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O fim da Educação de Jovens e Adultos no Estado do Paraná

Texto e fotos: José Pires 

Usando de mecanismos legais, a Secretaria de Educação e Esportes tem conseguido minar essa modalidade de ensino no que se configura, conforme entidades da área, na negação ao direito à educação de jovens e adultos.

Julio Nunes já tinha sido chamado de muita coisa nos seus 50 anos de vida, mas nunca de “fantasma”. Nada que ouviu nos diversos cortiços onde morou, nos longos períodos de desemprego e nas dificuldades que a vida lhe trouxe ofenderam mais do que essa alcunha. E essa designação não veio de um desafeto, mas da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (Seed-PR).

“Um aluno fantasma”, é assim que Julio foi chamado por não conseguir confirmar sua matricula na Educação de Jovens e Adultos (Eja) para o ano letivo de 2021. Como ele, até o dia 12/02/2021, 1.337 estudantes da Eja não tinham conseguido confirmar matricula em Curitiba, é o que revela um documento recebido pelo Parágrafo 2. Dia 17/02 foi o prazo final para confirmação dos matriculados em todo o Paraná.

Mas esses estudantes tentaram. Semanas e meses se passaram entre as tentativas de efetivar a matrícula. Porém, as dificuldades técnicas impostas pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte foram decisivas para que eles não conseguissem. É o que afirmam entidades e especialistas ouvidos nesta reportagem que mostra como o Governo do Paraná tem usado de mecanismos legais para acabar com a Educação de Jovens e Adultos.

Evasão

Até o dia 12/02, como revela o documento enviado ao Parágrafo 2 por uma fonte que prefere não se identificar, ao todo 2.355 alunos da rede estadual ainda não tinham conseguido confirmar sua matrícula em Curitiba. Eram 1.337 na Educação de Jovens e Adultos e 1.018 no Ensino Profissionalizante, o documento não traz dados sobre o ensino regular. Os ainda não matriculados representavam 9,2% dos educandos da modalidade na capital paranaense que, em 2020, tinha 14.721 desses estudantes em 91 escolas.

Conforme o documento, a maior quantidade de alunos sem confirmação de matrículas se concentrava nos Centros Estaduais de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebjas). No Ceebja da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), por exemplo, até o dia 12/02, 281 estudantes não tinham confirmado. No Ceebeja Paulo Freire, que fica no bairro Água Verde, eram 136. Já no Ceebeja Lais Miqueloto, também na CIC, 96 estudantes precisavam confirmar. Nos colégios estaduais que oferecem a Educação de Jovens e Adultos a situação era a mesma. No colégio Hasdrubal Bellegard, no bairro Sítio Cercado, 176 alunos e alunas não tinham feito a confirmação, no Maria Deon de Lira eram 96, mesma quantidade do Dom Attico Eusebio da Rocha, na Vila Lindoia. No Ensino Profissionalizante se destacam o Colégio Estadual Julia Wanderley, no bairro Batel, onde faltava a confirmação de 200 estudantes e o Colégio Estadual Pedro Macedo onde faltavam 384. Ao todo, faltavam confirmações de matrículas em 34 colégios da capital.

Julio Nunes é aluno do Ceebja Zilda Arns Neumann, na Vila Maria Antonieta, em Pinhais na Região Metropolitana de Curitiba. O Ceebja tem, em 2021, segundo dados da Seed, 640 estudantes divididos em 26 turmas. Em 2020, segundo o Censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) eram 1.351, ou seja, houve uma diminuição de 52% no número de matriculados. E essa redução é perceptível também em outros Ceebejas e colégios estaduais, o que mostra que provavelmente os estudantes que constam no documento encaminhado por nossa fonte não conseguiram efetivar suas matrículas.

