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No maior produtor de alimentos do mundo a fome tem cor, gênero, classe e região: o que diz o Atlas das situações alimentares no Brasil

Durante as reuniões do Fórum Econômico Internacional, ocorrido em Junho deste ano em São Petersburgo, na Rússia, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a seguinte frase: “Nos próximos anos, o Brasil deve consolidar-se como o maior produtor mundial de alimentos, mesmo no contexto da pandemia que assola o planeta. Continuamos a garantir a segurança alimentar de um sexto da população mundial”1. O Agronegócio brasileiro segue produzindo e exportando grãos a todo o planeta, acumulando seguidos recordes de produção e de lucro. Por outro lado, a fome assola cada vez mais lares por todo o Brasil. Segundo dados do ministério da saúde, para o ano de 2020, somente 21% das crianças brasileiras realizam três ou mais refeições, mostrando que esta é uma questão extremamente relevante para grande parte dos lares brasileiros. Nas palavras da escritora Carolina Maria de Jesus, “Quem inventou a fome são os que comem”.
Pensando esta questão, nesta última sexta-feira (26/11) foi lançado o Atlas das Situações alimentares no Brasil: A disponibilidade domiciliar de alimentos e a fome no Brasil contemporâneo. Organizado por José Raimundo Ribeiro Junior (Geógrafo), Mateus de Almeida Prado Sampaio (Geógrafo), Daniel Henrique Bandoni (Nutricionista) e Luísa Lima Silva de Carli (Designer), este documento busca compreender a situação de alimentação e fome nas diferentes regiões do Brasil, assim como quais são as pessoas que estão submetidas à esta situação. Para José Raimundo, um dos organizadores, o termo insegurança alimentar, utilizado por instituições globais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e mesmo pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é um eufemismo para uma questão que está presente em grande parte dos países do mundo, em especial nas economias periféricas. Neste sentido, autores do atlas trabalham com dados destas organizações propondo uma reclassificação do problema, baseado nos estudos de Josué de Castro, classificando as situações alimentares em três categorias: Sem fome e risco de fome; Risco de Fome e fome.

Entre 2017 e 2018, 24% da população brasileira, ou seja, 16,5 milhões de pessoas estão em risco de fome, enquanto outros 12,7%, 8,7 milhões de brasileiros estão em situação de fome. O Estado de São Paulo concentra a maior parte das pessoas em situação de fome, com 1,189,114 pessoas nesta condição, apesar de proporcionalmente os estados das regiões Norte e Nordeste como Amazonas, com 33,8% da população em estado de fome, Maranhão, com 30,9% e Amapá, com 29,7%. O Estado do Paraná, que se vangloria por ser o Estado do Agronegócio e o segundo maior produtor de alimentos do país, é o 15° estado onde há mais incidência de fome em números absolutos no país, com 191,513 habitantes, ou 4,5% da população nesta condição. No texto, os autores chegam a comentar o seguinte:

“É possível identificar claramente duas tendências opostas na evolução da fome entre os anos de 2004 e 2018. Enquanto de 2004 a 2013 houve uma redução de aproximadamente 3,7 milhões de domicílios em situação de fome no país, entre 2013 e 2018 observou-se um crescimento de 3,6 milhões de domicílios nessa situação.
Porém, se na escala nacional o avanço no primeiro período foi praticamente revertido no segundo, essa situação varia bastante entre as unidades da federação, com destaques em sentidos inversos para Amazonas, Pará e São Paulo (maiores aumentos) e Bahia, Paraná e Ceará (maiores reduções).” p. 96.

No entanto, esta evolução da fome no país à partir de 2013 afetou de maneira desigual não só as regiões brasileiras, mas suas dimensões de classe, raça e gênero. Os brasileiros com rendimento familiar mensal inferior a 2 salários mínimos (45,5 milhões de pessoas) gastam em média 22% de sua renda com alimentação, sendo mais atingidos pelo aumento no preço dos alimentos que os que obtém um rendimento familiar mensal superior a 25 salários mínimos, que gastam 7,6% do que ganham com alimentação. Mulheres e não brancos também tendem a estar mais sujeitos à fome, já que 28,3% dos não brancos e 26,5% das mulheres estão em situação de risco de fome. Em situação de fome são 16,8% (7,4% entre os brancos) e 15,4% das mulheres (10,8% entre homens) respectivamente.
O Atlas nos trás ainda dados sobre o tipo de alimento consumido em cada região, pensando os alimentos in-natura, com ingredientes processados, processados e ultraprocessados, além de contar com dados dos tipos de alimentos consumidos (pães, arroz, carne, feijão, entre outros) e está disponível para Download gratuito clicando .

About Kauê Avanzi

Kauê Avanzi é doutorando em Geografia pela FFLCH-USP, educador no Ensino Básico, poeta e músico. Gosta de escrever, se divertir e confraternizar.