mineral. Os Anacés, diz ele, sofrem com o ar poluído por metais pesados e com a ameaça à principal fonte hídrica da comunidade. Bueno fala também sobre o perigo do Fracking que consiste na perfuração do solo para injetar, em cada poço aberto, de 17 a 35 milhões de litros de água em altíssima pressão, misturados à areia e a um coquetel de 700 substâncias químicas – das quais muitas são cancerígenas e até radioativas -, para ‘fraturar’ a rocha de xisto e liberar o gás metano.
Latentes – O Projeto Latentes aponta a existência de 4.536 conflitos socioambientais latentes no Brasil hoje. Quais elementos a 350.org, que acompanha diversos destes conflitos, são comuns na maioria deles?
Juliano Bueno – Existe um vínculo entre conflitos ambientais, mineração e corrupção que exemplificamos na chamada de uma de nossas campanhas. Ela diz “onde tem petróleo, gás e carvão, tem corrupção, tem destruição”. Essa relação é recorrente nos conflitos ambientais pelo Brasil. Um exemplo é o que acontece na região de Pecém, no estado do Ceará. Lá, o Povo Anacé, com aproximadamente 5 mil indígenas, sofre as consequências da atuação da Termoelétrica de Pecém, empreendimento que usa carvão mineral.
Esse povo, além de ser atingido por chuva ácida gerada pelo acumulo de metais pesados oriundos da queima do carvão, vê também sua principal fonte de água sob ameaça. Como a termoelétrica usa muita água na produção de energia, e há racionamento na Grande Fortaleza, agora ela pretende se apropriar do Lagamar do Cauípe, que é um manancial protegido ambientalmente.
Latentes – E qual o tamanho do prejuízo para os indígenas da região?
Juliano Bueno – Essa lagoa é usada hoje para o abastecimento das aldeias e para a pesca, além de servir para a agricultura de subsistência do povo Anacé. Os indígenas se rebelaram, manifestaram-se e entraram na Justiça contra essa iniciativa. Entretanto, ao lado da termoelétrica nesse processo judicial está o governo do Ceará. Ou seja, é uma luta desigual. Há alguns dias a Justiça autorizou a exploração da lagoa, não reconhecendo o direito à água e não reconhecendo o território indígena.
Latentes – Qual é a relação entre poder político e interesses extrativistas no Brasil?
Juliano Bueno: Essa relação é enorme. Posso dizer inclusive que a partir de 2019 os conflitos socioambientais motivados por extração de minério vão crescer muito, graças à extração de óleo e gás de xisto por meio da técnica que se chama fracking. São 754 cidades do Brasil, em 18 estados, atingidos por esse tipo de mineração. Hoje, esta técnica já é testada na cidade de Floriano (PI). Está em teste há 60 dias em uma região que fica a 3 km de um território indígena.
Para quem ainda não tem conhecimento, o fracking consiste na perfuração do solo para injetar, em cada poço aberto, de 17 a 35 milhões de litros de água em altíssima pressão, misturados à areia e a um coquetel de 700 substâncias químicas – das quais muitas são cancerígenas e até radioativas -, para ‘fraturar’ a rocha de xisto e liberar o gás metano. Com a atuação de muito deputados e o apoio do novo governo federal, nosso país presenciará, nos próximos anos, uma tragédia equivalente a várias Marianas. A área já leiloada para exploração equivale ao Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul juntos. São milhões de km ².
Latentes- E como é a relação da exploração por meio do fracking em outros países com os povos originários destas regiões?
Juliano Bueno – É a pior possível. Além da degradação do meio ambiente existe também a violência contra estes povos. No Canadá, por exemplo, onde o fracking foi utilizado não sobrou nada. A população indígena da América do Norte está sendo expulsa do seu território, na Argentina as comunidades Mapuches, que vivem na Média Patagônia, estão sendo presas, perseguidas e assassinadas porque as petroleiras, as gaseiras e a indústria da mineração, principalmente no sistema do Fraturamento Hidráulico do gás e do óleo, querem tomar posse desse território a qualquer custo.
Pra se fazer uma torre de exploração com fracking se gasta U$ 32 milhões, pra se montar uma plataforma para exploração de petróleo se gasta U$ 15 bilhões. As grandes irmãs do petróleo ficam o filet mignon que é o pré-sal, ou seja, a exploração de petróleo e gás no mar. Em terra, quando se fala em fracking falamos de mineradoras menores. Assim temos centenas de milhares delas e por detrás disso existem um jogo econômico, nos Estados Unidos, por exemplo, parte das empresas de fracking é fake, ou seja, elas produzem relatórios do que ela vão produzir, vender, minerar e lançam suas ações em Bolsas de Valores, captam os recursos, iniciam as operações, não conseguem ter lucro e aí alguém fica com esse problema nas mãos. O que se tem então é um jogo econômico de bancos e que deixa um passivo ambiental que vai durar milhares de anos. Muitas dessas empresas não podem ser responsabilizadas falem e vão embora deixando o prejuízo com a população.
Latentes – Podemos dizer então que o Fracking é um perigo real que paira sobre o Brasil hoje?
Juliano Bueno – O Fracking está chegando, e é mais um crime trazido pelas mineradoras ao Brasil. O impedimento da extração nos 18 estados que já tiveram áreas leiloadas se dá por vitórias temporárias na justiça. Se ele se instalar, com a poluição do ar pelos gases liberados pelo fracking, as pessoas que vivem no entorno dos poços estão expostas a doenças como os mais variados tipos de câncer, infertilidade, abortamentos, doenças respiratórias crônicas, entre outras graves enfermidades. Os animais também são impactados.
Além dos impactos ambientais, econômicos e sociais, o fracking também provoca terremotos, uma vez que o subsolo é ‘bombardeado’ sistematicamente, e intensifica as mudanças climáticas uma vez que o metano liberado é um gás de efeito estufa 86 vezes mais potente que o dióxido de carbono, resultado da queima do carvão e petróleo.
Mais de 200 já estão protegidas, pois legislam pelo solo, pela saúde das pessoas, protegem as reservas de água e garante um ambiente saudável e próspero. Desta forma, vamos impedir que a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) pare de colocar em risco a vida de milhões de brasileiros.