A Secretaria de Educação ainda não disponibilizou no seu site a quantidade geral de matriculados para o ano letivo de 2021. Mas há os dados de cada colégio no Portal “Consulta Escolas”. Também não há, no site da Seed, dados sobre as matrículas de 2020, mas o Censo do Inep disponibiliza esses números. Comparando as matrículas entre os dois anos, em Curitiba, é possível destacar diminuições que passam, em algumas escolas, de 60% no número de matriculados na Educação de Jovens e Adultos:

– No Ceebja da CIC hoje existem 1.285 estudantes. Em 2020 eram 2.543. A diminuição é de 49% no número de matriculados.

– No Ceebja Paulo Freire em 2021 são 533 alunos. Em 2020 eram 771. Uma redução de 30%.

– No Ceebja Lais Miqueloto são 207 matriculados. Eram 540 matriculas em 2020, o que mostra uma diminuição de 61%.

– No colégio Hasdrubal Bellegard hoje são 172 alunos. Em 2020 havia 379. A redução foi de 54%.

– No colégio Maria Deon de Lira em 2021 existem 534 alunos. Em 2020 eram 1.359 estudantes. Uma diminuição de 60%.

Documento enviado ao Parágrafo 2 mostra que milhares de alunos ainda não tinham confirmado a matrícula no dia 12/02, apenas cinco dias antes do prazo estipulado.

 

Mecanismos legais para o fim da EJA

Há 15 anos Julio Nunes começou a estudar na Educação de Jovens e Adultos. Se alfabetizou, fez o ensino fundamental e hoje tenta cursar o ensino médio. “Tive oportunidade de estudar quando era mais jovem, mas não aproveitei. Agora eu quero e preciso estudar”, conta. Porém, permanecer na sala de aula (ou nas aulas online) se tornou um desafio. Em dezembro de 2020 ele tentou se matricular para o ano letivo de 2021. Foi pessoalmente ao Ceebja Zilda Arns e lá foi orientado a voltar outro dia porque naquele não havia atendimento. Em janeiro foi novamente, mas também não conseguiu. Depois de algumas ligações telefônicas agendou um atendimento para o mês de fevereiro. Quando chegou ao Ceebja recebeu a orientação de fazer a matrícula online. Preencheu todos os dados necessários, mas precisava de um código de confirmação, o Código Geral de Matrícula (CGM) que seria gerado pela Seed e enviado para seu celular por SMS. Mas o código não chegava. Esperou por uma semana, depois outra e mais outra. Tentava refazer o cadastro todos os dias para que um novo código fosse enviado. Durante esse período, ligou para o Ceebja mais de 30 vezes, ninguém atendia. Precisou ir pessoalmente no Centro de Educação para pedir auxílio. Conseguiu o código apenas no final de fevereiro depois de ao menos quatro tentativas dos funcionários do colégio.

Julio ficou espantado com a dificuldade para conseguir confirmar a matrícula. “Antes era muito mais fácil, não levava meia hora para se matricular. Eu, que não tenho dificuldades em mexer no celular, achei muito difícil. Porque tem que digitar o CPF, o número de celular, um código que vem no comprovante da matrícula. Daí vai pra outra tela que pede mais informações, mais códigos. Sempre estudei em turmas que tinham pessoas mais velhas, acho que elas não conseguiram fazer a matrícula e muito menos gerar esse código”, desabafa.

As dificuldades enfrentadas por ele foram as mesmas de Philip José Cordeiro de Torres, de 24 anos, morador do Jardim Campos Verdes, na cidade de Londrina e estudante da Eja. Ele também precisou da ajuda dos funcionários da Escola Ignez Corso Andreazza. “Meu celular não foi atualizado e por isso eu não conseguia gerar o código para confirmar a matrícula. Tentei muitas vezes e precisei de ajuda dos funcionários da escola para conseguir. Fiquei decepcionado, me sentindo excluído, sentindo que o governo não queria que eu estudasse”, conta.

