Crônicas
Capitulo I
Laguna, 09 de janeiro de 2011
O café em família, à mesa chineque de banana e de creme coberto com coco feito com pão de leite, pão d’agua, leite fervido, a mãe, o irmão, eu e o pai, o sol debruçava na janela e nos acompanhava na manhã. A viagem foi boa pela BR 116 sem acidentes e atrasos da Reunidas, deu com a mão depois da garagem no bairro Capanema para o motorista – O Magrão – pagou-lhe um café na parada em Camboriú, velho amigo. Era o Magrão, Careca, Batista, Pinguço, o meu era o Patrão, mas isto foi bem depois.
Abre o pão com a faca na horizontal, tira o miolo, e a mesma passa a margarina, a mãe retruca:
– Oh! Você vai por açúcar no pão?
A semana foi longa e lhe confesso era um aperto os dias que saia para visitar a esposa era uma flecha de ponta cega e sem alvo.
Piraquara, 22 de setembro de 2013
A diabetes é uma doença que dificulta a cicatrização de cortes, machucados e lacerações, causa cegueira ou glaucoma e mal administrada amputações de membros. A mãe voltou de Laguna foi vender a casa da praia, o cachorro da vizinha megera Vanilda mordeu seu pé esquerdo, inflamou. Diabetes alta, excesso de remédios no fígado e pâncreas, crescimento exacerbado do coração, falta de ar, internamento às pressas no Hospital James Ribas Martins São Cristovão, Piraquara, ao lado do Terminal.
Abriu a porta do quarto pela manhã antes do trabalho e disse:
– Cadê a sua mãe?
– Esta internada no Hospital de Piraquara ao lado do terminal no terceiro andar quarto 312, por causa do pé.
Quando cheguei havia frutas, pão, leite e debruçado no sofá assistindo televisão num semblante calmo e sem indagações.
– Onde tá sua mãe, porque não chegou ainda?
– Esta internada no Hospital de Piraquara.
– Como assim? Amanhã eu vou lá.
Fomos no Sábado. Ficou ali parado ao lado da esposa os olhos embargados, o pé da mãe um pouco melhor e já cicatrizando. O amor dura pouco. O que realmente concretiza da paixão e assim evolui, passando pelo amor, casamento e filhos, é o companheirismo. Até que a morte os separe na saúde e na doença, assim eram as preces dela. A semana foi longa e lhe confesso era um aperto os dias que saia para visitar a esposa era uma flecha de ponta cega e sem alvo.
Curitiba, 15 de abril de 2009
O pai fazia aniversário duas vezes por ano. Mas, a data ao certo nem ele sabia. Tinha dois sobrenomes registrados e dois signos do zodíaco Áries e Capricórnio, talvez daí as personalidades difusas e o ego típico ariano. Falador, às vezes sisudo – contas, irônico “to ralado” e coçava a cabeça, criou cinco filhos, alguns sobrinhos, enterrou o pai, o tio Vanderlei com 19 anos e a irmã de diabetes.
De criança vendia pão para os ricos e um vinha de brinde “não precisam”, duas irmãs bem vestidas pra um filho de pés nus, de casa em casa com cesto na cabeça, cesto na cabeça? Uma ideia na cabeça. Descarregava caminhões de carvão, negro, braços longos e espessos, no frio inverno da serragem catarinense dormia na garagem do ônibus Alvorada e, às vezes com sorte, com as galinhas e porcos debaixo da casa, sabia escapar de uma boa coça. Gabava-se, depois de velho com as mãos abraçadas sobre a barriga, “tenho cinco casas” e realmente as tinha. Os contos tão grandes quanto à língua. Sabia assinar o nome com garranchos e fazia contas de cabeça, um bom homem honesto a seus princípios.
Domingo, a família reunida para o festejo, a fila da Churrascaria El Tchaco dobrava a esquina, fica ali perto do posto pra quem vai pela Rua Prefeito Erasto Gaertner sentido Colombo. Os irmãos, tios, tias, amigos, cunhadas, sobrinhos, aquela quizumba de povo quando sai pra comer fora e leva as panelas vazias para fazer o samba enquanto espera. O pai e a mãe faziam aquelas montanhas de comida com tudo do buffet – arroz, feijão, queijo, lasanha, linguiça, manga, sushi – e antes mesmo de começar o rodízio de carnes já estavam empanturrados.
Nós, a família, fazíamos valer o preço, demos prejuízo, comemos, festejamos, rimos, a mãe com aquele prato encobrindo os óculos, ficou pequenininha diante do farto e efêmero momento, tirou a dentadura e colocou do lado na mesa enrolado no guardanapo, segundo ela “fica melhor pra comer”. O velho com aquele jeitão de quem abraça tudo comendo com apenas um dos braços e o garfo a toda vontade no prato, Ah! Se ele pudesse dispensava a formalidade dos talheres.
Um gritava de lá outro de cá, carne assada e alegria tem gosto de povo, tem cheiro de vida, não é aquele samba de camerata as pessoas levantam, dançam, batucam, falam um monte de merda e ainda fazem coro, das entranhas deste ou de outro qualquer animal que brota a necessidade, chama-se fome. Dias abafados de pouco dinheiro, brigas, discussões, porém, felizes.
Continua.