Desde o dia 05/07, indígenas Avá-Guarani sofrem ataques no oeste do Paraná. Quatro regiões entre as cidades de Guaíra e Terra Roxa vivem sob grande tensão e a violência desencadeada por fazendeiros fez com que a Força Nacional de Segurança Pública se deslocasse para a região.
As comunidades indígenas Avá-Guarani que habitam a região oeste do estado do Paraná distribuem-se atualmente em 14 aldeias – ou tekohas, lugares onde poderão viver conforme o seu modo próprio de estar no mundo – que compõem a Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, e 10 aldeias que compõem a Terra Indígena Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, localizadas às margens do rio Paraná e de seus afluentes.
No início de julho, os guaranis começaram um movimento de expansão das aldeias e também de retomada de áreas dentro da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, que foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018, após longo processo de luta e muitas reivindicações. A reserva fica nos municípios de Guaíra, Terra Roxa e Altônia e vários trechos dela estão hoje em fazendas da região. São 165 os produtores rurais dos municípios de Guaíra e Terra Roxa que têm trechos de terra na Reserva Indígena. As propriedades somam cerca de 24 mil hectares.
Esse movimento de retomada dos indígenas gerou retaliações por parte de fazendeiros. Episódios de violência aconteceram em vários locais, como na Fazenda Brilhante, localizada no interior do município de Terra Roxa, onde vinte e duas famílias Guaranis montaram acampamento no dia 05/07. A área tem cerca de 530 hectares e os indígenas reivindicam 25% desse território.
No dia 08/07 essa retomada sofreu o primeiro ataque. Os indígenas foram cercados por fazendeiros fortemente armados, tiros foram disparados. Barracos e alimentos foram queimados.
No dia 13 outro ataque aconteceu. No sábado de frio e chuva os guaranis foram novamente cercados. Quem conta é Okaju Karai, que é da tekoha Guasu Guavirá. “Os fazendeiros cercaram a retomada. Neste ataque, uma senhora indígena acabou se perdendo com seu filho na mata e demorou pelo menos uma noite e um dia para ser encontrada”, diz.
Nove horas como reféns
No domingo (14) houve uma ampliação da Tekoa Taturi, no município de Guaíra e mais uma vez os indígenas foram atacados. Dois deles foram atropelados e só receberam atendimento horas mais tarde. “A comunidade da Taturi foi cercada por fazendeiros e pela polícia. E a PM que foi lá não estava garantindo a segurança deles, mas pressionando para que os indígenas recuassem e abandonarem os acampamentos. Lonas e barracos foram queimados, a comida que não foi queimada foi roubada. Os indígenas feridos não puderam ser atendidos porque os fazendeiros não deixaram o SAMU entrar. A PM também disse que ninguém entraria, nem atendimento à saúde, nem SESAI, nem FUNAI”, conta Okaju.
Durante este ataque, os indígenas ficaram cercados por fazendeiros armados e por policiais militares. Foram nove horas sem que ninguém pudesse sair do local. “Não deixaram nem o SAMU entrar e os indígenas ficaram nove horas como reféns”, enfatiza Okaju Karai.
No dia 16 finalmente representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Funai compareceram à região. Esperava-se também a presença de representantes da Itaipu, mas eles não vieram.
Ainda no dia 16/ 07, aconteceu a ampliação de mais uma aldeia, desta vez um grupo de 30 indígenas montou acampamento na região do antigo Mirante da Eletrosul, em Guaíra. Na manhã do dia 17 eles sofreram um cerco de homens armados. Na ocasião, o Batalhão de Fronteira da Polícia Militar ameaçava entrar no acampamento em companhia da Polícia de Choque. Com muito custo os guaranis se comunicaram com o Ministério dos Povos Indígenas que se deslocou para a retomada.
No dia 17 a Força Nacional de Segurança chegou à região onde deve permanecer pelas próximas semanas.
No dia 18 uma nova ampliação de Tekoha, desta vez da Aldeia Tekoha Hite e Jevy na Fazenda da Mate Laranjeiras, começou. Desta vez a ocupação foi acompanhada pela Força Nacional.
As Terras Indígenas do Oeste do Paraná e sua demarcação
As Terras Indígenas da região Oeste do Paraná são uma parte do território tradicionalmente ocupado pelos Avá-Guarani que não foi submersa pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Os guaranis foram expulsos durante a ditadura para que a usina pudesse ser construída. Terras da comunidade e áreas consideradas sagradas, como a cachoeira de Sete Quedas e cemitérios, foram alagadas para a instalação da megaobra. Grande parte dos territórios indígenas foi inundado.
O que não foi alagado, no entanto, foi convertido, em grande medida, em lavouras para a produção de commodities agrícolas. Segundo a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) – que é uma organização indígena que congrega coletivos do povo Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil – nenhuma dessas terras teve seu processo de reconhecimento pelo Estado concluído até hoje, “o que tem perpetuado a situação de extrema vulnerabilidade e violação de direitos humanos e territoriais que recaem sobre as comunidades. Nesse contexto, a região é marcada por graves conflitos sociais atrelados ao litígio territorial envolvendo as comunidades Avá-Guarani e setores de interesses políticos e econômicos contrários aos direitos originários dos povos indígenas sobre as suas terras, com destaque para o setor ruralista”.
A Itaipu enviou uma nota às lideranças indígenas na qual Fernando Antônio Prazeres, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e Membro da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias no Conselho Nacional de Justiça afirma que “o compromisso da empresa na aquisição de áreas que possam atender às necessidades das comunidades Ava Guaraní. Os procedimentos necessários para a compra das áreas estão sendo ultimados e, em breve, poderão ser disponibilizadas. A Itaipu Binacional assume, ainda, o compromisso de continuar na sua política de dar suporte institucional às comunidades indígenas, de modo a garantir a elas a infraestrutura necessária para a ocupação das referidas áreas”.
No dia 18/07 algumas retomadas e Tekohas foram visitadas pelo Juiz da Comarca de Terra Roxa e pelo Ministério Público Federal. Conforme o Cacique Izaias, indígenas repassaram demandas à justiça destacando que precisam de acesso à água potável, alimentação e também garantia de acesso de alunos indígenas às escolas.
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