A pandemia e a necessidade de isolamento social demandaram adaptações na metodologia para a realização de matrículas e rematrículas na rede estadual. Entretanto, aos alunos e alunas da Eja foram impostos procedimentos exclusivos. Em outubro de 2020 a Seed publicou a primeira orientação para as escolas definindo os critérios e regras para as matrículas e rematrículas destinadas ao ano letivo de 2021. Aos alunos do ensino regular foi direcionado apenas um documento de orientação. Aos da Eja foram seis e que trouxeram várias mudanças. A cada mês (e as vezes mais de uma vez por mês) as orientações mudavam:

> Em 29 de outubro a Seed publicou a Instrução Normativa 02/2020 que trata sobre os procedimentos para efetivação de matrículas e rematrículas na rede pública estadual. Segundo a instrução, para os estudantes do regular as confirmações se dariam online (no sistema Escola WEB) de 23/11 a 18/12. Para isso, era necessário acessar a área do aluno; fornecer CPF e celular para gerar um código de segurança que seria gerado e recebido por SMS e que deveria ser inserido na área do aluno. O comprovante poderia ser recebido por e-mail ou de maneira impressa. Somente em caso de o responsável legal ou o estudante maior de 18 anos não possuir celular ou acesso à internet, poderia ser realizado o processo de confirmação de vaga de rematrícula na instituição de ensino onde o estudante encontra-se matriculado.

Já as matrículas da EJA deveriam ser efetivadas apenas depois da confirmação das turmas e iriam de 4 a 15 de janeiro. Para a confirmação seria obrigatório o comparecimento da mãe, ou do pai ou do responsável legal ou quando estudante maior de 18 anos, na instituição de ensino, onde está regularmente matriculado ou em que deseja matricular-se; preencher e solicitar, obrigatoriamente, a assinatura da mãe, ou do pai ou do responsável legal ou ainda do estudante quando maior de 18 anos, no Requerimento de Matrícula emitido pelo Sistema Escola Web.

> Em 05 de novembro a Seed publicou a informação 29/2020 direcionada a alunos e alunas da Educação de Jovens e Adultos. Esse documento tratava sobre a pré-matrícula que iria de 09/11 a 27/11 e de 30/11 a 29/01. Como procedimento as instituições deveriam contatar estudantes ou seus responsáveis para conferir a intenção deles em se matricular. Caso houvesse interesse o estudante deveria comprová-lo por meio de ficha de requerimento; formulário eletrônico; e-mail; mensagem de celular.

Aqui as escolas precisaram entrar em contato com estudantes. Isso é exclusivo apenas para a EJA.

 > Já em 27 de novembro a Seed publica a informação 38/2020 que revoga a 29/2020 e determina que as instituições deveriam contatar estudantes ou seus responsáveis para conferir a intenção deles em se matricular. Agora, para rematrícula deveria haver confirmação na área do aluno até 18/12. Para novas matrículas, o responsável legal ou o estudante maior de 18 anos deveria enviar a documentação solicitada para o e-mail da instituição. Depois a escola entraria em contato com os alunos para informar o CGM e estes deveriam confirmar a matrícula na área do aluno.

Nesta resolução os estudantes de EJA obrigatoriamente precisariam fazer o procedimento online e depois as escolas precisam gerar o código e enviar para eles.

> Em 02 de dezembro é publicada a Informação Conjunta 57/2020. Nela a Seed traz orientações sobre o processo de confirmação da intenção de vaga escolar na área do aluno. Ele trata de alterações no SERE para coletas de dados. Porém, há aqui questões pertinentes que claramente dificultam a efetivação das matrículas para a Eja: para o ensino regular era permitido três estudantes registrados em um número de celular. Já para a EJA apenas um estudante por número.

> Em 04 de dezembro é publicada a Informação Conjunta 58/2020 que trata sobre a confirmação de vaga na Área do Aluno para estudantes que não possuem internet e/ou celular. Há a orientação de que as instituições realizem um atendimento in loco com os alunos e digitalizem documentos com RG, CPF e comprovante de endereço. Depois deveriam abrir um protocolo e encaminhar à Seed.

> Por fim, em 07/12 a Seed publica a Informação Conjunta que retifica a anterior no que diz respeito às escolas em comunidade indígenas, quilombolas e assentamentos e que a orientação de atendimento in loco não deve se aplicar a estes estudantes. Eles deveriam ir pessoalmente às escolas.

