No último mês de dezembro, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia (Nesef) da Universidade Federal do Paraná completou 20 anos. Nascido em 1998, frente à necessidade de se criar um espaço para problematizar questões relacionadas ao Ensino de Filosofia (conteúdos, método, recursos, políticas educacionais, etc.), para troca de experiências, promoção de cursos de atualização, debates, produção de materiais, publicações de artigos e para apoiar a luta pela inclusão da disciplina de Filosofia nos Currículos da Educação Básica, o Nesef é uma iniciativa de caráter público, interdepartamental e interinstitucional com uma atuação voltada tanto para pesquisa como para extensão, com ênfase em atividades e estudos sobre temas filosóficos e educacionais. Formado por professores (universitários e do ensino médio), além de estudantes, o Núcleo participou, nas duas últimas décadas, de importantes discussões e ações voltadas ao ensino de Filosofia no Brasil.
O professor Geraldo Balduino Horn coordena o Núcleo desde sua fundação. Em entrevista ao Parágrafo 2 ele fala sobre a atuação do Núcleo nos últimos 20 anos.
Parágrafo 2: Nestes 20 anos de existência o Núcleo debateu, produziu conteúdo e apoiou lutas voltadas ao ensino de Filosofia. Que momentos emblemáticos podemos destacar na história de luta do Nesef?
Geraldo Horn: A meu ver, para uma compreensão mais objetiva do que significam estes 20 anos de história do Nesef, podemos dividi-los em três momentos. O primeiro, de 1997 até 2002, é o período em que a principal preocupação era a luta para tornar a Filosofia uma disciplina reconhecida no currículo do Ensino Médio. Nesse sentido, já em 1997, ainda em fase embrionária, o Nesef participa das primeiras discussões que levaram à construção do projeto de lei que propõe a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias da base curricular do Ensino Médio. Projeto este apresentado e discutido na Câmara Federal pelo então deputado Federal pelo Paraná, Roque Ziemmermann. Tratava-se de substituir o inciso III do artigo 36 da LDB 9394/96 – que afirmava que todo/a estudante ao concluir o Ensino Médio deveria ser capaz de demonstrar conhecimentos mínimos em Filosofia e Sociologia -, por um texto mais enfático tornando a Filosofia um conteúdo obrigatório para todos os estudantes do ensino médio. A meu ver, este foi o primeiro episódio da atuação do Nesef como “intelectual coletivo”, promovendo eventos e debates com os estudantes e professores sobre a necessidade de buscar um espaço próprio para o ensino de Filosofia seja do ponto de vista acadêmico seja em relação ao campo profissional. Lamentavelmente o Projeto de Lei defendido pelo deputado Roque Ziemmermann foi vetado, em 2001, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Nesse sentido, entendo que foi extremamente importante a atuação do Nesef ao lado da APP-Sind, principalmente, no aprofundamento da pauta em relação à carreira profissional.
O segundo momento forte de atuação do Nesef ocorre entre os anos de 2003 e 2010, período que ocorreu uma aliança entre os segmentos progressistas do campo acadêmico, sindical e das gestões de governo tanto na esfera estadual como federal. Houve, a meu ver, uma confluência de interesses em torno da implementação de um projeto educacional em defesa da ampliação da participação efetiva e democrática dos/as professores/as e gestores no debate público das políticas educacionais. Período que marca a defesa da escola pública e gratuita para todos/as e com qualidade socialmente referenciada. Nesse sentido, destaco a participação do Nesef na construção do documento das Diretrizes Estaduais de Filosofia, no acompanhamento da produção do Projeto Folhas e do Livro Didático e na construção da Antologia de Textos Filosóficos. Importante destacar também a atuação do Nesef dentro da UFPR seja em relação ao estudo de textos e debates em torno do ensino da Filosofia seja da produção acadêmica de dissertações e teses voltadas à educação filosófica, principalmente a partir de 2005.
Por fim, pode-se falar de um terceiro momento marcante de atuação do Nesef que ocorreu entre os anos de 2011 e 2018, período em que se consolidam algumas das mais importantes atividades desenvolvidas pelo Nesef: a Revista do Nesef Filosofia e Ensino (hoje com 13 edições publicadas); a formação do G-Fil (Grupo de Educação Filosófica) responsável pela leitura, debate e estudo de textos relacionados ao campo de educação filosófica (grupo que se reúne sistematicamente todas as quartas-feiras); a criação e consolidação do G-Cine (Grupo de Estudos sobre Cinema e Filosofia) que possui hoje dois cineclubes com sessões mensais programadas: Cineclube Jogo de Cena e Cineclube Itinerante; formação do G-Filo (Grupo de Filosofia Outras) que funciona com uma programação mensal sistemática na sede do IFil; criação do G-EEP (Grupo de Estudos de Economia Política) que vem organizando debates, a partir de 2016, sobre a política econômica e educacional e a leitura do Livro I d’O Capital, de Marx; consolidação do jornal O Sísifo criado em 2017 e lançado oficialmente em junho/2018 com edições e publicações periódicas publicizadas no início de cada mês.
Parágrafo 2: E o cineclubismo, ele ainda continua fazendo parte das atividades do Nesef?
Geraldo Horn: Sim, o cineclubismo hoje ocupa um importante espaço no conjunto das atividades do Nesef. Possui edições mensais permanentes: uma na universidade com o Jogo de Cena e a outra nos bairros com o Cineclube Nesef Itinerante (Osternack e Sabará). As programações do cineclubismo são discutidas e definidas no G-Cine (Grupo de Estudos de Filosofia e Cinema). Trata-se de um grupo de 8 a 10 pessoas que se encontram uma vez por mês para estudar textos e discutir temas relacionados ao cinema. Os encontros do G-Cine e do Jogo de Cena deste ano (2018) foram dedicados ao estudo do Cinema Novo.
Parágrafo 2: No atual cenário educacional brasileiro, onde ganham forças iniciativas como o projeto “Escola Sem Partido” e há, por parte do poder público, iniciativas que tencionam enfraquecer disciplinas da área de humanas como a Filosofia, que papel deve ter o Nesef?
Geraldo Horn: O Nesef, como coletivo de professores/as, estudantes universitários e secundaristas e como grupo de estudo, manterá sua firme atuação acadêmica com uma programação que há 20 anos ocorre, sistemática e regularmente, nas quartas-feiras no período da tarde. No ano de 2019 a programação de estudos e reflexões contemplará temas como: educação filosófica e método; filosofia e os clássicos de economia política; política filosofia e educação em Benjamin; Marcuse, juventude e resistência; estética e educação em Lukács e Adorno e filosofia política em Gramsci.
Desde 2016 com o lançamento da reforma do ensino médio (MP 746/16) passamos a intensificar nossa atuação nas escolas debatendo a controversa política educacional do governo golpista de Michel Temer. De 2016 a 2018 fizemos debates em mais de 150 escolas, universidades, sindicatos e associações de moradores em todo o Estado do Paraná. Além da reforma do ensino médio (hoje, Lei 13.415/17) discutimos e manteremos o debate, em 2019, em torno da insana e autoritária proposta de Escola Sem Partido de Miguel Nagib e família Bolsonaro ltada. Não há possibilidade de negociação com os mentores e autores deste projeto que, em sendo implementado, destruirá a educação e a carreira docente – fruto de um processo histórico de conquistas dos trabalhadores em educação.