Ou seja, ao longo de dois meses a Secretaria de Educação mudou várias vezes os procedimentos para a pré-matrícula e a consolidação de matrículas e rematrículas. Um sistema confuso que dificultou o trabalho de profissionais das escolas e desorientou estudantes.

A Seed publicou, de outubro a dezembro, ao menos seis orientações que mudaram a dinâmica das matriculas para a Eja

Segundo professores e funcionários de escolas que conversaram com o Parágrafo 2, sob a condição de anonimato, a informação 29/2020 destaca que dia 27/11 era o fim do prazo para rematrícula dos estudantes das escolas e quando iria começar a matrícula para comunidade externa houve mudança na organização, de forma que todos que tinham feito a rematrícula teriam que confirmar novamente até dia 18 de dezembro.

No dia 18 de dezembro fechou a área do aluno no portal da Seed para todos e em janeiro, com a orientação 03/2021, a área do aluno foi reativada para a Eja e todos e todas tiveram que confirmar novamente a matrícula nesta área. Caso isso não fosse feito, o estudante seria excluído da turma, mesmo que estivesse com a matrícula assinada.

Os trabalhadores da educação destacam que, conforme as primeiras resoluções, o aluno poderia confirmar a matrícula de várias formas, por whats dizendo que queria a vaga, por google forms, por email, ou de forma presencial. A escola divulgava que as matrículas estavam abertas e havia várias formas para a confirmação. Além disso, assim que possível, os estudantes iam até a escola assinar o requerimento. A partir desta informação, os Ceebjas e as escolas que ofertam Eja fizeram formulários no google forms e realizaram uma ampla divulgação para que os estudantes preenchessem com a intenção de matrículas para posterior confirmação in loco. Foram vários dias de trabalho e inúmeros estudantes preencheram o formulário.

Neste caso, para quem já era aluno e já tinha o CGM (Código Geral de matrícula), bastava confirmar na área do aluno. No entanto, para o estudante (já vinculado à instituição), a confirmação se dava pelo acesso à área do aluno, com CGM e telefone (deveria ser o mesmo que foi cadastrado no sistema SERE). O código iria para este telefone e, com esse código, o aluno faria a confirmação da matrícula. O entrave nesta ação foi que os estudantes trocam de telefone com frequência e, se o telefone não conferisse com o do sistema SERE, o aluno deveria ir até a escola para solicitar a atualização de cadastro, para novamente fazer o processo. Se o estudante não tivesse telefone, ou internet para esta confirmação, deveria ir até a escola, em horário previamente marcado com a secretária e/ou direção, para que neste dia, uma pessoa do Núcleo Regional de Educação (NER) estivesse presente na escola, juntamente com este estudante para validar os seus documentos e encaminhar via protocolo para o NRE. Um verdadeiro descaso e desconfiança do NRE para com as pessoas da instituição.

Para os novos alunos a documentação deveria ser levada até a escola, ou inserida em um link online, que nunca ninguém usou. Essa documentação era enviada para o NRE e esse fazia o cadastro e gerava o CGM. A escola então entrava em contato com o estudante novamente, passando o número do CGM e ele tinha que fazer a confirmação na área do aluno no portal da SEED.

O Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos é uma entidade constituída por instituições governamentais, não-governamentais e movimentos interessadas em compor um espaço de articulação de forma ampla dos diferentes segmentos de representação da Eja no Paraná. Para o Fórum, os procedimentos colocados pela Seed no tocante às matrículas na Educação de Jovens e Adultos não são aleatórios, mas estão vinculados a uma política pública educacional pautada num projeto de desmonte dessa modalidade de ensino, desconsiderando por completo o que preconizam as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação de Jovens e Adultos. E, tais procedimentos foram decisivos para a não confirmação de matrícula por parte de milhares de alunos.

A dificuldade maior para a consolidação das matriculas, conforme o Fórum, foi o acesso à tecnologia e domínio da mesma por parte dos estudantes, além do caso da mudança de número de telefones dos alunos, os quais ainda não haviam sido alterados no sistema, quando o código era então enviado, mas ia para o telefone antigo e o estudante não tinha acesso a esse número devido à troca de aparelho ou de número de celular. “Os funcionários ficaram sobrecarregados; funcionários, professores e professoras, equipes pedagógicas e gestores tiveram que montar uma força tarefa para ajudar nas confirmações; os estudantes reclamaram muito porque já tinham providenciado e encaminhado a documentação, já haviam assinado a matrícula de forma presencial e achavam que estava tudo ok, que não havia necessidade de fazer mais confirmações. Para eles era muito difícil entender as razões desse processo todo”, dizem representantes do Fórum.

A APP-Sindicato, entidade que representa trabalhadores de educação do Paraná, afirma que existe um cerceamento do direito a matrícula, além de uma constante desconsideração do árduo trabalho executado pelos trabalhadores no interior dos CEEBJAs e escolas. “Nosso posicionamento está em consonância com o que vem sendo elaborado e executado pelo Fórum de Eja, de contrariedade a esta dinâmica de mudanças constantes durante o processo de realização de matrícula pelos CEEBJAs e escolas, mudanças em que sem muita dificuldade se verifica que a nova regra praticamente anula os procedimentos da anterior, criando um processo inexequível de trabalho e retrabalho para as funcionárias e funcionários com essa atribuição nas escolas, que no esforço de garantir o direito a matrícula para a comunidade que procura, tem contado com ajuda da direção, das equipes pedagógicas e professores/as, colocando toda essas pessoas sob alto risco de contaminação, por exigir documentos físicos assinados pela pessoa pretendente a matrícula, secretaria e direção de escola. A outra característica que leva a exclusão e que está fortemente presente nesses atos administrativos, é a imposição de procedimentos on-line com a necessidade equipamentos, acesso a internet e níveis de conhecimento incompatíveis com a condição de quem pretende iniciar ou retomar seus estudos, são pessoas que tem no analfabetismo mais uma condição de exclusão, mais uma porque junto com a baixa escolarização certamente está a pobreza, que impões limites quase intransponíveis de acesso as tecnologias exigidas para o acesso a um direito, o que nos leva avaliar que tais procedimentos contribuem de forma preocupante para a redução da oferta pública e gratuita pelo estado, de um direito público subjetivo, a educação”, diz Taís Mendes, representante da APP.

Qual o interesse no fim da Eja?

No dia 15 de setembro de 2020 o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, publicou um vídeo nas redes sociais no qual parabenizava os profissionais de educação pelos resultados obtidos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas. Feder estava radiante. Um sorriso colossal era a personificação do sucesso do projeto do governo do Paraná de colocar o estado no topo do índice do Ideb entre todos os estados brasileiros. Renato Feder, empresário paulista, assumiu essa tarefa passada pelo governador Ratinho Júnior (PSD). Tem obtido êxitos. O estado está em segundo lugar no Ideb nos anos iniciais do fundamental, atrás apenas de São Paulo e em terceiro nos anos finais, com São Paulo e Ceará à frente. No ensino médio ficou atrás apenas de Goiás e Espírito Santo. O custo para o sucesso, no entanto, envolve o gradativo enfraquecimento da Educação de Jovens e Adultos.

O processo de extinção desse modelo de ensino é um dos efeitos da chamada “política de governança” no estado do Paraná. Este modus operandi de gestão da política educacional, toma como fundamento a lógica de fazer mais com menos como sinônimo de eficiência da gestão pública, uma vez esta passa a operar a partir da transferência dos valores empresariais para a gestão estatal. Quem explica é Camila Grassi Mendes de Faria, pesquisadora e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. “No campo da educação, o que vemos a cada dia, é a elaboração de novas técnicas que têm por finalidade produzir dados capazes de serem utilizados como prova de validação deste modelo. É por meio da geração de dados numéricos considerados como exitosos, que as ações políticas são validadas enquanto modelos aptos a serem seguidos por outros estados e municípios. A partir deste princípio, a comprovação em termos de números, torna-se moeda que atribui à política operada como válida e eficiente. É neste cenário que se insere a corrida pela elevação do Ideb, como dado principal capaz de evidenciar esta suposta eficiência”, explica.

Camila Grassi ressalta também que a modalidade da Eja não participa do mesmo processo de cálculo do Ideb, diferenciando-se do ensino regular.  Neste sentido, pela lógica da governança, manter em funcionamento uma modalidade de ensino que não gera dados de eficiência, torna-se contraproducente.  Sob a lógica de “fazer mais com menos”, a qual desconsidera as múltiplas dimensões que compõe a qualidade educacional, manter em funcionamento as turmas da Eja (que em geral são menores dos que as do ensino regular) reverberaria em gastos considerados (sob esta lógica) dispensáveis ao Estado. “Partindo de uma noção que economiciza tudo, inclusive a vida, o sonho de concluir a educação básica, assim como a oferta de vagas para o usufruto do direito à educação dos jovens e adultos, passa a ser secundarizado, reverberando, na materialidade, pelo fechamento de turmas e instituições de ensino especializadas na oferta da EJA”, completa a pesquisadora.

Para Rodrigo Tomazini, agente educacional II que trabalha com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos e é diretor da APP – Sindicato Núcleo Sindical Curitiba Norte o enfraquecimento da Educação de Jovens e Adultos tem como finalidade fechar turmas para que a educação privada seja favorecida. “Renato Feder é obcecado na implementação do que chama de Educação à Distância (EAD) e na venda de quinquilharias do ramo de tecnologias. Esse ataque vai turbinar o mercado privado com ofertas de vagas em instituições privadas no modelo não presencial”, diz Tomazini.

Segundo ele, para quem trabalha na modalidade de jovens e adultos, é fato conviver com uma queda de estudantes durante o ano letivo. As condições materiais de vida dos trabalhadores fazem com que tenham que abandonar momentaneamente os estudos, voltando no ano seguinte. Isso faz com que haja o que o governo chama de evasão e assim o governo utiliza como desculpa para o fechamento dessas turmas. Por outro lado, destaca Tomazini, sabemos que boa parte dos estudantes que precisam se matricular nessa modalidade, começam a procurar as escolas no início do mês de março. O prazo para exclusão de matrículas no dia 17 de fevereiro é no mínimo um desconhecimento dessa realidade, mas também pode ser proposital para garantir o fechamento de turmas. “Quanto ao ensino médio regular ofertado no período noturno (onde os índices de reprovação e evasão em geral são maiores e onde o rendimento nas provas padronizadas, também é mais baixo), o fechamento de vagas neste turno em específico, favorece a elevação das notas do Ideb enquanto média estadual, e consequentemente, tende a ampliar a possibilidade de uso deste dado, enquanto crivo de validação do modelo operado como eficiente”, completa.

 Um fantasma

No dia 15 de março Julio Nunes foi informado de que sua matricula não tinha sido confirmada, não haviam dados sobre ele no sistema da Seed e, nas palavras da Secretaria, Julio era um “aluno fantasma”.

“Estou pensando seriamente em desistir. Não sei como vou continuar se nem matricula consigo fazer”, diz Julio.

Confinado numa casa de três peças, repleta de caixas e cacarecos, ele sobrevive fazendo bicos de jardinagem. Em março sua renda foi de R$ 500, em abril ainda não ganhou um centavo. Concluir o ensino médio parece ser um caminho para mudar essa realidade. No entanto, para Julio, o governo do estado não quer que ele cruze essa fronteira. “Estou pensando seriamente em desistir. Não sei como vou continuar se nem matricula consigo fazer. Me senti humilhado quando o governo me chamou de fantasma, senti raiva e revolta. Politizaram a Eja, por isso tenho nojo de política, porque onde ela chaga estraga tudo”, lamenta.

O Parágrafo 2 entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Seed para pedir esclarecimentos sobre os fatos trazidos nesta reportagem. Até a publicação da mesma a Secretaria não tinha se manifestado.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.